Tomás Fontes: “O que me traz emoções mais intensas na vida é estar a escalar”
- Gonçalo Azevedo
- 12/07/2022
- Desporto
Tomás Fontes vive intensamente a sua paixão por escalada. Quando não está no consultório a dar consultas de Reumatologia, podemos encontrá-lo a escalar uma rocha pelo prazer da superação e adrenalina.
São quase dez anos a subir rochas pelo país. Tomás tem 28 anos, é médico Reumatologista, e a paixão por escalada nasceu e cresceu consigo desde os seus tempos de escola secundária. Natural de Chaves, sempre esteve muito ligado à natureza. Juntamente com os dois amigos mais próximos, caminhavam na natureza e acampavam com muita frequência. Quando tiraram carta de condução, começaram a aventurar-se por caminhos cada vez mais longos, “a passar cada vez mais dias em autonomia, em sítios remotos sem nenhuma conexão à civilização”.
Em 2013, durante uma viagem aos Alpes Franceses, em Chamonix, depararam-se com várias pessoas a escalar as rochas. “É mesmo isto que a gente gostava de fazer, subir estas rochas era mesmo fixe”, comentaram os amigos entre si, curiosos com o que estavam a ver. Na zona onde estava instalados, acabaram por conhecer dois escaladores portugueses, ainda hoje bons amigos, que os aconselharam a se inscreverem em aulas de escalda para se iniciarem no desporto. Tomás recorda saudoso que graças a esse momento, despertou uma paixão dentro de si.
Volvido o ano letivo, descobriu a existência de aulas de escalada indoor em paredes artificiais, na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, e recorda que “daí para a frente foi a minha evolução toda e perícias novas a cada ano.”
“Conexão com a natureza, conexão com as pessoas e expressão corporal através do movimento”
Tomás Fontes vê a escalada como algo que o permite sair da zona de conforto e poder “viver a vida”. Dá a possibilidade de o levar a ver “sítios lindíssimos, escarpas de rocha e em sítios naturais muito bonitos ou ao pé do mar, ou em montanhas” e poder subir rochas inalcançáveis por maioria das pessoas, “um mundo vertical que é um mundo que está ali pendente só para quem consegue aceder”.
O companheirismo e ambiente vivido é, para Tomás, o que torna o mundo da escalada ideal para se “conectar e entender” com pessoas que não conhece de lado nenhum, e falar uma “linguagem universal que os escaladores do mundo falam”.
Depois o mais importante para mim é o movimento em si. É o facto de treinar executar uma dança ao longo de uma parede de rocha e ter de a treinar mesmo, porque se ela não sair bem a consequência é cair.
Tomás Fontes
“Conexão com a natureza, conexão com as pessoas e expressão corporal através do movimento”. São estas as palavras que usa para descrever, com um sorriso, o que mais o atrai na escalada. A dificuldade e a execução dos movimentos e conseguir superar-se, é o que faz Tomás sentir “que o que me traz emoções mais intensas na vida é estar a escalar”.
O que é a escalada?
A escalada é um desporto que consiste escalar paredes, atingido o topo de uma rocha ou de uma estrutura. Existem três grandes tipos de escalada, que depois podem dividir-se em estilos mais específicos.
A escalada em bloco ou boulder, que consiste em escalar, por norma, rochas de 6 a 7 metros sem cordas, só com a proteção de um colchão em caso de queda;
A escalada clássica, que é realizada em falésias mais altas, onde pode ou não ter proteções ao longo da rocha que permita prender a corda, ou essas mesmas proteções serem móveis. Este tipo é geralmente mais praticado por escaladores mais experientes;
A escalada desportiva, que é a mais comum e segura, devido à existência de proteções fixas ao longo da via (rocha), que “permite-nos concentrar mais nos movimentos e na dificuldade do movimento, sem a preocupação da segurança e é desafiante nesse sentido, porque tentamos fazer o movimento mais difícil possível”.
Existe ainda a escalada indoor, uma opção mais económica e mais rápida, pois não exige a deslocação para zonas naturais e pode ser feita num centro de uma grande cidade, como é o caso da The North Wall, que Tomás costuma frequentar.
Para escalar são necessários 5 materiais essenciais: o arnês, uma espécie de cinto “que nos conecta a uma corda que impede as quedas, que dá para a cintura e para as pernas”; o magnésio, uma substância em pó ou líquida, que é colocada nas mãos e que permite ter maior aderência nas presas; os pés de gato, umas sapatilhas flexíveis e pontiagudas que facilita no apoio e na subida das rochas, indispensáveis para escalar; a corda, que permite segurar o escalador; e por fim os mosquetões, que ligam o arnês à corda e também prendem a corda às presas.
Trocar a bata pelo arnês
Enquanto estudante, Tomás Fontes participou em vários campeonatos universitários nacionais, e um deles europeu na Croácia, quando representava a Universidade do Porto. Essas provas eram realizadas indoor, mas para Tomás “Aquilo que eu mais gostava era de escalar em rocha e me desafiar na rocha e na montanha e isso era aquilo para o qual eu trabalhei sempre”.
Hoje em dia o escalador tem de conciliar a sua paixão com a sua profissão. Apesar de querer levar o desporto mais a sério, está neste momento a seguir uma outra paixão, a medicina. O internato da especialidade em Reumatologia é “extremamente exigente”, e não duvida que dedica o restante do seu tempo à escalar rochas, “Acho que já e difícil alguém dar tanta a uma atividade como eu dou”.
Há uma respiração funda e uma expressão de sofrimento quando explica a conciliação e dedicação necessária para conseguir viver as duas vidas. Uma das coisas que tem sempre em atenção é a de “fazer horários o mais confortáveis possíveis e que me permitissem continuar a treinar com qualidade e a escalar ao fim semana e durante a semana quando é possível”, uma vez que quando teve oportunidade de escolher, evitava sempre trabalhar toda a noite. E continua, relembrando que fazer uma noite no hospital e treinar no dia seguinte é “praticamente incompatível”, devido aos ritmos circadianos e da regularização do sono, o que torna “praticamente impossível recuperar de uma noite e treinar no dia seguinte com qualidade.”, lamenta.
O que me acontece muitas das vezes é que a motivação é tão grande, que eu trabalho 12 horas no hospital e vou treinar até as 22h30
Tomás Fontes
Há várias semanas em que trabalha das “oito da manhã à oito da noite, de segunda a sexta, que já limita extremamente qualquer outra coisa que eu queira fazer.”, recordando que vive sozinho e tem que tratar das habituais tarefas diárias, o que torna tudo “extremamente cansativo”. Ainda assim, não esconde um sorriso quando diz que após um longo dia de trabalho “(…) tenho motivação para sair e treinar!”
Fruto do seu trabalho, já por várias vezes mudou de cidade. Inicialmente para os Açores, onde a distância o fez refugiar-se na escalada, e mais recentemente para Lisboa. E para todo o lado que vai, a escalada vai consigo. Para Tomás, “a maneira que eu arranjo de me conectar melhor com o sítio onde estou é precisamente através da escalada”, não esquecendo os bons amigos feitos graças à escalada “(…) é uma linguagem universal e entendemo-nos todos muito bem. Ficamos muito entusiasmados com projetos diferentes, projetos novos de escalada.”
É uma maneira fácil de conectar com a população, com pessoas, com um local que não conheces
Tomás Fontes
Dias antes, o escalador esteve na Dinamarca em trabalho. Nos quatro dias que lá esteve, foi por duas vezes a um ginásio de escalada e rapidamente conheceu e criou laços com “(…) uns dinamarqueses espetaculares, estive a fazer umas sessões [de escalada] com eles e foi espetacular.” relembrou, ainda entusiasmado por ter conhecido uma nova cultura e por “saber qual é o estilo de vida deles ali, qual é a visão da escalada deles ali, e é muito bom”.
“A escalada obriga-nos a sair de um sítio e viajar”
Tomás iniciou-se na escalada pelo norte do país, a praticar principalmente o boulder, e é lá que se sente mais à vontade. Foi nas serras do norte que começou a desenvolver o seu estilo de escalada. A região dos Açores tem um cantinho no seu coração. O trabalho ditou que assim o fosse, e foi na ilha de São Miguel que desenvolveu muito a sua escalda e afirma “Foi muito importante para mim e abriu-me também muitos horizontes.” A Serra da Arrábida também foi um sítio que o “ensinou muito e foi muito bom” para crescer como escalador.
Fora de Portugal, o país vizinho é uma “meca mundial” para os escaladores, que Tomás considera “uma grande sorte de estar aqui ao lado”. Alguns sítios como Albarracín, Hoyamoros, são muito conhecidos para a escalada em bloco. Os Alpes franceses também o marcaram, por todo o cenário envolvente, e pelo “tipo de rocha que é uma rocha diferente, um granito mais suave”.
Numa viagem à África do Sul durante 20 dias, Tomás juntamente com um amigo, foram escalar aquelas que são as melhores zonas do mundo de escalada em bloco, naquela que foi uma viagem “muito diferente, uma cultura completamente diferente, e também me trouxe outras coisas além da escalada.” Para o escalador “A escalada obriga-nos a sair de um sítio e viajar.”
- Ponta Delgada
- Murallas de Albarracín
- Calle Hoyamoros
- Chulilla
- Nossa Senhora Do Salto
- Passos
- Rua Serra Da Arrábida
- Pedra Do Urso
- Praia do Cavalo
- Cederberg NU
- Rocklands
- Paredes de Coura
- Reguengo do Fetal
- Buracas do Casmilo
- Sortelha
- Travessa Da Redinha
- Mairos
- Candelario
- Serra do Marão
- Penedo De Castro
- Chamonix-Mont-Blanc
- København
- Split-Dalmatia
Mapa de alguns dos sítios por onde Tomás Fontes escalou
O treino e a preparação para a escalada
Para levar uma vida a escalar, é necessária muita disciplina. Ter um peso baixo ou saudável é essencial, e não ter nenhum distúrbio alimentar. A vida saudável que é necessária levar, contém ainda fatores importantes como “beber pouco álcool, dormir bem, ter boas horas de sono, fazer treinos assíduos, ter muita regularidade, ter muita exposição”. É também preciso respeitar o tempo de descanso de modo a evitar lesões, e “Não parar e passar o máximo tempo possível ao longo da nossa vida, a escalar sem pausas muito prolongadas” e realça “Ter cadência, ser persistente, não parar!”
Para além da alimentação, há muita outra preparação que tem que ser feita. Tomás leva consigo para todo uma fingerboard, uma tábua muito útil no treino de escalda, que possui ranhuras que é usada para aumentar a força nos dedos, que é importante para “conseguir fazer movimentos mais difíceis ou em presas mais pequeninas”.
O treino de escalada pode variar muito consoante o objetivo do escalador. Treinar num rocódromo é importante pois é possível treinar várias componentes como “a força máxima de dedos, a resistência de movimentos com as mãos, a técnica, a explosividade, a força”. A técnica também é extensamente treinada, nomeadamente “(…) os passos delicados, utilizar bem os pés, movimentos de corpo em vias mais exigentes desse ponto de vista, com presas mais pequeninas (…)”. Para um treino mais completo e obter uma melhor performance, “escalando máximo possível em rocha é o que vai ajudar mais”.
O perigo vivido pelos escaladores é um fator importante a ter em causa. Muitas vezes são confrontados com situações perigosas, onde o fator psicológico é importante para conseguir ultrapassar essa mesma situação, mas para Tomás Fontes “esse é um território bonito de ultrapassar”.
O processo de venceres esse medo e executares aquilo que fisicamente muito provavelmente vais conseguir fazer é que é muito satisfatório, é uma sensação de recompensa muito grande.
Tomás Fontes
Há que ter sempre dois fatores a ter em conta: a probabilidade de ter sucesso no que se está a fazer e o risco do que se está a fazer. É necessário logo de início “responder a todas as perguntas antes de entrarmos nessas situações.” e se o escalador tiver “(…) um grande grau de certeza que vai conseguir fazer isso, pode entrar numa zona de risco mas de forma relativamente controlada e segura.”, completa.
Essa superação própria é o que o faz “sentir mais vivo” e lhe dá “mais motivação para estar no presente e naquele momento e naquele sítio a desfrutar o momento” e que, no fundo, “faz a vida valer muito, muito, muito a pena”.
Sou o Gonçalo Azevedo, tenho 23 anos e sou apaixonado pelo desporto e pelo mundo do jornalismo. Sou colaborador na editoria de Desporto na plataforma #infomedia.