“Não devemos pressupor que uma pessoa é delinquente porque tem tatuagens”
- Maria João Pereira
- 22/01/2021
- Arte e Culturas Atualidade Portugal
Independentemente do género, idade ou estatuto social, há cada vez mais pessoas a marcarem o seu corpo. Mas como será viver no corpo de um tatuado? Numa sociedade em que os olhares conversadores e as perdas de oportunidade de trabalho ainda são uma realidade.
Carlos Alves, de 31 anos residente na cidade do Porto , é operador de telecomunicações, pai de uma menina de 10 meses e trabalha como criador de conteúdo digital na plataforma Instagram, onde é representado por marcas como @rossLsupply , @laboutiqueofficielle , @relogionclothing .
A primeira tatuagem fez quando completou 18 anos de idade. Passados 13 anos, confessa que perdeu a conta do número total de tatuagens. “Costumo dizer que tenho apenas uma que é muito grande, visto que tenho os braços, as mãos, os dedos, o peito, a parte cima das costas, o pescoço, a cabeça e por fim perna direita tatuada”. Apesar da quantidade de tatuagens que já fazem parte do seu corpo “ainda tenho muito corpo para tatuar! É um projeto que esta em fase de construção”.
Este é um exemplo entre muitos outros de pessoas que têm tatuagens espalhadas pelo corpo. Basta uma pequena pesquisa nas redes sociais ou uma ida até à praia no verão para perceber que há cada vez mais gente com uma ou várias tatuagens no corpo, independentemente da idade, estatuto social e até mesmo profissão.
A ideia de que as tatuagens eram apenas utilizadas por criminosos, artistas ou pelos combatentes de guerra do Ultramar com o “Amor de Mãe” com traços nada rigorosos mudou definitivamente. Hoje são os professores, médicos, pais e mães de família e tantos outros que decidem eternizar uma tatuagem no seu corpo.
Apesar da transversalidade à sociedade, a maioria das tatuagens ainda são feitas em locais do corpo escondidos dos olhares mais conservadores e apenas visíveis com o tempo mais quente e logo por isso com a pele mais exposta.
Paulo Aguiar, mais conhecido por ‘Boz’, de 32 anos, é um artista multifacetado. Além de tatuador e de ter o seu próprio estúdio de tatuagens, é também professor de danças urbanas e pintor de graffiti.
Boz concorda que ainda há estigmas associados às tatuagens, mas que lentamente começam a desaparecer “cada vez mais pessoas têm tatuagens, por consequência cada vez mais pessoas com cargos importantes passam a ser tatuadas, logo já começam a ser vistas de outra forma“.
O seu estúdio de tatuagens, Boz Studio, situa-se na Travessa Augusto Gomes, em Matosinhos e surgiu no ano de 2017. Conta com 5 colaboradores, três tatuadores, uma bodypiercer e um shop manager.
No bem decorado espaço é possível observar obras dos artistas, desde as paredes grafitadas, a quadros com desenhos, a latas de spray próprias para grafitar.
A ligação ao mundo das tatuagens foi surgindo aos poucos, conta “nunca houve um amor pela tatuagem em si, mas sempre gostei muito de desenhar, sempre foi a minha grande paixão”.
“Quando eu tinha 20 anos tive o meu primeiro contacto com a tatuagem. Fui acompanhar o meu tio para vê-lo a tatuar e percebi que aquilo era grande cena! Perguntei ao senhor se me podia ensinar, ele deu me abertura para começar a frequentar a loja e a perceber como funcionava este mundo”.
“Comecei a tatuar em casa, no meu quarto, aos meus amigos, comecei a ir até à casa das pessoas tatuar tipo serviço de Take-Away”. Foi aí que percebeu que as pessoas gostavam do seu trabalho e nessa medida abriu a sua primeira loja que ficava num pequeno escritório. Procurou tirar algumas formações, “tirei um curso em 2015 na Piranha Tatto Studios – uma das lojas mais conhecidas a nível nacional – onde ganhei uma noção da importância do compromisso e responsabilidade para com o cliente”.
Depois do sucesso que o seu trabalho começou a ter, abriu o seu estúdio e revela ”estamos a fazer história, mas ainda quero alcançar mais objetivos e fazer muito mais!”
Para Paulo Aguiar “não devemos pressupor que uma pessoa é delinquente porque tem tatuagens.”, mas na sociedade em que vivemos “em termos de imagem uma pessoa que tem a cara tatuada não tem tantas hipóteses de trabalho para enfermeira, por exemplo, como uma pessoa que tem a cara limpa”.
E quanto ao envelhecimento do corpo? Como fica o corpo envelhecido quando está coberto de tatuagens?
O artista relata que por norma as pessoas entre os 40 e os 50 anos são as que se questionam mais sobre a pele. Muitas vezes dizem-lhe “eu tenho muito receio que ao ficar velha a tatuagem comece a ficar deformada”, mas enquanto estúdio, Paulo assegura que relembram sempre os seus clientes que na pele “vão ficar as memórias das vivências e experiências da vida”.
A pessoa mais velha que já tatuou foi a sua avó de “70 e muitos anos”. O artista confessa que os mais velhos, apesar da idade já avançada, não estão preocupados àcerca da pele e inclusive “querem mostrar as suas tatuagens cheios de orgulho”.
Scarlath Louyse, de 28 anos é natural de Caruaru, Brasil, mas vive em Portugal há 1 ano e 6 meses. Formada em moda confessa que a sua paixão é sem dúvida as tatuagens.
Tatuadora há 7 anos, viajou pelo Brasil Inteiro, alguns países da América do Sul e Europa “para expandir os meus conhecimentos acerca da arte e tattoo.” Confessa que é tatuadora “para eternizar as memórias e histórias das pessoas e esse processo é muito único e especial. Tattoo para mim é um estilo de vida e respiro arte 24 horas por dia, é a profissão que amo e escolhi me dedicar integralmente”.
Realizou a sua primeira tatuagem aos 17 anos de idade. Hoje já não sabe qual é o número total. Acredita que por ser uma mulher bastante tatuada, em relação ao sexo masculino sofre sempre mais discriminação.
E que preconceitos vivem estas pessoas no seu dia a dia?
Para estas pessoas que vivem a arte da tatuagem nem sempre é fácil lidar com os comentários desagradáveis e perdas de ofertas de trabalho devido à sua imagem.
Scarlath relatou que a maneira como as pessoas olham para ela está “relacionado ao acesso à cultura”. Além disso “a religião é também um fator preponderante”. Já esteve em países como Escandinávia e Holanda, onde as pessoas a abordavam na rua para elogiar a sua imagem. Pelo contrário, aqui em Portugal e na zona mais interior do Brasil sofreu de muitos comentários negativos.
Quando chegou a Portugal, procurou trabalho na área da restauração, foi a cerca de dez entrevistas de trabalho, mas nenhuma aceitou contratá-la devido à sua aparência. Chegou a ouvir comentários como “você é uma aberração, não tem como trabalhar aqui! Vai espantar os meus clientes” e até mesmo empregadores que questionaram se “não tem como você se maquilhar?” para tentar pelo menos cobrir as tatuagens que Scarlath tem no seu rosto. Confessou que “os comentário que ouço na rua não me afetam, cada pessoa tem o direito de se manifestar como quer, seja através de uma tatuagem ou corte de cabelo.”
Os mais conservadores ou seja, por norma os mais antigos, ainda são, nos tempos de hoje os que olham com julgamento. Fazem comentários inoportunos e críticas por estas pessoas tatuadas não se inserirem nos ditos padrões de beleza implementados na sociedade.
“Desde que tatuei pescoço e cabeça, principalmente as pessoas mais velhas nem tentam disfarçar o desagrado total, nem que por respeito fosse”, refere Carlos Alves. No entanto, as crianças ficam fascinadas ao ver o seu corpo tatuado. “Dá-me muito gozo no bom sentido da palavra ver a reação da maior parte das crianças. Têm a reação mais pura e genuína quando me veem, ficam completamente fascinadas pelo estilo. Algumas até dão o toque para a mãe ou o pai olharem”.
Ao nível de oportunidades de trabalho, Carlos Alves esclarece que inicialmente quando ingressou na empresa onde é funcionário atualmente, não era muito tatuado, mas quando decidiu fazer tatuagens mais vistosas tentou perceber qual era a opinião deles “porque antes da vontade de tatuar está a vontade de trabalhar”, explicou. No entanto acredita que o preconceito ainda existe relativamente a pessoas tatuadas e apesar de estar a diminuir “ainda há empresas que não querem colocar pessoas tatuadas a representá-las”.
Porque se fazem tatugens?
Do ponto de vista histórico existem várias teorias sobre a origem das tatuagens. Há quem indique que foi no Antigo Egito que surgiram, entre 4000 e 2000 a.C., e quem defenda que foram os nativos da Polinésia, da Indonésia e da Nova Zelândia que se tatuavam em rituais religiosos. Já no tempo dos gregos e romanos eram usadas para marcar escravos e prisioneiros.
A tatuagem está a democratizar-se cada vez mais, é vista como um multiplicador da personalidade de quem as tem. A pessoa manifesta-se de alguma forma, pode contar as suas histórias, eternizar entes queridos e até mesmo revelar traços de personalidade.
Scarlath Louyse assumiu que fez as suas tatuagens porque para ela é uma forma de exprimir aquilo que gosta, a pessoa que é e “vou fazendo quando conheço alguém e gosto do trabalho, como quem coleciona arte”.
Carlos Alves reforça essa ideia. “Inicialmente comecei presumo eu, como a maior parte das pessoas, ou seja, as primeiras tatuagens foram com significado relacionado com a minha vida. Só que à medida que fui fazendo tatuagens ganhei um maior gosto por elas e por gostar de me ver tatuado! Tenho várias com significado certo, mas outras tantas apenas porque me identifico com o que escolhi de alguma maneira! Não tem de ter propriamente um significado.”
O tatuador e artista Paulo Boz afirma que chegam ao estúdio clientes com várias razões para tatuar mas que “cerca de 80% dos meus clientes tem um certo cuidado para não cometer o erro de tatuar numa zona que pode ser prejudicial para a sua atividade profissional”.
Dicas para quem vai fazer uma tatuagem:
1. | Seja a primeira ou décima tatuagem é uma é uma decisão realmente importante, uma vez que elas ficam na pele para toda a vida. Portanto, é preciso ter a certeza do que se está ou se vai fazer para que não existam arrependimentos. |
2. | Conhecer o tatuador e ter boas referências é muito importante. É necessário procurar o trabalho do artista e acima de tudo identificar-se com o trabalho do tatuador. Vamos supor que é um artista que só realiza trabalho a preto, não vale a pena pedir-lhe um trabalho a cor. |
3. | Em tempos de pandemia, é importante perceber se o estúdio e o tatuador seguem as normas de higiene e segurança, desde luvas e ao uso devido da máscara. |
4. | Perceber bem o que quer tatuar e porquê. E se é por estética ou porque está na moda. Saber que estilo de tatuagem gosta, começar a fazer uma triagem de estilos e ter em muita atenção se ao fazer uma tatuagem mais comercial e que esteja agarrada a uma moda temporária visto que a moda é sempre cíclica. |
5. | Deve pensar bastante na parte do corpo que quer tatuar pois apesar da abertura que já começa a haver, existe sempre a possibilidade de portas se fecharem devido ao fator tatuagem. |