A dor incapacitante da Endometriose

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A dor incapacitante da Endometriose

A endometriose é uma doença feminina ainda pouco falada que priva as mulheres portadoras de qualidade de vida pelas dores incapacitante. Em curso, está uma petição pública para a criação de uma Estratégia Nacional de Combate à Endometriose e Adenomiose.

| Texto de Diana Morais Ferreira |

Ao longo da história, a sociedade foi educada com base no estereótipo de que a mulher tem de sofrer: no parto, com a menstruação e até para ser bonita. Errado. No caso da normalização da dor menstrual por parte da maioria das pessoas e até de alguns profissionais de saúde faz com que imensas mulheres vivam toda uma vida sem saberem que são portadoras de Endometriose. Esta doença, crónica, pode condicionar vidas e até mudar os seus rumos. É uma das principais causas da infertilidade e deixa muitos sonhos para trás: filhos, carreiras, relações.

“A endometriose é uma doença inflamatória crónica, estrogénio-dependente, que se caracteriza pela presença de tecido similar ao endométrio em localização extrauterina, provocando uma resposta local inflamatória. É considerada uma doença crónica que, na maioria dos casos, não tem cura e apenas pode ser controlada.”

Mulherendo – associação PortuguEsa de apoio a mulheres com endometriose

Susana Monteiro é um desses casos. No dia 12 de maio de 2022, à noite, ligamos-lhe por zoom. Sempre de sorriso na cara, ela partilha durante cerca de duas horas um pouco da sua história. Tem 45 anos, vive no Porto, e trabalha num escritório de prestação de serviços. Além disso, após lhe pedirmos uma breve apresentação, acrescenta que é portadora de Endometriose profunda e Adenomiose difusa.

Iniciou o período menstrual por volta dos 11 anos de idade — também conhecida como menarca —, e foi nesta altura que a dor começou. Mais tarde, aos 17 anos começou a tomar a pílula e esta ajudou a controlar a dor. Dez anos depois, Susana foi mãe de um menino, demorou alguns anos a conseguir engravidar, mas acabou por consegui-lo de forma natural. Nunca associou que isto se devesse a uma doença. Aos 30 anos, as dores que tinha durante o período menstrual intensificaram-se e surgiram até mesmo fora deste período. Conta que inicialmente as dores permaneciam nos dois dias seguintes até que chegou a uma fase em que tinha dor durante todo o mês. Foi essa dor, fora do período menstrual, que lhe chamou a atenção. Nessa época a dor chegava a impedi-la de caminhar, de estar sentada, “quando me levantava parecia que os meus órgãos iam cair”. Nesta altura procurou ajuda junto da médica de família que lhe disse sempre que aquela dor era normal, no entanto, sempre teve o cuidado de pedir exames que na realidade nada acusavam.

A dor seria normal? TER DOR NÃO É NORMAL.

As amigas diziam que era normal, a família dizia que era normal e o médico validava.

“Desde os 11 anos a todos os médicos que eu fui, sempre me foi dito que aquilo era normal. Portanto, a sociedade diz que a mulher tem que sentir dor, a função da mulher é sentir dor. A mulher tem que ter dor no parto, tem que ter dor menstrual, se a mulher tiver dor nas relações o problema é dela. É normalizado ter dor.”

Susana Monteiro

Susana passava os dias de lágrimas nos olhos, tinha uma dor vaginal e retal enormes, nem a medicação que iam tomando ao longo do dia ajudava. Estar sentada era um sacrifício gigantesco e como tinha que trabalhar assim fingia muitas vezes idas à casa de banho simplesmente para se poder levantar e aliviar um pouco a dor. Acabou por descobriu que o lugar onde se sentia melhor era sentada na sanita, na altura não entendia porquê, mas mais tarde explicaram-lhe que como não tinha os órgãos pressionados, a dor aliviava.

Recorda que o pior desta fase eram as noites, não queria acordar o filho. Então, deixava-o adormecer para poder ir para a casa de banho, ficava sentada na sanita até as pernas lhe adormecerem. Levantava-se um pouco e voltava para lá.

Era assim que passava as noites e de manhã lá ia trabalhar normalmente como se tivesse tido uma ótima noite de sono. Apesar do sofrimento e da falta de descanso, raras ou até nenhumas foram as vezes que faltou ao trabalho. Nesta fase dizer a alguém que tinha uma dor vaginal e retal era muito difícil, nunca contou na empresa porque tinha medo que não entendessem e que fosse motivo de chacota. No entanto, mais tarde acabou por decidir partilhar, e quando o fez todos entenderam e respeitaram.

Houve uma altura em que Susana praticamente já não dormia e sentada na sanita decidiu ir ao “tio google”, como lhe chama, pesquisar o que seriam os sintomas que tinha. Em risos conta que apesar de saber que esta não é a melhor opção, o desespero era tanto que não sabia o que mais fazer. Foi então aqui que encontrou a palavra desconhecida: “Endometriose”. Continuou a pesquisar, encontrou blogues e vários testemunhos de mulheres que relatavam exatamente o que Susana sentia. Encontrou a MulherEndo – Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose, mas não teve coragem de mandar mensagem a pedir ajuda, “porque eu tinha que dizer a alguém que sentia uma dor ridícula, numa parte ridícula do corpo e não me sentia à vontade para falar sobre isso”.

Esperou mais um mês e foi aqui que completamente desesperada, sentada num café com os óculos de sol na cara a tapar-lhe as lágrimas que decidiu enviar mensagem à MulherEndo a pedir ajuda. Não tinha esperança que lhe respondessem, mas foi nesse mesmo dia que a resposta chegou – estava ali alguém a quer ajudá-la e Susana nem queria acreditar. Acabou por ser encaminhada para um médico e este foi a primeira pessoa, pela primeira em todo aquele processo, que lhe deu um bocadinho de esperança. Na primeira consulta disse-lhe “tens motivo para ter dor, isso não é normal, eu sei que sentes dor”.

Finalmente sentia que tinha um plano. Numa primeira fase tentaram uma abordagem mais terapêutica e inicialmente os sintomas abrandaram, mas não desapareceram. Passados alguns meses as dores voltaram e já não as conseguiam controlar com a pílula. Foi então em janeiro de 2018, aos 40 anos, que decidiram avançar com uma laparoscopia e foi aí que teve a confirmação que tinha Endometriose profunda e Adenomiose difusa. Continuou na mesma a tomar a pílula porque a Endometriose que tinha já estava muito extensa.  

Neste momento faz vigilância de seis em seis meses, sente algumas dores pélvicas e a barriga inchada.

“Não tenho aquela dor incapacitante, às vezes sinto um incómodo, mas não tenho aquela dor. Nunca mais na vida quero sentir e espero que nenhuma mulher tenha que passar por aquilo. Eu não consigo descrever aquela dor.”

Susana Monteiro

Susana diz sentir que há muito desconhecimento por parte da comunidade médica, mas que já vai existindo uma maior sensibilização para a doença. Houve uma altura, após ter procurado a MulherEndo e ter praticamente todas as certezas de que seria Endometriose, Susana recorreu a uma médica ginecologista. Questionou a profissional se não seria Endometriose ao que esta respondeu que provavelmente sim, mas que não existia nada a fazer quanto a isso.

“Chegamos a duvidar de nós próprias, toda a gente diz que é normal, até os médicos dizem que é normal. Porque é que me sinto assim?”

Susana Monteiro

Em 2020 entrou para os órgãos sociais da Associação de apoio a mulheres com Endometriose e faz parte também de um grupo de 16 mulheres que recebeu formação sobre a doença para fazerem sessões de esclarecimento. Fazem-no em escolas, universidades, centros de saúde, etc. Susana refere que é mesmo muito importante passar a mensagem e se ela chegar a pelo menos a uma mulher e lhe mudar a vida, já é um passo nesta caminhada.

“A queixa mais comum na endometriose é a dor, sendo que 80% das mulheres apresentam a dor como principal sintoma. Esta pode ser expressa através de várias manifestações, dependendo, numa primeira análise, da localização e órgãos envolvidos na doença, e inclui dismenorreia, dispareunia, dor pélvica crónica, disúria e disquézia.”

Mulherendo – Associação Portuguesa de mulheres com endometriose

Vive em Vale de Cambra, é cabeleireira e em 2020 foi diagnosticada com endometriose. Sónia Machado, tem 30 anos, e desde miúda que tem dores muitos fortes durante o período menstrual. As dores que tinha eram tão fortes que a incapacitavam, obrigavam-na a ficar deitada na cama, a colocar botijas de água quente sobre a barriga e a tomar medicação para as dores de quatro em quatro horas.

Procurou várias vezes ajuda junto de médicos, mas todos lhe disseram que as dores eram normais. Mais recentemente deixaram se ser só durante o período menstrual e começou a ter dores lombares. Foi então aí que em decidiu procurar ajuda novamente e após a realização de alguns exames, diagnosticaram-lhe endometriose.

Em novembro de 2021 foi submetida a uma laparoscopia e durante o procedimento cirúrgico descobriram que tinha aderências nos intestinos, no entanto, nada puderam fazer pois não estava presente nenhum médico da especialidade.

Sónia tentou engravidar durante algum tempo de forma natural, mas nunca conseguiu, Após a cirurgia deu inicio aos tratamentos de FIV antes que a doença evoluísse ainda mais. Neste momento, é acompanhada no hospital de Gaia e aguarda para iniciar o segundo tratamento.

A vida de Sónia acabou por ser afetada pela endometriose de várias formas. Não mexeu apenas com a sua saúde, acabou por ter um impacto na sua vida profissional, social e até mesmo na sua intimidade.

“Acho que neste momento está a ser bastante falada, o que acho bem porque é uma doença que apelidam de “a doença da mulher moderna” e só com a tem sabe o quão incapacitante pode ser.”

Sónia Machado

Sente que ainda existe muito preconceito em relação à doença de uma forma geral, no entanto, sente também que já é mais falada e isso é um ponto positivo na consciencialização da sociedade.

“O caminho para o diagnóstico de endometriose não é fácil, podendo demorar 8 a 10 anos em média, o que é incompreensível tendo em conta os recursos que existem atualmente.”

MULHERENDO – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO A MULHERES COM ENDOMETRIOSE

Filipa Pereira tem 32 anos, vive em Torres Vedras, trabalha na Autoridade Nacional de Aviação Civil e a Endometriose faz parte da sua vida. Ela fala das “dores e das vitórias”.

Foi aos 9 anos que iniciou o período menstrual e desde logo que teve grande hemorragias e muitas dores, tinha menstruações de 15 dias, fazia febre, tinha anemia e consequentemente faltava à escola. Sempre ouviu que isto era “normal”. Aos 15 anos procurou ajuda no médico de família que recomendou que iniciasse a toma da pílula para controlar a dor e a hemorragia. Mas Filipa só iniciou a pílula aos 17 anos. Inicialmente resultou, até aos 25 anos que foi quando tudo desmoronou.

Recorda que era agosto e foi parar às urgências do hospital com imensas dores, gritava de dor. Também aí lhe disseram que “era normal”. No mês seguinte acabou por acontecer o mesmo e tornou-se recorrente. Até que voltou ao médico de família que prescreveu exames que nada revelaram. Em abril do ano seguinte foi a uma ginecologista privada que lhe disse que achava que ela tinha Endometriose e recomendou que fosse a um especialista. Filipa assim o fez e, na primeira consulta ficou logo a saber que tinha Endometriose grave, que teria que fazer exames e ser operada o mais rápido possível. Foi a primeira vez que ouviu falar da doença, mas ao mesmo tempo foi invadida por uma sensação de alivio porque finalmente sabia o que tinha. Finalmente existia um diagnóstico. Nessa altura já tinha dores durante o mês todo: “a dor naquela altura era indescritível”.

Inicialmente experimentou uma pílula contínua, mas como não resultou induziram a menopausa que também acabou por não resultar.  

Em 2017 fez uma cirurgia, tinha células do endométrio alojados no intestino. Esteve internada durante 15 dias e chegou a pesar 42kg porque tudo o que comia era inflamatório chegando mesmo a ter medo de comer. No entanto, após a operação a dor continuou, realizou a ressonância magnética pélvica e lá estava a Endometriose.

Nesta altura, os médicos disseram-lhe que se quisesse engravidar era agora ou nunca. Filipa não tinha nos seus planos engravidar tão cedo devido à carreira, mas quando lhe disseram que as probabilidades eram muito baixas, naquele momento tudo mudou. Iniciaram os processos de PMA (Procriação Medicamente Assistida) e em fevereiro de 2018 o processo de FIV (Fertilização in vitro). O tratamento não correu como esperado, acabou por ser cancelado e disseram-lhe que não podia ter filhos.

Apesar de os médicos sugerirem que realizasse uma cirurgia para retirar o útero, teve mais uma oportunidade de tratamentos. Durante o período de tempo de espera para iniciar este novo tratamento, Filipa, apesar dos médicos não concordarem, decidiu não tomar a pílula. Os médicos diziam-lhe que só se estaria a enganar a si mesma porque não tinha probabilidades de engravidar de forma natural e que o facto de não tomar a pílula agravaria a endometriose. Mas contra todas as possibilidades e mais algumas, Filipa engravidou de forma natural, nem os médicos queriam acreditar.

Nesse mesmo dia foi a uma consulta de gravidez de alto risco, emocionada, conta que teve várias complicações durante a gravidez. Tinha muitas dores, às 32 semanas entrou em trabalho de parto que conseguiram travar até às 36 semanas. Filipa diz que não voltava a passar por uma gravidez, que foi demasiado doloroso e que viveu todos os dias com o coração na mão até à bebé nascer.

“Foi a pior coisa e a melhor coisa que já passei. O nível de ansiedade é brutal, eu todos os dias tinha medo do que é que ia acontecer. Eu tinha todos os cuidados do mundo e vivi em medo durante 8 meses.”

Filipa Pereira

Três dias depois de a bebé ter nascido, Filipa foi parar ao hospital, tinha um hematoma na zona da costura e teve que ser operada. De cocaras, deitada na maca, a gritar e após lhe terem dado morfina, a dor não passava. Foi aqui que um dos médicos lhe disse que o que ela tinha era uma depressão pós-parto. Apesar de não achar que não, pôs em causa se estaria ou não em depressão e procurou ajuda num dos melhores psiquiatras do país que logo descartou essa opção. Esteve muito tempo sem conseguir falar do assunto, só queria esquecer que tudo aquilo tinha acontecido.

Em abril deste ano realizou uma outra cirurgia, retirou o útero, as trompas e o nódulo septo reto-vaginal. A cirurgia não correu da melhor forma, no entanto, agora resta-lhe tomar a pílula e ir controlando à medida que o tempo passa e se os sintomas se agravarem, mas por tudo o que já viveu e já sofreu não acredita que esta tenha sido a última cirurgia.

A dor lancinante do mês

Houve uma altura em que Filipa, todos os meses, tinha que faltar ao trabalho pelo menos entre 3-4 dias durante o período menstrual que era quando a dor agravava. Chegou a ter uma conversa com a chefia a explicar a situação. Num mundo maioritariamente de homens, sentiu necessidade de medir o que dizia. Tentava explicar o que tinha e sentia, mas tanto homens como das mulheres não entendiam até que deixou simplesmente de explicar. Filipa tirou o curso de piloto mas a Endometriose trocou-lhe as voltas.

“Mudou a minha vida em vários aspetos, mas em termos de realização acho que foi só em termos de carreira que tive que mudar o rumo e aceitar que não ia acontecer”

Filipa Pereira

Filipa acredita que a comunidade médica, em geral, não está preparada para lidar com a doença, perpetuando-se o estigma de que é normal a mulher ter dor. “Muita gente não sabe o que é a Endometriose dentro da comunidade médica, mesmo ginecologistas.” No entanto também considera que a informação está a ser disseminada, que se tem ouvido falar mais e que as redes sociais têm sido também um meio para isso.

Uma forma particular de endometriose é a adenomiose, que pode ser focal ou difusa. É considerada uma patologia independente que leva a hemorragias anormais uterinas.

MULHERENDO – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO A MULHERES COM ENDOMETRIOSE

Carla Braz é auxiliar de ação educativa, vive em Lisboa, e a endometriose e adenomiose fazem parte dos seus dias há muito tempo, embora nem sempre o soubesse.

Por volta dos 15 anos, na altura em que começou a menstruar, surgiram logo as dores que com o passar dos anos foram aumentando de intensidade. Durante muito tempo procurou o médico de família porque achava que as dores que tinha não eram iguais às das amigas, mas o medico disse que era normal e que dependia de mulher para mulher.

Carla Braz | Fotografia cedida pela própria.

Aos 23 anos tentou engravidar e não conseguiu, decidiu procurar ajuda e através de alguns exames que realizou foi diagnosticada com endometriose. Na altura, Carla sentiu-se perdida sem saber o que significava aquele nome.

As dores iam aumentando porque os focos de endometriose iam aumentam. O período menstrual era doloroso ao ponto de ter que pedir folga no primeiro dia da menstruação. As dores eram tão intensas que passava o dia deitada, com vómitos, tinha que andar de gatas, não conseguia estar em pé e quase nem comia.

Em 2010 realizou uma laparoscopia para limpar os focos de endometriose. Após a intervenção cirúrgica fez tratamentos para engravidar, mas não conseguiu. Há dois anos voltou a fazer tratamentos, conseguiu engravidar, no entanto, a gravidez não evoluiu.

“O médico que me abriu diz que nunca viu uma mulher como eu, que tenho tanta endometriose, para eu nunca deixar ninguém me mexer.”

Carla Braz

Carla diz que após os tratamentos de FIV a doença acelerou e que nenhum médico lhe explicou que isto poderia acontecer antes de iniciar os tratamentos.

Uns meses mais tarde começou a ter dores e perdas de sangue, mas o tempo passar e esteve 15 dias a trabalhar assim. Chegou ao ponto de não se conseguir levantar. Carla tinha um quisto hemorrágico que cresceu de tal forma que empurrou todos os outros órgãos, colocando o útero fora do sítio.

Neste momento não toma a medicação, por opção, apenas a pilula que é especifica para quem tem endometriose. Consegue estar o mês todo bem desde que não tenha menstruação porque aí não tem dor, a pilula contínua que toma, faz com que não menstrue. No entanto, custa 30 euros e não é comparticipada. 

Ainda hoje sente que há poucas pessoas que sabem o que é endometriose. “Quem tem a doença procura saber, fala sobre a doença, trocam ideias entre si mas no geral há um desconhecimento total.”

Hoje em dia não sente que a endometriose lhe condicione a vida, condicionava mais quando tinha muitas dores, em que evitava ir a lugares e estar com pessoas. Ter filhos era um sonho para Carla e já não é possível. Ser operada, neste momento, também está fora de questão, a não ser que não haja mais nenhuma hipótese.

Para Carla o facto de não tomar a medicação e de se aguentar, já é uma vitória.

Mulherendo – Associação Portuguesa de Apoio a Mulheres com Endometriose

A Mulherendo nasceu em 2013 e tem como principal objetivo colaborar diretamente com os pacientes de endometriose. A associação presta informação sobre a doença, sobre tratamentos, esclarece dúvidas, faz o encaminhamento para médicos especialistas e ainda dá conselhos de como melhorar a qualidade de vida. Têm também um papel ativo na sociedade enquanto sensibilizadores. Dentro da Mulherendo há um grupo de 16 formadoras certificadas que fazem sessões de esclarecimento e sensibilização em escolas e unidades de saúde.

A presidente da associação, Susana Fonseca, refere que só com uma mudança de gerações é que se vai acabar com o atual desconhecimento sobre a doença. Primeiro por ser uma doença feminina e por ainda vivermos numa sociedade patriarcal em que as mulheres estão em desvantagem. Depois porque é uma doença que envolve algo íntimo da mulher e muitas não se sentem confortáveis para partilhar. Além de tudo isto, a presidente acrescenta que é uma doença ainda pouco estudada, em que os médicos mais velhos não têm o conhecimento suficiente. No entanto, as gerações mais recentes da comunidade médica já ouvem falar da doença e já a estudam.

No entanto, Susana Fonseca reconhece que o conhecimento hoje em dia é muito maior do que há dez anos. Assim como tem crescido a procura de ajuda de mulheres que sofrem de endometriose. Só nos primeiros quatro meses de 2022, a Mulherendo recebeu 2000 contactos.

“O trabalho que nós fazemos enquanto associação não é um trabalho imediato, acaba por ser um trabalho para as próximas gerações.”

Susana Fonseca – Presidente da Mulherendo

A Mulherendo lançou uma Petição Pública para a criação de uma Estratégia de Combate à Endometriose e Adenomiose, Susana Fonseca, explica que efetivamente precisam de mais respostas e de mais equipas multidisciplinares no Sistema Nacional de Saúde (SNS) para onde as mulheres diagnosticadas ou com possibilidade de diagnostico possam ser encaminhadas para terem o acompanhamento que necessitam. “O SNS neste momento está muito deficitário nestas respostas”, acrescenta a Presidente.

“A nossa luta está toda na nossa petição. Queremos o dia da endometriose – uma forma de dar visibilidade anual fixa na comunicação social que ajuda à sensibilização, queremos mais vantagens em termos de fertilidade, o alargamento do limite da idade para os tratamentos, o estatuto de doença crónica, a licença menstrual para quem tem endometriose e adenomiose e ainda gostávamos que fosse criada uma comissão de trabalho para aprofundar questões relacionadas com a doença e debater estratégias e mudanças que têm que ser feitas no SNS.”

Susana Fonseca – Presidente da Mulherendo

Uma doença que maioria das vezes não é tema de conversa mesmo entre mulheres, que dói e que ainda é muito desconhecida. A pouco e pouco a palavra começa a ser passada, ainda há um longo caminho pela frente para que a sociedade lhe dê a devida importância e para que se mudem mentalidades. Mas no meio de tantas certezas, há uma que é já aceite: “ter dor menstrual não é normal”.