A importância do papel da mulher em contexto laboral, antes do 25 de abril da revolução
De uma “vida privilegiada” ao “viver no sufoco” Ilda, Celeste, Manuela e Rosa, mulheres de classes sociais distintas, contam como superaram as adversidades nas suas atividades profissionais, no Porto, numa vida marcada pela ditadura
[TEXTO E FOTOS DE RAFAEL MACHADO PINTO E INÊS RODRIGUES]
“25 de abril sempre, fascismo nunca mais.” Esta foi a frase mais escutada no decorrer do movimento das celebrações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, junto ao Museu Militar, no Porto, na marcha do dia 25 de abril de 2024. Desde os cravos nas mãos até aos cartazes com as frases típicas da revolução, cada gesto e cada palavra ecoam com a energia de uma nação que se recusa a esquecer as marcas do passado.
Apesar dos avanços já conquistados, existem testemunhas que ficaram à margem das narrativas oficiais já contadas. A revolução prometeu várias mudanças, entre elas na igualdade e na justiça. É precisamente sobre esses dois pilares da democracia que fomos procurar saber, através de relatos de duas mulheres que sofreram toda a vida para ganhar ‘um tostão’ e, no outro lado da moeda, duas mulheres que lutavam para resistir às injustiças do trabalho.
Educação e Profissão
Celeste Branca, 75 anos, considera “ter tido uma vida muito privilegiada”. Celeste começou a trabalhar aos 18 anos como secretária correspondente de línguas. Numa altura em que o ensino obrigatório era até à quarta classe (atualmente corresponde ao quarto ano, do primeiro ciclo), muitas das crianças conciliavam ilegalmente o estudo com o trabalho. Essa foi também a realidade de Rosa Meireles, 64 anos, a qual durante a manhã estudava e, à tarde, trabalhava. Ela confessou ainda que chegou a casar com o marido para “sair da miséria”.
Já Celeste prosseguiu com os estudos até ao 12º ano e, aos 18 anos, foi para o mercado de trabalho. A sua principal motivação foi juntar o máximo de dinheiro possível para evitar que, de alguma maneira, o irmão mais novo fosse para a então denominada Guerra do Ultramar. O seu plano não correu como esperado e o irmão acabou por ser enviado para a guerra e não regressou.
Manuela Espírito Santo, 71 anos, nasceu em Vieira do Minho, mas foi no Porto que se candidatou para um curso técnico de Secretariado. Do seu percurso profissional, destaca que foi a primeira mulher na direção do Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres, mais conhecido por INATEL, apesar de fundado há mais de 60 anos.
Ilda Alves, 73 anos, nascida no Porto, tinha 9 anos quando começou a trabalhar para ajudar a sustentar as despesas em casa. Mesmo com apenas a quarta classe e sem nenhuma formação profissional, a portuense conseguiu desenvolver altas habilidades em costura.
A liberdade para exercer a profissão
O conceito de liberdade era “um aspeto bastante questionável” antes de abril de 1974, em Portugal, tanto em contexto social como laboral. “Havia 5 grupos de trabalho e, em todos eles, havia deputados do Estado Nacional”, afirma Manuela, garantindo que a suposta liberdade que existia dentro de um organismo, acabava por estar sempre “ligado ao Estado Novo”. A antiga diretora do INATEL confirma ainda nunca ter sido prejudicada profissionalmente por ser mulher, mas tem a noção de que “trabalhava mais do que os homens”.
Já Celeste sempre fez “vencer a sua profissão e não ficar capaz de estar às ordens que, às vezes, não eram as mais corretas”. Quando chegava ao momento de avaliação do seu trabalho, acabavam sempre por prejudicá-la com a mesma justificação: “Cumpre, cumpre, cumpre, mas contesta as ordens recebidas”.
“Cumpre, cumpre, cumpre mas contesta as ordens recebidas”.
Celeste Branca, 75 anos
No caso de Rosa e Ilda, as residentes de Campanhã sempre foram respeitadas no trabalho e Rosa ainda começou a coletar descontos com 13 anos, na Pincelaria Pardal. O trabalho escravo infantil sempre existiu e, embora hoje aconteça menos, na época do Estado Novo era uma prática muito recorrente. Rosa é o exemplo de uma mulher que, mesmo sofrendo opressões e sendo escravizada pela própria família, nunca desistiu. Descreve o ambiente em que cresceu “uma miséria” e partilha ainda que viveu “uma vida muito atribulada”, onde a violência doméstica era presente e o medo era constante. Hoje, é uma “mulher resolvida com as questões do passado”, mas existem marcas que nem o tempo ajudam a sarar.
O impacto da mudança
Em 2024 celebra-se os 50 anos do 25 de abril e, com esta data, lembra-se a luta por uma sociedade mais justa e igualitária. A opressão sempre esteve presente na vida destas mulheres.
Celeste relembra algumas que, na sua perspetiva, eram completamente “descabidas” como, por exemplo, “as raparigas, nessa altura, não usavam calças. E então levavam as calças dentro de uma saca ou dentro da carteira. Chegavam à casa de banho, tiravam as calças e vestiam uma saia”.
Manuela recorda que uma mulher pensava duas vezes antes de engravidar sempre que estava num posto com mais responsabilidade e que quando um filho estava doente, era sempre a mulher que faltava. Essa é uma marca que acredita ser das maiores que perduraram no tempo e continuam a ser recorrentes nos dias de hoje.
“As raparigas, nessa altura, não usavam calças. E então levavam as calças dentro de uma saca ou dentro da carteira. Chegavam à casa de banho, tiravam as calças e vestiam uma saia”.
Celeste Branca
A repressão viu, finalmente, o seu fim chegar. Tudo o que era proibido no dia 24 passou por uma revisão nos dias seguintes e muitas das “regras estúpidas” – o ajuntamento proibido com mais de três pessoas, não beber Coca-Cola ou não partilhar mesas em cafés e restaurantes – acabaram por cair por terra. A mudança partiu das marcas que cada uma deixava: a Rosa pela sua resiliência e capacidade de trabalho; a Ilda pelo esforço e empenho; a Manuela pela sua cultura e atenção; e Celeste pela sua veia reivindicativa e capacidade de mudança.
Inês Rodrigues, 20 anos. Estou no curso de Ciências da Comunicação e pretendo expandir a minha formação até conseguir realizar o meu sonho: ser locutora de rádio.