A influência dos pais no desempenho dos jovens jogadores de futebol
- Henrique Silva
- 14/01/2022
- Desporto Grande Reportagem Saúde
[Texto de Diogo Azevedo e Henrique Silva]
A saúde mental é um assunto cada vez mais é discutido no futebol sénior. Mas, e no futebol de formação? Quais os efeitos que os pais podem ter, na vida desportiva dos seus filhos, ainda em desenvolvimento? O #infomedia esteve à conversa com um diretor, diversos treinadores das camadas jovens e um psicólogo para tentar compreender a influência dos pais na saúde mental das suas crianças, no contexto futebolístico.
“Passa filho!… Devias ter passado!”, gritou um pai. Estas são algumas intervenções dos educadores dos jovens que jogam futebol no Futebol Clube de Vizela. Alguns especialistas consideram que podem prejudicar a performance.
“Os pais tendem a reclamar com os treinadores quando o filho joga menos”, diz Pedro Oliveira, de 45 anos, diretor na formação do FC Vizela.
Pedro, que exerce o seu cargo há cerca de dez anos, constata ainda que “a afluência dos pais (nos jogos) é sempre muito elevada” e a sua perceção é que os pais costumam reclamar com os árbitros e com os treinadores. Os árbitros “são o principal foco das queixas (dos pais)”, porém, dependendo do tempo de jogo do filho, a sua crítica é direcionada ao treinador, ou seja, “se o filho joga mais vezes, está tudo bem. Se joga poucas vezes, está tudo mal”. No entanto, considera que alguns comportamentos dos pais podem ser prejudiciais, dado que “melhor do que ninguém, o treinador sabe tirar o que cada jogador tem de bom”.

Segundo Pedro, existem dois tipos de pais. Os que não fazem barulho e simplesmente vêem o jogo e os outros que “passam a vida a chamar constantemente pelo filho”, principalmente nos escalões mais novos. Diz que há pais que consideram que o seu filho “é o melhor do mundo e o que joga bem”. Quando contrariados pelo treinador, consideram que o treinador está mal.
“As pessoas olham mais para o individual, do que para a equipa”.
Pedro Oliveira
O diretor revelou, ao #infomedia, uma situação caricata em que a equipa técnica do Vizela teve de intervir junto de um pai.
“O pai estava a tentar dar táticas ao filho, ao assobiar de forma constante. Se o jovem fosse para o lado esquerdo, o pai ia para o lado esquerdo, também. Se fosse para o lado direito, o pai ia também para o lado direito, sempre com intenção de lhe dar táticas. Apesar da intenção em ajudá-lo, não estava a contribuir nada. Quando nos apercebemos, tivemos inclusive de tirar o miúdo do jogo e explicar-lhe porquê. Falamos também com o pai e ele entendeu que não estava a fazer as coisas da melhor forma.”
Apesar disto, considera que, é notório, há jogadores que vêm com influências de fora e “não fazem nada do que lhe é pedido”. Tentam fugir ao que está acordado e acabam prejudicados, tendo em conta que “os treinadores têm uma ideia de jogo para aquele tipo de adversário”. O diretor suspeita que os miúdos muitas vezes pensam que o treinador não percebe nada e que o familiar, seja o pai, avô ou tio, é que percebem. “Há pessoas que querem ter influência nos miúdos, mas isso só os prejudica, sem dúvida nenhuma.”
O fator casa/fora acaba por pesar também nas interações entre os pais e os filhos. Há estádios e campos de futebol de clubes cujos pais das crianças “são demasiado conflituosos e, à mínima frase que se diga, há zaragatas”. Confessou ter vivenciado um caso em que um jogo chegou mesmo a parar a meio, para que os ânimos das bancadas se acalmassem. “Os próprios filhos estavam no banco a chorar, com medo do que se estava a passar nas bancadas. Há situações em que as pessoas se extravasam um bocadinho”.
“[Os pais] São as pessoas que desempenham uma maior influência na vida dos jovens”, referiu Diogo Resende, de 24 anos, psicólogo.
Numa entrevista ao #infomedia, o psicólogo, dos sub-19 do Sporting Clube de Braga, referiu que os pais tanto “podem facilitar o rendimento deles, como bloquear”.
“São eles que proporcionam a formação, dado que são eles que pagam para os atletas andar no futebol, são eles que os levam ao futebol e são eles que o vão buscar”.
Diogo Resende
Diogo alertou para os pais que intervêm nas “áreas que são do treinador”, ou seja, se o pai tiver características vincadas de forma negativa, ao nível da comunicação, poderá ter “consequências negativas para o atleta, no ponto de vista da saúde mental”.

Seguiu, dizendo que cada vez mais há “abertura dos pais na relação entre o psicólogo e o atleta”, permitindo a intervenção do profissional, sobre aquilo em que poderá contribuir.
O psicólogo confessou já ter assistido a uma intervenção de um psicólogo a um pai. “O psicólogo pô-lo a refletir sobre comportamentos que tem durante os treinos e os jogos, de modo a perceber as consequências que tem nas emoções, nos sentimentos e nos pensamentos do filho”.
Como Diogo já foi jogador, consegue identificar diferenças entre os jovens terem ou não um psicólogo que os acompanhasse na formação enquanto jogadores e homens.
O jovem vilanovense revela que deixou de jogar futebol quando entrou para a universidade, tendo em conta que não se conseguia organizar, em termos de tempo. “Se tivesse o apoio da área da psicologia, se calhar ter-me-ia ajudado a definir prioridades, a definir objetivos, a ser mais estratégico no que toca a olhar para as minhas rotinas. Se calhar tinha conseguido conjugar tudo”, confessou.
Já António Duarte, enveredou pela carreira de treinador. Tem 22 anos e treina os sub-11 e sub-13 da Academia do Sporting Clube de Portugal em Vila Nova de Gaia
“O que é suposto ser um local de diversão, torna-se um local de baixaria em diversas ocasiões”.
António Duarte
Assim como Pedro Oliveira, António Duarte considera que os árbitros são os mais visados.
O treinador visou os pais que reclamam com os árbitros em escalões tão jovens. António advoga que “deveriam ser aplicadas multas”. Isto, porque “criam uma cultura que os filhos irão copiar mais tarde já que viram os próprios pais a fazer. Então acham-se no direito de questionar a autoridade do juiz e essa é a pior lição que podes dar”
““Tira a bola daí”, o filho entrou em pânico e deu um chutão.” Este é um dos exemplos que relata António Duarte relativamente à intervenção dos pais sobre as crianças, considerando que não é correto quando berram e gritam sobres estas. António considera que tem efeito na tomada de decisão das crianças. “Os treinadores pedem uma coisa, os pais pedem outra, mas quem tem de decidir são sempre os atletas e então, acaba por influenciar nas decisões que tomo”
O treinador leonino refere, ainda, que é notória a forte influência dos pais no rendimento dos seus atletas, especialmente nos que têm menos anos de futebol, menos experiência, ou os que mudaram de ambiente, clube ou cidade. “A maioria (dos jogadores) deixa-se afetar”. Um caso peculiar que conta António é de um jovem jogador que tinha a família constantemente a gritar. “Nós entendemos como isso afetava o rendimento do jogador de forma negativa e ele admitiu mais tarde, numa conversa particular que tivemos que se sentia nervoso e, no lugar de seguir as nossas ordens, optava por ouvir a bancada, porque achava que o familiar em questão tinha razão em algumas coisas que gritava.”
Apesar deste tipo de interação que António Duarte considera “negativa”, os pais também se dirigem aos próprios filhos como tentativa de motivação. “Acho que os pais devem gritar, berrar… no bom sentido, claro. Apoiando sempre, gritando golos, festejando vitórias, lances bonitos, fintas…”
Por sua vez, Tiago Henriques defende que o facto de muitos pais verem os jogos “é uma maneira mais fácil de os filhos se sentirem mais seguros e com isso se divertirem mais”.
“Quando os pais dão indicações aos filhos, estes preferem dar ouvidos aos pais do que aos treinadores”.
Tiago Henriques
Apesar disso, o treinador de 19 anos considera que as crianças perdem muito a concentração, quando há confusões nas bancadas entre os pais. O jovem treinador, do Águias Negras de Tabuadelo, acha esse comportamento dos pais “totalmente errado”, pois vai comprometer o jogo das crianças e “estraga completamente o espetáculo.”
No clube oriundo de Guimarães, o coordenador da formação já teve mesmo de intervir, chamando os pais das crianças de todos os escalões, oferecendo-lhes formação durante vários dias. Os resultados, segundo o treinador, melhoraram drasticamente o comportamento dos educadores.” Depois de formações e palestras os pais vão ganhando noção que quem está a jogar são crianças e o que importa é a formação e não a competição”, concluiu.
Diretamente do Paços de Ferreira, chega Francisco Rocha, treinador de 20 anos, que defende o “bom” comportamento dos pais dos atletas, no sentido do incentivo aos miúdos. Por outro lado, desaprova os protestos e as críticas que alguns pais fazem, em relação aos jovens atletas.
“[A pressão nas crianças] é uma das principais causas para o abandono precoce da prática desportiva”.
Francisco Rocha
Francisco entende que as crianças, com pressão, “não se sentem felizes a jogar futebol, se estiverem constantemente a ser criticadas e pressionadas”. O treinador penafidelense alega que o mais importante é deixar “as crianças jogarem e desfrutarem do jogo”, de modo a ganharem alegria e prazer com a prática do futebol.
O treinador, das camadas jovens do Paços de Ferreira, considera que as crianças, especialmente até aos 12, 13 anos, se sentem afetadas pelo comportamento dos pais nas bancadas, dado que “necessitam muito da aprovação externa e tudo o que lhes dizem, principalmente vindo de pessoas mais velhas, levam muito a sério”, defende Francisco.
Marco Monteiro, de 54 anos, é um pai que durante muitos anos assistiu a vários jogos da formação do seu filho, que desde muito cedo entrou na academia do Centro Cultural Desportivo de Santa Eulália de Vizela. Marco enunciou que, pela sua experiência, os pais costumam reclamar essencialmente com os árbitros e sobretudo com os bandeirinhas, por estarem mais perto da bancada.
“Um pai já tentou andar à porrada com outro pai na bancada”.
Marco Monteiro
Relativamente a conversas com os filhos durante o jogo, na sua perspetiva, “os pais não costumam falar para dentro do campo. Nunca presenciei casos desses.”
Tendo em conta esta reportagem, o #infomedia realizou um inquérito nas redes sociais para tentar compreender a influência dos pais nesta temática, mas da perspetiva de quem está dentro de campo. No total, foram 44 respostas.