A morte e sustentabilidade

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A morte e sustentabilidade

Será a morte sustentável?

Por Bárbara Couto, David Soares e Fábio Costa.

Tal como noutras indústrias, o mercado da morte é muito competitivo, a procura e a luta pela sobrevivência fazem-se sentir a todo o custo. Valores semelhantes e interesses diferentes, eis a realidade das agências funerárias em Portugal.

Nos últimos meses os temas da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente marcaram presença assídua na agenda da mídia. Com o surgimento da COVID-19 assistiu-se a uma mudança repentina de práticas e atividades industriais, que contribuíram, aos olhos da comunicação social, para um melhor bem estar ambiental.

Mas vejamos, se por um lado houve ofícios que se reajustaram face ao atual momento de crise, houve outros que nada fizeram. Estamos no ano 2020 e apesar de todos os avisos, a preocupação com o meio ambiente continua a ser relegada para segundo plano quando o único objetivo é o lucro económico.

Imagem RTP

Numa altura em que as palavras “morte” e “óbitos” estiverem mais presentes que nunca nos ecrãs e jornais portugueses, o #infomedia procurou saber mais sobre a indústria da morte: é ou não ecologicamente sustentável? Compromete, ou não, as gerações futuras?

Antes de tudo é importante esclarecer o leitor que embora a COVID-19 tenha provocado muitas vítimas mortais, o número de mortes/funerais realizados, em comparação ao ano anterior em Portugal, decresceu, quem o diz é Cláudia Moita, diretora comercial da Servilusa (maior agência funerária da Península Ibérica) e Paulo Carreira, diretor da associação nacional dos profissionais do setor funerário.

Fonte: PORDATA

Interesses diferentes

É importante perceber que existem vários tipos de urnas, com composições variadas: materiais de alta densidade e de baixa densidade, sintéticos e não sintéticos, de rápida e lenta decomposição. No entanto, umas agências optam por uns em detrimento de outros. Quais são os mais frequentes? E porquê?

Embora a os avanços para a contribuição da diminuição da pegada ecológica sejam recentes no setor, já existe um decreto de lei orientado para as atividades fúnebres, desde 1962.

Passados 58 anos quisemos perceber se as agências cumprem à risca a legislação.

Segundo Paulo Carreira “tem havido uma aposta crescente no concerne à sustentabilidade no setor”.

“Há 10 anos, a associação organizou um comité de trabalho junto com o instituto português da qualidade”, começa por dizer.

“A partir desta altura elaborou-se e publicou-se uma norma de reconhecimento da urna ecológica e biodegradável.” – acrescenta.

No seguimento destes avanços foi criado pelo setor um selo de certificação para as urnas ecologicamente sustentáveis, denominado por CNUF.

As urnas certificadas CNUF, pensadas especialmente para a inumação, têm que se reger consoante as tipologias definidas no que concerne à matéria-prima utilizada, devendo apresentar as seguintes características:

Fonte: AIMMP
Fonte: AIMMP

No caso de fabricação de urnas de abrir é permitido o uso de dobradiças biodegradáveis. É absolutamente proibido o uso de asas/ ferragens em metal que não sejam facilmente amovíveis.

Joana Nunes, responsável pelo departamento de produção e exportação da associação da indústria de madeira e mobiliário em Portugal, orgulha-se de fazer parte da entidade impulsionadora do selo CNUF.

A engenheira alerta para necessidade de continuar a apostar em medidas mais amigas do ambiente.

Diferenças de urnas sustentáveis e urnas não sustentáveis

Cláudia Moita, que trabalha na maior agência funerária do Norte (Servilusa), fala da urgência em adotar materiais mais ecológicos.

Em termos práticos, podemos perceber quais as diferenças de urna amiga do ambiente através do seguinte gráfico:

Segundo o Diretor da associação dos profissionais do setor funerário, apenas 30% das agências funerárias em Portugal adotam práticas ecológicas.

Em números redondos, apenas 450 das 1500 agências do país se preocupam em adotar estas medidas. Paulo Carreira justifica-o pelo facto de “não haver qualificação no setor”.

Para além desta explicação, Joana Nunes salienta que “o custo de produção de uma urna mais sustentável é maior e por norma é vendida ao mesmo preço, isto porque não há ainda uma valorização deste tipo de urnas no mercado”.

Para combater este flagelo, Liliana Barroso, colaboradora da empresa Joriscastro, propõe uma alternativa às más práticas no setor. 

A trabalhar há 10 anos na empresa, tem vindo a assistir a um aumento gradual da produção e consequente exportação de mercadoria.

Fundada em 1982 e considerada a maior empresa de fabrico de urnas a nível nacional, a Joriscastro deu início, em 2010, ao projeto de implementação de um sistema de gestão da qualidade segundo a NP EN ISO 9001 (guia de implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade reconhecido, criando uma força motriz que impulsiona uma forma sustentada a qualidade do produto/serviço).

Fonte: Joriscastro

Atenta à evolução das necessidades, às tendências do mercado e à preocupação com as questões ambientais, em 2016, a Joriscastro integrou o projeto de certificação CNUF.

No entanto, apesar da forte aposta da empresa em urnas certificadas, Liliana menciona “que não há da parte do consumidor final, uma grande procura de urnas sustentáveis”.

Um dos grandes problemas que advém da “não procura” é que “não existe uma lei que obrigue todas as agências funerárias a comprar urnas CUNF. Isto porque neste momento, cada um decide o que deve comprar”, destaca a colaboradora.

Face a esta problemática, Liliana ressalva “que todas as empresas que fabriquem urnas deviam ter uma maior consciência ambiental. Para que se produzissem unicamente urnas CNUF, visto que neste momento não é obrigatório”.

Para além da Joriscastro, Raquel Silva, Lda é uma empresa que se dedica à produção e comercialização de artigos funerários, apostando cada vez mais na qualidade e inovação. Trata-se de um empresa familiar fundada em 1982.

Fonte: Raquel Silva LDA

Em conversa com Raquel – a responsável pela empresa – foi possível perceber que praticamente nenhum dos seus clientes se preocupa com a sustentabilidade. A empresária procura soluções sustentáveis e apresenta-as, no entanto, devido ao fator preço os clientes não se mostram interessados.

Os clientes não têm vindo a ter mais preocupação

A fornecedora admite que a questão da sustentabilidade já é uma “luta” sua há alguns anos, no entanto, não tem clientes interessados em comprar produtos ecológicos, muitas vezes por uma diferença de preço irrisória.

Raquel fala da sua luta

Para além disto, confessa que o único material com mais procura, que cumpre os requisitos da sustentabilidade, são umas urnas para cremação, compostas essencialmente por sal e terra, no entanto, as vendas desse material representam uma ínfima parte no seu universo de faturação.

Comercializa produtos sustentáveis, mas são muito poucos 

Raquel admite que, sempre que pode, introduz na sua empresa produtos que sejam biodegradáveis, mantendo preços justos para os clientes.

Raquel contribui, sempre que pode, para um menor impacto ambiental

Entrelinhas, a profissional adianta que a maior parte dos materiais sustentáveis e biodegradáveis provêm de fornecedores estrangeiros, essencialmente localizados em Itália.

Confrontada com o contexto pandémico dos últimos três meses, a empresária admite ter existido um aumento significativo nas vendas, principalmente no período de março e abril.

Explica-o devido ao facto dos seus clientes diretos serem as agências funerárias que, por receio das mortes em Portugal tomarem proporções equiparáveis a Itália ou Espanha, optaram por se precaver e “abastecer” os seus stocks. Agora as vendas abrandaram significativamente.

Se apenas uma ínfima parte das agências optam por materiais mais amigos do ambiente, que impacto é que isto tem?

Segundo Joana Nunes, o maior impacto das urnas não é na sua produção, mas sim na inumação, devido à interação com o solo, que por sua vez resulta na libertação de produtos poluentes.

Com isto fala-nos da existência de um grande problema: a contaminação dos solos através dos componentes químicos. Isto porque, os materiais compostos por resinas e colas, bem como as madeiras não nobres, levam à esterilização dos solos.

Mas o impacto não se fica por aqui.

Após 5 anos da inumação é suposto, no processo de exumação humano, já só existirem as ossadas, o problema é que muitas vezes, isso não se verifica, pois os solos estão “saturados” devido à utilização de urnas não sustentáveis.

Cláudia fala sobre o problema inerente às práticas não sustentáveis nos cemitérios.

METANARRATIVA

Porque razão escolhemos este tema:

Uma vez que o tema do trabalho de investigação incide na sustentabilidade, procuramos algo que estivesse na ordem do dia, algo atual. Desta forma, procuramos distanciar-nos do retrato realizado pela comunicação social das mortes por Covid-19 e fomos procurar descobrir um mais sobre um tema inerente a estas mortes: quais as implicações ambientais no setor funerário?

As novidades que apresentamos neste trabalho de investigação assentam sobretudo nas consequências da inumação das urnas em contacto com o solo. Para além disso trazer um impacto muito negativo nos solos, acarreta, também, grandes implicações a nível logístico nos cemitérios.

Durante o nosso projeto de investigação, via online e à distância, contactamos com mais de cinco fontes, nomeadamente: Paulo Carreira, diretor da associação nacional dos profissionais do setor funerário. Claudia Moita, diretora comercial da agência funerária Servilusa. Joana Nunes, engenheira e responsável pelo departamento de produção e exportação da associação da indústria de madeira e imobiliario. Liliana Barroso, engenheira de produção na empresa de fabrico de urnas JORISCASTRO. Por fim, entramos em contato com Raquel Silva, LDA uma empresa dedicada à produção e comercialização de artigos para fins funerários. 

Pesquisa Realizada:

Antes de iniciarmos as nossas entrevistas e de entrarmos em contacto com as nossas fontes. Realizamos uma pesquisa acerca do setor funerário, para obtermos mais informações e para nos enquadrar no tema. 

Conclusões:

Consideramos a realização deste trabalho um processo altamente desafiante. Obrigou-nos a reajustar todos os mecanismos de investigação como as entrevistas via zoom e a gravação das chamadas num novo contexto.

Depois de algumas entrevistas tivemos de mudar o enfoque do nosso trabalho,  Tínhamos  a  ideia que a madeira utilizada para o setor funerário era responsável por grande parte da desflorestação, mas não é isso a que acontece. A madeira usada para o setor leva sim a um problema no solo, não devido à desflorestação mas aos materiais que compõem as urnas, que podem impossibilitar a biodegradação, levando à saturação dos solos.

Dificuldades:

Na realização do presente trabalho as dificuldades foram muitas. Desde a localização do nosso objeto de análise, uma vez que desconheciamos por completo as práticas funerárias, sustentáveis e não sustentáveis em Portugal.   Vimo-nos forçados a traçar novos planos e a idealizar novas formas de abordagem.

Além destes obstáculos, alguns entrevistados estavam reticentes em ceder-nos certas informação, talvez  porque as perguntas lançadas os faziam olhar para nós como concorrência. Fica a sensação que se tivéssemos ido ao local tudo seria mais simples.

Por fim, outra adversidade incidiu em deixar os entrevistados confortáveis para que estes dissessem aquilo que realmente pensam, sem comprometer a organização onde trabalham.