A grande preocupação dos estudantes não é estarem “colocados, mas sim desalojados”
- Beatriz Costa
- 19/01/2023
- Sem categoria
Nos últimos dez anos, em média foram colocados 420 000, sendo muitos deles obrigados a se deslocarem para poderem estudar. No início da vida universitária, o grande desafio é encontrar uma habitação que se adapte aos seus rendimentos. No último ano letivo, o número de inscritos no ensino superior foi 433 217, atingindo assim, o maior valor, crescendo em relação aos anos anteriores 5,2%.
[texto: Beatriz Costa e Nelson Lanz]
Bárbara Vale, originariamente da Figueira da Foz, decidiu há quatro anos licenciar-se em Direito e escolheu a cidade do Porto para o fazer. Falou que sempre adorou o Porto e num futuro se via a morar cá, “sempre quis estudar cá no Porto e morar, mas sabia que ia ser difícil porque não é fácil arranjar alguma coisa dentro dos valores que queremos.”
Assim como vários estudantes, para conseguir concretizar o sonho de estudar Direito no Porto, Bárbara teve que arranjar um trabalho para conseguir ajudar os pais nas despesas. Comentou que arranjou um trabalho relacionado com informática e que foi o mais fácil para conseguir conciliar tudo. “Trabalho há 3 anos numa empresa de informática em teletrabalho e não ganho propriamente bem, até porque com trezentos euros não iria conseguir sobreviver aqui no Porto. Este trabalho foi para que em conjunto com os meus pais, tudo consiga ser pago. Dividimos as coisas pelos três e é isso que me permite estudar na faculdade. Se não trabalhasse certamente que não havia essa possibilidade, até porque não era capaz de meter os meus pais nessa situação.”
Em todo o país encontramos faculdades que disponibilizam residências sociais, mas mesmo estas não chegam a todos os estudantes. A alternativa a estas residências é os quartos ou casas que existem disponíveis por toda a cidade onde estudam. O problema é que há cada vez menos oferta e cada vez é mais cara. Muitos estudantes desistem de estudar porque não têm capacidades monetárias para suportar as despesas.
Os estudantes, ao verem os sites de aluguer de casas e quartos, encontram cubículos, com os preços inflacionados, a que os senhorios chamam “quarto com ótimas condições”.
“Na invicta, o preço médio aumentou 40% num só ano, pois em 2016 situava-se nos 195 euros, pelas contas da Uniplaces, uma plataforma de arrendamento a estudantes.”
Nos últimos anos, os preços nas grandes cidades têm vindo a aumentar e a oferta a diminuir. Os preços das casas e quartos aumentam todos os anos e com a inflação a aumentar cada vez mais difícil vai ser ter uma opção.
A capital do país não fica de fora, sendo que é a cidade que pratica os preços e as condições mais absurdas. Natural de Aveiro, Lara Tavares sempre quis estudar na capital. Está no segundo ano de línguas modernas na Universidade de Lisboa e diz que nunca pensou ser tão complicado, pois não esperava deparar-se com preços tão elevados, “os preços eram um pouco mais elevados do que esperava e os quartos mais baratos localizavam-se sempre mais longe ou tinham poucas condições.”
No seu segundo ano de licenciatura pensou mudar de habitação, mas sem qualquer sucesso devido ao aumento dos preços entre 2021 e 2022. “Vi outros quartos para alugar este ano e os preços subiram consideravelmente, em muitos pediam por volta dos 400 euros, sem contrato e sem passar recibo. Decidi ficar no mesmo apartamento que já estava, não considero o preço que pago justo para as condições que tenho, mas foi o melhor que encontrei.”
Na rede social Twitter, este é um assunto muito falado todos os anos no começo de cada novo ano letivo, quando os estudantes começam a sua procura por casas ou quartos. São partilhados prints de vários sites de imobiliário e também da rede social Facebook onde muitos senhorios publicam os quartos que têm disponíveis com condições e preços absurdos.
Porto e Lisboa são as cidades mais procuradas para estudar e aquelas que ao acompanharmos ao longo dos anos verificamos que há cada vez menos condições e cada vez preços mais elevados. Os estudantes sentem-se “obrigados” a viver sem condições e a pagar valores exuberantes para estudarem nestas cidades.
Apesar da cidade de Coimbra e da cidade de Braga serem consideradas também grandes cidades de estudo em Portugal, não são os lugares mais afetados no que toca à falta de habitação estudantil.
Pedro Magalhães mora em Ermesinde e soube na segunda fase de candidaturas que ia estudar para Braga. Licenciou-se em História na Universidade do Minho e expôs: “Tive a licenciatura toda na mesma casa e tinha todas as condições, aliás sentia-me mesmo em casa. Os preços eram de acordo aquilo que estava à espera, ou seja, o preço não era absurdo e tinha um quarto grande só para mim com cozinha e casa de banho excelente.” Pedro procurou casa em cima da hora e comenta que não teve qualquer dificuldade em encontrar, “Na altura achava que ia ser difícil porque só entrei na 2º fase, mas encontrei casa muito rápido e a 10 minutos da faculdade que também é uma ótima condição.”
Em Coimbra, a grande cidade universitária, o panorama é semelhante ao de Braga. O custo de vida não se compara aos das grandes cidades, Lisboa e Porto. Existem muitos mais quartos para estudantes e adequam-se às suas necessidades e orçamento, também existem inúmeras residências com uma resposta positiva perante o número de estudantes colocados, sem esquecer a existência das famosas “Repúblicas”.
Bruna Campos, natural do Brasil, veio à procura de uma melhor qualidade de vida em Portugal, chegou à cidade de Estarreja onde fez o secundário e decidiu escolher Coimbra para iniciar o seu percurso universitário “escolhi Coimbra porque muita gente falava que a vida académica é incrível e realmente tomei a decisão certa” apaixonada a falar desta cidade Bruna partilhou que foi um alívio para ela encontrar um bom alojamento “tinha muito medo, sempre ouvi falar que estas cidades pediam preços exagerados mas Coimbra não é o caso”. Com orgulho de ter sido estudante da Universidade de Coimbra, recomenda aos futuros colocados a irem estudar para lá “Lisboa e o Porto são cidades incríveis e acredito que a experiência deve ser ótima, mas Coimbra é um mundo a parte, a vida académica de cá não tem comparação.”
No que toca aos apoios fornecidos pelo estado aos estudantes deslocados ao longo destes anos, não se pode ressaltar muita coisa, já existem várias ajudas para os estudantes, mas somente se estes forem bolseiros, mas nem todos conseguem ter bolsa ou então ficam meses à espera de uma resposta.
De acordo com a DABOX, no ano letivo de 23/24 “os estudantes do superior passam a aceder a um complemento mensal entre 221 euros e 288 euros para as despesas de alojamento. Este apoio que entra em vigor já este ano letivo beneficiará os estudantes bolseiros, mas não só. Também os estudantes oriundos de famílias com rendimentos mais baixos, nomeadamente com o salário mínimo nacional, e mesmo que sem bolsa de ação social, podem ser contemplados pela medida.” Os apoios existem, pois a Direção Geral do Ensino Superior na sua página web informa que os estudantes podem recorrer a outros apoios para além dos concedidos no âmbito do Sistema de Ação Social do Ensino Superior, como bolsas de estudos, ajudas financeiras ou outros tipos de incentivos, mesmos incentivos que cada ano são reforçados. No ano de 2022 por exemplo a Ministra da Ciência, tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato afirmou durante uma sessão de abertura que “o Governo se encontra a reforçar o parque público de alojamento para estudantes a preços acessíveis, que deverão aliviar a pressão dos custos do alojamento para estudantes à medida que forem sendo concluídas, nos próximos anos.”
Segundo, testemunhas entrevistadas, as ajudas traduzem-se em pouco. André Poiares, estudante de Línguas e Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acha o Estado pouco presente nesta problemática “se o Estado fosse mais presente nestes assuntos havia muito mais pessoas formadas e qualificadas e era uma enorme ajuda para combater a falta de habitação estudantil.” André refere que não só é preciso ajuda monetária e sim diferentes tipos de soluções “a criação de mais campus universitários, mais bolsas, mais protocolos com as faculdades, desconto na alimentação, etc”
Lara Tavares, estudante de Lisboa, tinha tocado neste tema e reforça dizendo “acho que os estudantes deslocados já têm uma ajuda adequada que se traduz no IRS, mas para isso é preciso sempre que os senhorios passem recibo aos inquilinos. Aqueles que necessitam de mais ajuda podem recorrer a bolsas ou ir para uma residência, embora as residências precisem de mais espaço e mais camas dadas as pessoas que se candidatam.”
São constantes as queixas que existem sobre o Estado em relação a este tema. Em conversa com alguns estudantes deslocados, foi-lhes colocada a questão: “O que o Estado poderia fazer para te ajudar?”. Quase todas as respostas foram em relação aos preços pedidos pelas casas e quartos. Os estudantes sugerem que haja uma atenção aos mesmos e às condições que são oferecidas. Gonçalo Rodrigues é de Viana do Castelo e estuda na Universidade Lusófona do Porto e expõe, “creio que o Estado deveria interferir nos preços que os senhorios podem ou não colocar e fiscalizar, tendo em conta o problema de muitos senhorios não registarem os quartos alugados nas finanças para não pagar impostos, quando ainda andava a procura havia muitas opções mas quase todas eram sem contratos e sem passar recibos, deveria haver uma atenção especial a este assunto.”
É necessário tomar medidas a sério para este grande problema que o mercado imobiliário representa, que passa principalmente pela declaração dos alugueres e uma maior presença do Estado neste assunto.