Quando a saúde mental afeta a performance desportiva
- Henrique Silva
- 29/12/2021
- Desporto Saúde
Pressão, ansiedade e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional podem influenciar a saúde mental dos jogadores de futebol e atletas de alta competição. Casos de quem se deixou enredar na depressão e de quem conseguiu superá-la.
[Texto de Henrique Silva]
O assalto a Otamendi e agressão na sua própria casa trouxe o tema, de novo, à ribalta. Não foi um assalto comum: o futebolista teve a sua vida ameaçada, já que, de acordo com o Correio da Manhã, teve o cinto à volta do pescoço e as mãos amarradas. Jorge Jesus, entendendo a situação e um possível caso de stress pós-traumático, deixou o argentino recuperar para os jogos seguintes.
De acordo com um inquérito realizado pelo Sindicato dos Jogadores, em 2019, a jogadores a atuar nas três principais ligas portuguesas, em média: – 32.4% sofre de perturbação do sono; – 26.4% revela sintomas de ansiedade ou depressão; – 21.8% sofre de distress psicológico. |
O psicólogo do Vitória Sport Clube, Filipe Teixeira, em entrevista à ULP Infomedia, defendeu que a vertente psicólogica é um pilar, no que toca à performance desportiva. “Trabalhar as questões psicológicas é a base de tudo”, defende.
Quando falamos nos ‘problemas mentais’, abordamos vários temas. Os mais comuns no mundo desportivo, segundo o psicólogo, são a pressão competitiva, a depressão e a ansiedade, entre outros.
A chave, segundo Filipe, é o atleta conseguir “manter o equilíbrio entre a vida pessoal e a desportiva”, na qual os psicólogos intervêm.
E quando não conseguem atingir o equilíbrio? Robert Enke, guarda-redes alemão, que atuou no Benfica entre 1999 e 2002, perdeu a filha Lara em 2006, após a depressão o apanhar. Em 2009, acabou por tirar a própria vida numa linha de comboio. O jogador escondeu a depressão que tinha, com medo de perder a sua filha adotiva, do enxovalho dos adeptos, do treinador lhe retirar o lugar da equipa.
Cada vez menos é um assunto tabu e mais abordado na esfera pública.
Com isto, os atletas não se sentem tão sozinhos e contam as suas histórias, seja enquanto jogam, seja após a reforma.
Um caso conhecido é o de Gary Neville. A lenda do Manchester United contou, há uns anos, que em 1999 começou a ver um psicólogo após cometer dois erros graves contra o Vasco da Gama no Mundial de Clubes. O mesmo revelou que, na altura, não contou nada aos companheiros de equipa, já que seria um sinal de fraqueza seu, com medo que fosse ‘gozado’ acerca dessa situação.
Um estudo, realizado em 2018, acerca da incidência da depressão revelou que 16.7% dos futebolistas dinamarqueses e suecos de elite apresentavam sintomas de depressão.
Em 2020, a Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) revelou uma pesquisa acerca dos problemas de saúde mental. Nessa mesma pesquisa, responderam à pergunta “o que causa problemas na saúde mental?”. As respostas foram: – Incidência de graves lesões – (Mau) Relacionamento com o treinador e os colegas – Insatisfação com a carreira E no caso de futebolistas reformados: – Desemprego – Queixas físicas após a carreira |
Na Austrália fizeram dois estudos (realizados por investigadores diferentes), um em 2014 e outro em 2021, no qual incluíam futebolistas profissionais masculinos e femininos.
Em 2014, uma média de 46.4% dos atletas apresentavam sintomas de, pelo menos, uma ‘doença’ mental.
Já em 2021, a incidência subiu para 69% dos atletas com sintomas, uma subida considerável, em relação a 2014.
Um caso curioso acerca da questão da saúde mental foi o de Per Mertesacker. Ex-capitão do Arsenal e campeão do mundo em 2014 pela Alemanha, terminou a sua carreira no fim da temporada 2017/18.
O seu antigo clube, o Arsenal, estabeleceu uma parceria, em 2018 com a ONG Save The Children, na qual realizaram um programa chamado “Coaching for Life”, de modo a melhorar a saúde mental, física e emocional de crianças, na Indonésia e na Jordânia. |
O mesmo passou por complicações, devido ao stress competitivo. Segundo o mesmo, a sua profissão causava-lhe náuseas e diarreia, sendo que durante os jogos sentia vontade de vomitar em frente a 60 mil pessoas.
Além disso, sentiu um alívio quando terminou a carreira, sentiu “menos dor”.
Como as complicações da saúde mental não são um assunto exclusivo ao futebol, também existem casos bem conhecidos noutros desportos.
Kevin Love é um jogador de basquetebol, na liga mais conhecida do mundo, a NBA.
Campeão nacional em 2016, passou também por complicações. No dia 5 de novembro de 2017, frente aos Atlanta Hawks, sofreu um ataque de pânico. Num artigo escrito por ele na plataforma The Players’ Tribune, revelou que não andava a dormir bem, estava com problemas na família e a meio de um desconto de tempo, o seu coração começara a bater mais rápido, sentiu o mundo a girar. Isto tudo sem saber ao certo, a razão pela qual estava a passar por aquelas dificuldades.
No mesmo artigo, revelou mais lutas contra a depressão e ansiedade, que ajudaram a quebrar estigma da saúde mental, em relação a atletas de elite. Foi um dos primeiros, apesar de reconhecer anteriormente que “não queria parecer frágil”.
O último caso mediático, em relação a saúde mental, foi o de Simone Biles. A famosa ginasta desistiu de diversas provas dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o que trouxe à ribalta este tema tão sensível.
A atleta refere que mesmo, após os Jogos Olímpicos, ainda tem receio de fazer ginástica, o desporto no qual já venceu sete medalhas olímpicas, incluindo quatro medalhas de ouro.
No entanto, estes casos não são únicos. Cada vez mais surgem atletas, principalmente após o seu auge ou, por vezes, até após o fim de carreira a contar as suas histórias.
Atletas que também passaram por complicações, em relação à saúde mental:
- Michael Jordan, um dos melhores basquetebolistas da história;
- DeMar DeRozan, basquetebolista dos Chicago Bulls;
- Michael Phelps, atleta mais medalhado dos Jogos Olímpicos;
- Tiger Woods, um dos melhores jogadores de golfe da história;
- André Gomes, futebolista do Everton;
Entre muitos outros…