A Última Guerra dos Veteranos
No passado 18 de março, foi declarado o estado de emergência em Portugal. O isolamento social foi uma das medidas tomadas para responder à COVID-19. Segundo as autoridades de saúde, é expectável que os sentimentos de medo, ansiedade, depressão e stress se intensifiquem durante este período. Os idosos, como grupo mais vulnerável ao fenómeno vírico, são a “linha da frente” nos riscos para a saúde física e mental. Que impacto e efeitos psicológicos podem esperar os mais velhos?
Diana Póvoa, Eduardo Carvalho, José Mendonça, Manuel Torres, Renata Andrade
14/06/2020
A Insegurança de quem pertence a um grupo de risco
Os lares de idosos foram, em geral, o alvo mais atacado pelo novo coronavírus e têm sido vários os casos graves de risco nestes locais, por todo o país. Contaminação, abandono e isolamento tem sido o cenário principal para muitos idosos a partir dos 65 anos, grupo de risco em tempo de pandemia.
A Direção Geral de Saúde aconselha as pessoas com 65 anos ou mais a evitar, ao máximo, sair de casa e estar em contacto com outras pessoas. Ir às mercearias, ao cabeleireiro ou ficar com os netos são atividades que, desde o início do isolamento social, são altamente desaconselhadas aos idosos por serem pessoas que são mais vulneráveis à contaminação pelo SARS-CoV-2.
“As pessoas que correm maior risco de doença grave por COVID-19 são os idosos e pessoas com doenças crónicas (ex.: doenças cardíacas e doenças pulmonares).”
– retirado do site da Direção Geral de Saúde
“Fique em casa!”
Todos os dias, desde março, ouvimos nas televisões esta frase. Todos os dias vemos nas janelas das casas esta frase. Redes sociais e estações de rádio espalham esta frase. “Fique em casa!”
A nova pandemia trouxe uma modificação significativa na vida de todos e o mundo mudou num abrir e fechar de olhos. O isolamento social é a nova normalidade, mas para os idosos esta é uma realidade já conhecida e já faz parte do seu dia-a-dia.
Segundo os dados divulgados pela PORDATA, Portugal é o terceiro país mais envelhecido da União Europeia.
A Organização das Nações Unidas publicou, em 2019, um relatório que contabilizou, em Portugal, cerca de 2 286 000 idosos (com mais de 65 anos), número que, segundo a PORDATA, significa que, para cada 100 jovens, existem 157 idosos.
A probabilidade de as pessoas mais velhas ficarem isoladas devido à presença de problemas ou dificuldades ao nível da saúde ou de perdas funcionais é muito maior e, com as recomendações de reduzir ou evitar o contacto social ou a proximidade, como medida de prevenção do contágio da Covid-19, os idosos acabam por ficar mais propensos ao isolamento, à solidão, à insegurança, ao abandono e à exclusão.
A Dona Glória e o Senhor Henrique
“Faço parte de um grupo de risco. E o que é que eu posso fazer em relação a isso?”
-Glória Teixeira
A Dona Glória e o Senhor Henrique são casados há mais de 50 anos e vivem os dois sozinhos em Matosinhos. Partilham o terraço com o filho mais novo, que vive coma mulher e a filha na casa de baixo. “Estamos aqui juntinhos!”, diz a D. Glória.
Chegamos a casa da D. Glória e o Sr. Henrique nunca saiu da cozinha. A nossa conversa, no pátio e com a distância de segurança necessária, foi observada muito atentamente pelo marido, que espreitava pela cortina na companhia do cão, o Rossi.
Em 2011, a Guarda Nacional Republicana criou a operação “Censos Sénior”, uma iniciativa que consiste em registar e vigiar idosos que vivem sozinhos e isolados ou em situações de vulnerabilidade, quer física, quer psicológica ou por outros motivos.
Quando detetadas, as situações de maior vulnerabilidade são reportadas às entidades competentes, sobretudo de apoio social, com o objetivo de fazer o acompanhamento das situações de cada um.
Está ainda a ser elaborado um mapa com a localização georreferenciada de todas as residências aderentes ao projeto.
“Desde que isto tudo começou, só saí de casa uma vez- foi para cortar o cabelo, porque o meu marido não gostava de me ver como estava.” A D. Glória ri-se, mas o sorriso desaparece em segundos. Estava habituada a sair para ir a todo o lado. Diz que faz as compras todas sozinha e que gosta muito de ir ao cabeleireiro, coisas que agora não pode fazer.
Em 2011, cerca de 400 mil idosos portugueses viviam sozinhos (INE, 2011), tornando, assim, o envelhecimento demográfico, uma realidade em Portugal que poderá promover o isolamento social, na medida em que muitos idosos vivem sozinhos e afastados das famílias. Em 2019, dados recolhidos pela GNR revelaram que foram identificados 41 868 idosos nas situações mencionadas, menos cerca de 4000 do que no ano anterior.
Com 83 e 84 anos, o Sr, Henrique e a D. Glória já não têm idade para brincadeiras e não podem arriscar. É a própria quem o diz- “Faço parte de um grupo de risco. E o que é que eu posso fazer em relação a isso? Tenho que me proteger, a mim e ao meu marido. Já não temos idade para ser irresponsáveis.”
Ana é a neta da D. Glória que vive na tal casa de baixo. Tem 23 anos e trabalha num escritório de arquitetura em Valongo- vai e vem todos os dias, apesar de ter estado três semanas em teletrabalho.
Ana confessa que “tem sido difícil. Os meus avós moram aqui ao lado, todos os fins-de-semana íamos tomar o café ali, à cozinha da minha avó. Íamos todos! Agora já não abraço o meu avô há 3 meses.”
O cabelo do Sr. Henrique também cresceu, como o da mulher. Mas a neta Ana é a mulher dos 7 ofícios e também é barbeira! Pela primeira vez, e durante esta entrevista, aproximou-se do avô e aproveitou que a avó “está no reco-treco”, como diz o Sr. Henrique, para dar um jeitinho na cabeleira. Os dois de máscara e a neta de luvas, assim se melhorou o look do avô, que “já não aguentava mais com o calor”.
“O meu marido andava sempre a trabalhar nesta hortinha que aqui está, mas com isto tudo já quase não sai de casa. A agricultura agora está em terceiro plano, se não em quarto ou quinto.” Ri-se, outra vez. A D. Glória é o riso em pessoa. Nota-se a tristeza na voz, de vez em quando, mas o sorriso está (quase) sempre lá.
A Dona Alcina
Do outro lado do rio, na Madalena, em Gaia, vive a Dona Alcina. Ou vivia.
A história da D. Alcina é diferente. Vivia sozinha, numa ilha da Madalena, no largo da Igreja.
Todos os dias saía para apanhar o 906, até à Trindade. “Daí vou a pé- aos Clérigos, a São Bento, à Vitória (que foi onde nasci)… Passo o dia a bater perna.”
Alcina diz que não tem medo do “bicho”, como chama ao novo coronavírus,mas, pelo sim ou pelo não, decidiu deixar a sua casa e mudar-se para casa da filha mais nova, Ana Paula. “Aqui tenho tudo, a minha filha vai às compras e tem tudo o que preciso. Assim, não preciso de sair de casa nesta fase.”
Quando a DGS aconselha ao isolamento social voluntário Alcina, segundo a filha Ana Paula, continuou a sair e tratar dos seus assuntos e “foi difícil convencê-la de que não podia sair de casa, fazê-la perceber que, de cada vez que punha um pé fora de casa, se estava a arriscar.”
Agora, estão as duas em casa (Ana Paula foi colocada em lay-off) e são a companhia uma da outra, coisa que, dizem as duas, não tem sido fácil. “Temos cada uma a sua mania e está a ser difícil conviver com isso.”, admite Alcina.
Ana Paula sai de casa durante o dia para tratar das compras do supermercado e outros assuntos. Alcina acaba por ficar sozinha grande parte do tempo- “fico aqui, limpo a casa, lavo a louça, tenho que pagar a estadia de alguma forma”, diz em risos.
“No outro dia tive uma surpresa!”, diz, emocionada. A D. Alcina recebeu a visita do bisneto e diz ter-lhe feito a quarentena toda.
Contou mais uma história de muitas- “Tive duas filhas que me deram duas netas e o meu sonho sempre foi ter um rapaz na minha família. A minha neta mais velha deu-me essa alegria e agora tenho o meu Joãozinho.” Admite que tiveram os cuidados todos- desinfetaram as mãos e usaram máscara, no entanto conta que não aguentou e tirou a proteção quando pegou no bisneto.
A televisão deixou de ser companhia
Quando questionados sobre quanto tempo passam a ver televisão no seu dia-a-dia, tanto o casal como a D. Alcina, respondem o mesmo- passavam muito tempo a ver os programas da manhã e da tarde dos canais generalistas, mas agora não conseguem ver televisão.
“Só se fala disto- mortes, infetados e conflitos. Já chega estar fechada em casa com o medo, não tenho que estar todos os dias a ficar mais assustada a ouvir mais desastres”, confessa a D. Glória.
Os telejornais, jornais e, mesmo, os programas de entretenimento, focaram-se, durante grande parte dos primeiros meses da pandemia, num só assunto e os 3 idosos confessam que, para não entrarem em estado de ansiedade, se deligaram das televisões.
Se antes eram as grandes companheiras dos idosos, agora, as televisões mostram-se fontes de ansiedade, pânico e incertezas, para quem sempre tomou tudo o que passa nos pequenos ecrãs como muito certo.
A D. Alcina conta: “Agora só vejo as novelas, as da tarde e as da noite. Vejo tudo e entretenho-me assim. Não quero saber das desgraças, já chega.”
Renata Andrade
Marta Matos, psicóloga e docente na Universidade Fernando Pessoa, faz uma análise ao momento das pessoas que pertencem à faixa etária mais velha e que viveram o isolamento desde 18 de março.
A resposta social do Estado para controlar os efeitos psicológicos na população mais envelhecida, provocados pela pandemia, consistiu em criar linhas de apoio gratuitas de aconselhamento e orientação como é o caso do SNS 24, do Instituto de Segurança Social e da Administração Regional de Saúde.
Neste âmbito, de norte a sul do país, as câmaras municipais promoveram, em simultâneo, acessos telefónicos gratuitos para auxiliar os munícipes. Pela proximidade que dispõem com os cidadãos, as autarquias levaram a cabo medidas para vigiar as comunidades em geral, as mais idosas em particular.
Este foi o caso da Câmara Municipal de Ílhavo que desenvolveu duas iniciativas. A primeira dirigida aos idosos em isolamento, que contou com cerca de 25 voluntários, maioritariamente alunos do curso de Psicogerontologia do Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração (ISCIA), que contactam e acompanham estes munícipes, por telefone, uma a duas vezes por semana, criando e mantendo laços de proximidade.
A edilidade contou com uma segunda iniciativa, esta dirigida à população em geral. Trata-se de uma linha de apoio psicológico, a funcionar desde 18 de março – dia que foi declarado o estado de emergência em Portugal – contabilizando até 18 de abril um registo de 327 contactos (média de cerca de 15 contactos diários). A comunidade sénior foi a que mais recorreu ao serviço de atendimento gratuito, cerca de 150 pessoas (45,87%).
Dados da Câmara Municipal de Ílhavo (amostra de 18 de março a 18 de abril)
Os contactos efetuados pelos munícipes para a linha de apoio tiveram as seguintes finalidades: apoio a seniores em situação de isolamento (205); apoio Social (31); apoio na realização de compras (28); apoio Psicológico (27); apoio diversificado (15); encaminhamento para estabelecimento de saúde (9); apoio na Resolução de problemas concretos da vida diária (9); esclarecimentos sobre a Pandemia Covid-19 (3).
Dados da Câmara Municipal de Ílhavo (amostra de 18 de março a 18 de abril)
Sublinham-se ainda as respostas sociais promovidas por grupos particulares e instituições privadas no auxílio aos mais velhos em tempos da Covid-19, como a Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ) que conta com cerca de 70 associações juvenis e com a capacidade de mobilizar 680 voluntários para fazer distribuição de alimentos e outros bens essenciais por idosos isolados, assim como acompanhá-los através de contactos telefónicos e visitas domiciliárias regulares.
Outro dos muitos projetos de iniciativa privada é o Janelas ConVIDA que surge no âmbito da formação superior de gerontólogos da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e foi desenvolvido num contexto específico com o objetivo de combater o isolamento social dos mais velhos, decorrente da Covid-19, através do reforço dos laços de vizinhança onde os estudantes procuram minimizar os efeitos negativos do confinamento social.
José Mendonça
Dados e Projeções da demografia portuguesa
A sociedade portuguesa tem uma demográfica envelhecida. Tem vindo a aumentar mesmo desde a década de 1960, com subidas mais acentuadas na década de 1980 e a partir de 1990. O Fundo Monetário Internacional (FMI), no seu relatório anual de 2016 sobre a zona euro, relata que o peso dos trabalhadores mais velhos no total da população ativa vai crescer até 2035. Ora, o envelhecimento da população deve-se a múltiplos fatores, nomeadamente a descida da natalidade, a redução do número de jovens, seja pelo fator acima ou pela emigração para encontrar trabalho, o aumento da esperança média de vida, a incapacidade da renovação de gerações (índice de 2,1 filhos – Hoje corresponde apenas a 1,41 filhos), entre outras condições.
Adicionalmente, o Instituto Nacional de Estatística (INE) projetou que até 2080 Portugal continuará a perder população e a agravar o envelhecimento demográfico, podendo estabilizar-se daqui a cerca de 40 anos, sendo otimistas. Nesse relatório de 2017, a instituição estima o total da população portuguesa nos 7,5 milhões de pessoas, ficando abaixo dos 10 milhões já em 2031. Quanto aos jovens, é possível que nem totalizem 1 milhão, mesmo admitindo aumentos no índice sintético de fecundidade. Os idosos vão caminhar em sentido contrário, na medida em que esta demográfica vai aumentar de 2.1 milhões para 2.8 milhões de pessoas (das eventuais 7,5 milhões a residir em Portugal).
Pela tabela acima, podemos verificar que por cada 100 jovens existem 157,4 idosos. Ora este dado aumentaria para cerca de 317 idosos por cada 100 jovens em 2080. Pode parecer um pouco longe ainda, mas 60 anos são apenas algumas gerações, e tal trará enormes consequências, tanto sociais como económicas, dado que afetará em grande parte a população ativa e o seu índice de sustentabillidade, isto é, o quociente entre a população em idade ativa (15-64) e a população idosa (65+), que diminuirá de forma acentuada como consequência direta da diminuição da população ativa e o aumento da população idosa. A estimativa do INE é a diminuição de 315 em 2015 para 137 pessoas em idade ativa, por cada 100 idosos.
Todos estes dados significantes servem para perceber a fragilidade da demográfica mais velha. Os censos de 2011 deram conta de que mais de dois milhões de pessoas com 65 ou mais anos viviam no país e grande parte delas, sozinhas. O interior, a região Centro e Algarve constituem os territórios mais envelhecidos.
Eduardo Carvalho
O Isolamento nos lares de 3ª idade
As Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas têm um papel muito importante na contenção da pandemia, na medida em que resguardam o grupo com maior risco de fatalidade. Neste momento as vantagens em frequentar um lar ao invés de viver sozinho “são todas, há muito mais cuidados e ficam resguardados”, concordam cuidadores.
A Casa Silva situa-se numa zona remota, em Guilhabreu, Vila do Conde. Trata-se de uma moradia residencial, onde no andar de baixo são tratados os cinco idosos e no de cima mora a cuidadora com o marido.
Uma boa parte das pessoas da zona são mais velhas que a média nacional (~45 anos). De acordo com a cuidadora, é possível notar o sentimento de acalmia e comunidade nos parques da vila, onde jogam às cartas e discutem o dia-a-dia. A Casa Silva funciona como uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), onde os “velhinhos”, como gostam de ser chamados, passam o dia, com assistência médica caso necessário e todo o tipo de cuidados que acarretam, principalmente em tempos de pandemia.
Ora, a dona Alice, proprietária, contava como foi o tratamento dos idosos nesta época especial, explicando as diferenças nos cuidados, nas saídas de casa para compras ou idas urgentes ao hospital. Isto porque um dos idosos, já com mais de 80 anos, estava praticamente no leito de morte quando iniciámos este trabalho. Na realidade, ninguém sabia no momento se a doença era a COVID-19 ou algo inerente da inflamação que provém do vírus, que pode ser fatal neste grupo etário. Depois de testar negativo por duas ocasiões, deu descanso tanto à cuidadora do lar, como aos outros idosos e famílias.
A diferença mais plausível nos cuidados dos idosos é simplesmente “a maior frequência com que se tem de verificar os velhinhos, para irem apanhar ar ao quintal, para ligar aos filhos, para se entreterem e não pensarem na doença, que só piora o estado emocional de todos” – adianta Alice. O tal idoso, que entretanto foi recuperando, quando lhe era negado a saída de casa para a rua “ tinha ataques de raiva e assustava os outros”, pelo que é de concluir que o confinamento afeta muito o aspeto psicológico deste grupo etário. Marta Matos, a psicóloga que contribuiu para esta pesquisa, adianta que esta conjuntura é extremamente propícia a um aumento nas depressões (não só deste grupo, mas daqueles que os cuidam), decorrente da enclausura a que estão submetidos por meses a fio e, para além disso, o medo que um causa é sentido por todos os outros ao redor, criando uma “bola de neve de mau-estar social que ainda mais é agravado com as eventuais doenças físicas e circunstâncias da vida de cada um”.
Em abril, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales revelava que havia cerca de 300 ERPIs com casos de utentes ou funcionários infetados, correspondendo a cerca de 12% dos lares de idosos e residências.
A “Carta Social” é um estudo de análise de dinâmica da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais (RSES), tutelado pelo Ministério da Segurança Social e pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento, em Portugal Continental. Esta base de dados serviu de análise de dados quando à demográfica mais envelhecida, sendo que em 2014, como noticiava o “Observador”, cerca de 78 mil idosos viviam em lares e por volta de 76 mil recebiam apoio em casa. De acordo com o mesmo estudo da RSES, em 2018, cerca de 93 mil idosos agora vivem em lares e residências para o efeito, e outros tantos a receber apoio domiciliário, além daqueles que frequentam centros de dia, cerca de 43 mil.. Os distritos onde tal mais acontece são Lisboa e Porto, mas com grande afluência em distritos do interior e Centro-Norte.
Ora, outra ERPI que serve para um case study é a Casa da Tiana, em Fânzeres, Gondomar. A par da Casa Silva, também presta acolhimento familiar e conta com 8 Idosos. Ana Mafalda Ramos Pinho, proprietária e cuidadora, conta as histórias dos dias nefastos e cansativos da pandemia, sem nunca deixar de pensar no bem estar dos “velhinhos”. Na Casa da Tiana houve, de facto um paciente com Covid-19, depois de ter testado negativo a primeira vez. Como é de imaginar, tal traz consequências não só para o paciente, mas também para os cuidadores e os outros idosos em risco.
Foram tomadas medidas e feitas diligências de imediato, sendo que mais ninguém foi infetado. Ainda assim, não deixou de afetar a vida dos que estavam mais próximos, na medida em que alguns, incluindo Ana Mafalda, de ter contacto presencial com a família por um período de tempo.
Quanto aos efeitos psicológicos, o acontecimento tomou conta de alguns outros idosos que residiam na Casa Tiana. Para além disso, foi discutido o efeito das televisões e da forma “espetáculo” em como as imagens são transmitidas e as mensagens passadas, na medida em que pode incutir medo nos espectadores, principalmente naqueles que não entendem. Como é de esperar, os mais afetados são aqueles que já trazem algum tipo de trauma ou doença de foro psicológico, como os dois que destacamos abaixo.
A sra. Mina, de 63 anos tem Alzheimer’s em estado avançado. No início da sua estadia gritava a toda a hora, queixando-se de ter feito mal a Deus e aos filhos. Acontecia com muita frequência precisamente devido ao facto de se esquecer o que fizera pouco tempo antes, tremendo até de medo.
Tentámos falar com a sra. Mina três vezes e nas três dava respostas ligeiramente diferentes. Convém salientar que apenas o fizemos por ter visto a falar com outras pessoas e querer falar com alguém, claramente não se lembrando de que já havia respondido às nossas questões. Ora numa dizia ter medo da doença, a seguir já não.
O segundo idoso é o sr. Fernando, de 67 anos, também com Alzheimer’s. Um senhor muito pacato, que gostava de falar e ser entrevistado. “Vou estar na televisão?”, interrogava-se entusiasmado. Na entrevista, disponível em baixo, conseguimos captar uma resposta interessante para demonstrar os eventuais efeitos e consequências do enclausuramento e da agonia do desconhecido, na medida em que o senhor Fernando afirma ser “homem muito pacífico”. Isto porque, off the record, tem momentos esporádicos de violência não consciente, não necessariamente para com os cuidadores e de forma física, mas consigo mesmo e de forma verbal, com muitos insultos à mistura. Ora está feliz, como não quer estar ali fechado. Momentos desses ocorrem essencialmente quando sabe que se esquece das coisas, revoltando-se.
Quais foram as alternativas encontradas para os idosos contactarem as famílias, de forma a não só ouvir mas também a ver os mais próximos? O executivo aconselhou o contacto por videoconferência e o uso de novas tecnologias. De acordo com Ana Mafalda, tal não foi funcional, tanto que se tornou um desafio enorme: “os idosos veem mal e ouvem mal, não resulta bem”.
Para além disso, foi difícil convencer os idosos de que as famílias não podiam entrar, por não entenderem exatamente a justificação. Tudo isso criou agitações complicadas, “ainda para mais nos dias de chuva, onde não podiam ir lá fora apanhar ar, pelo que foram muitas noites a fio, a chorar”.
Há vários tipos de idosos, que lidam com a situação de maneira diferente. Tanto na Casa da Tiana como na Casa Silva, foram relatadas diferenças na perceção dos idosos ao problema em questão, consoante a sua lucidez. Há aqueles que veem o noticiário e entendem a conjetura, existem aqueles que são mais casmurros, inferiorizando este inimigo por terem estado em cenários de guerra no Ultramar e aqueles com doenças psicológicas graves e esquecimentos, que sofrem a mesma coisa várias vezes ao dia. “É sempre como se fosse a primeira, mas não deixam de estar desiludidos o dia todo”.
Com vista ao bem estar deste grupo, um outro aspeto a refletir, relacionando com o tópico dos idosos que vivem sozinhos, foi precisamente as vantagens (ou desvantagens) de, em tempos de conjetura, catástrofe, isolamento ou neste caso, pandemia, frequentar e confinar-se num lar. Para Ana Mafalda Pinho, a conclusão é inequívoca: nestes tempos, as vantagens são todas. “Nós tivemos utentes que entraram a meio da pandemia, porque em casa, não haja ilusões, eles saem”.
Eduardo Carvalho
Quanto à conjetura das residências para idosos e do facto de não poderem sair, Marta Matos analisa os múltiplos ângulos que, a nível psicológico, atingiram os utentes dos lares de idosos.
Os números não enganam. O tecido social mais envelhecido foi o mais atingido pela pandemia, como se comprova pelos dados da DGS.
Dados da DGS que se referem ao período de 10 de junho de 2020
Num estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública, que analisou dados da Direção-Geral da Saúde numa amostra de cerca de 20.000 casos de covid-19 confirmados, até 28 de abril de 2020, concluiu que as pessoas entre os 70 a 79 anos infetadas têm uma probabilidade de ser internadas numa unidade de cuidados intensivos numa percentagem de 10,4 vezes superior à de uma pessoa até aos 50 anos. Se o doente tiver 80 a 89 anos tem uma probabilidade de necessitar de internamento hospitalar 5,7 vezes maior em relação a infetados até aos 50 anos.
Dados da DGS até 28 de abril de 2020, data observada no estudo.
Até esta data, segundo o estudo enunciado, o risco de morte por Covid-19 é 112 vezes superior entre os 70 e os 79 anos relativamente àqueles que têm menos de 50 anos.
José Mendonça
Idosos que desafiaram a quarentena
Apesar de o país ter “parado” devido ao estado de emergência, nem todos os setores o puderam fazer. A designada linha da frente destacou-se por continuar a fornecer os bens essenciais para toda a população e, ao que tudo indica, nem todas as pessoas se deslocavam para comprar algo que realmente precisassem, mas sim para poder sair um pouco de casa, sendo o supermercado uma das únicas escapatórias.
Numa perspetiva de compreender como os idosos desafiaram a quarentena através do comércio, Alexandre Monteiro, funcionário do pingo doce, confessa que, em pleno estado de emergência, muitas das restrições foram quebradas. O trabalhador-estudante explica que, na maior parte das vezes, era frequente ver mais idosos do que adultos e via esses mesmos idosos, várias vezes por dia, a comprar pequenas coisas. Confessa, também, que os idosos não cumpriram tão bem a quarentena por sentirem que teriam de sair mais vezes de casa.
O jovem afirma que os funcionários dispõem de várias prevenções e higienizações, mas, muitas das vezes, reparava que os idosos frequentavam o supermercado sem equipamento de proteção, como máscara ou luvas.
Um testemunho de Cristina Moreira, de 65 anos, veio confirmar a perceção do trabalhador relativamente ao facto de como as pessoas de idade lidaram com o estado de emergência. Cristina Póvoa admite que não cumpriu corretamente a quarentena por não conseguir estar muito tempo confinada em casa. A idosa reconhece, também, que muitas das vezes não tomava as medidas de segurança, como o uso de luvas ou máscara, e admite que, das vezes que ia ao supermercado, simplesmente comprava uma peça de fruta para poder espairecer.
Diana Póvoa
A psicóloga Marta Matos enumera algumas causas dos comportamento de risco por parte de algumas pessoas, concretamente no grupo integrado pelos idosos.
José Mendonça
A pandemia pelos Media
Num momento tão difícil como o que atravessamos, os media ganharam bastante força pelo seu poder de transmissão da informação. São um veículo da mensagem. Se para toda a população é um período difícil, para os idoso é até incompreensível privá-los da sua liberdade, do contacto com a família e amigos, o quebrar das rotinas. Tiveram nos media os seus aliados no “combate” à pandemia. As notícias, que todos os dias ouvem, ajuda na compreensão deste inimigo silencioso.
Têm na televisão o grande escape à solidão, um momento de companhia, que muitos idosos não têm de mais ninguém. Refugiam-se muito nas notícias transmitidas pelos media, principalmente no período que estamos a viver.
“Considero que os media são de extrema importância para as faixas etárias mais elevadas.(…) Para além da necessidade de informação sobre a atualidade, os idosos encaram os media como uma companhia.” – afirma David Marques, estagiário na redação TVI.
Para além disso, afirma que os meios de comunicação não servem só para dar notícias, tem funções pedagógicas e até didáticas. O jornalismo é um prestador de serviço público e credível dos acontecimentos. Com honestidade, transparência e fidedignidade.
No caso concreto da pandemia, os idosos com as noticias tem acesso a uma vasta gama de indicações e sobre o que devem ou não fazer.
Existe, por parte dos meios comunicação social, uma vigilância quase ao minuto para apuramento de informações relativas ao Covid-19, “Em relação ao número de mortos, posso assegurar-te que os números não podem ser adulterados. Na redação, há uma equipa que acompanha, em permanência, todas as informações prestadas pelo SNS e pela DGS.”. Existe preocupação para que os números serem credíveis e a informação ser transmitida da melhor forma possível.
O objetivo primordial dos media é que a informação seja, devidamente, bem consumida por parte dos cidadãos. A ordem dos psicólogos, no seguimento desse mesmo objetivo, efetuou um estudo, intitulado “Media e Comunicação sobre Saúde psicológica no âmbito da pandemia”, que ajuda os jornalistas a partilhar a informação, durante a pandemia, uma nova realidade para todos. O impacto dos media na saúde psicológica, os desafios de comunicar sobre problemas de saúde psicológica e circunstâncias específicas ou comunicar sobre perturbações de ansiedade e medo, alguns dos temas que aborda este estudo.
O jornalista Hugo Portela revela que os ‘media’ já tinham grande preponderância para a sociedade, sendo que agora aumenta ainda mais. Principalmente para o grupo de risco. Os ‘media’ conseguem ajudar esta demográfica de risco a transmitir a informação que necessitam. No entanto, na opinião do jornalista, não conseguem ajudar em termos de ansiedade e medo: a informação, que os media transmitem, é importante para que o grupo de risco tenha consciência de quais as precauções a serem tomadas.
A jornalista e professora universitária Vanessa Rodrigues descreve os ‘media’ como essenciais, na medida em que constroem um sentido do mundo. Os idosos são um público alvo por parte dos meios de comunicação, onde existiram bastantes campanhas para ajudar e sensibilizar.
Os Jornalistas também são pessoas
Os jornalistas estiveram na linha da frente: em hospitais, centros de saúde e residências para idosos, para criar uma consciencialização pública nas pessoas. Muitos privaram-se da própria família, arriscando a própria saúde para que a mensagem chegasse às casas dos portugueses. “Há sempre medo quando estamos no terreno, mas um jornalista casa-se com a profissão, para o bem e para o mal”, concordam os profissionais.
Como qualquer ser humano, os jornalistas não foram exceção a esta pandemia. Continuaram o seu trabalho, mas de uma forma diferente, “ É uma situação muito complicada. Naturalmente, as rotinas profissionais tiveram de ser adaptadas. Tentámos, sempre que possível, manter o distanciamento dentro da redação. Evitámos cumprimentar colegas e amigos no trabalho com contacto direto. Ganhámos o cuidado de desinfetar frequentemente as mãos e os braços e procurámos ter todo um conjunto de medidas de proteção para nós e para os eventuais entrevistados.” afirma David Marques.
Quanto ao ritmo de trabalho, é de concluir que a logística não é a mesma, ao passo que se tem que ter “as peças televisivas feitas a tempo, mas quem corre por gosto, não se cansa. Já dizia o velho ditado.” – remata o jornalista, metáfora perfeita das paixões que continuam, mesmo que a vida mude.
Hugo Portela revela que, facilmente, existe medo pelas circunstâncias da pandemia, mas que o jornalista tem de se adaptar à conjuntura.
A “Storyhunter” Vanessa Rodrigues revela que os jornalistas que estão na linha da frente, têm uma missão: cumprir o seu “dever” de estar à altura dos “high standards” do jornalismo português, o que pode, por seu turno, nesta conjetura, ter consequências para os próprios jornalistas, entre as quais stress, ansiedade e medo.
Por estarem na primeira linha de combate à própria desinformação que situações como esta acarreta, o elevado teor de desconhecimento sobre a Covid-19 pode gerar stress, ansiedade, medo a estes profissionais. O Centro de Trauma do Centro de Estudos Sociais (CES) oferece apoio psicológico gratuito aos jornalistas, para que possam ter as condições necessárias para um melhor cumprimento e funcionamento da atividade profissional.
O atendimento disponibilizado pelo Centro de Trauma, prestado por psicólogos e psiquiatras com formação e experiência no âmbito da Psicotraumatologia, está a funcionar do seguinte modo:
– diariamente, entre as 10 e as 22 horas, por telefone (926562085) ou por Skype, após solicitação prévia para o email centrodetraumasos@gmail.com
– respondendo às dúvidas por email (centrodetraumasos@gmail.com)
Manuel Torres
O Luto em Tempos de Pandemia
Atendendo à situação excecional, no período em que foi declarado o estado de emergência pelo Presidente da República, a DGS impôs novas recomendações para os serviços e celebrações fúnebres.
Apenas os familiares mais próximos, num número reduzido, puderam participar nos funerais, para diminuir a probabilidade de contágio e como medida de controlo dos casos de Covid-19, instituindo ainda o distanciamento físico, a higiene das mãos e as regras de etiqueta respiratória.
As indicações das autoridades sanitárias visaram, ainda, a restrição à participação em cerimónias fúnebres dos grupos mais vulneráveis – crianças, idosos, grávidas e pessoas com imunossupressão ou com doença crónica.
O novo coronavírus proporcionou um cenário desolador para os familiares e amigos das pessoas falecidas, sem os habituais cortejos fúnebres, velórios sem missa e caixões fechados.
Com o fim do estado de emergência e com o estado de calamidade, declarado a três de maio, deixou de ser possível limitar a participação de familiares e amigos nas celebrações, contudo, ainda existem muitas normas a limitar os comportamentos pré-Covid.
Diana Póvoa, 22 anos, estudante finalista de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto, vivenciou no passado dia 19 maio o falecimento de um familiar. Embora o óbito não tenha sido motivado pela Covid-19, verificou persistirem algumas regras de segurança na cerimónia fúnebre.
Para analisar este fenómeno, do novo processo de luto provocado pela pandemia, Marta Matos, que desenvolve alguns estudos dentro deste âmbito, alerta para as consequências que poderão manifestar-se a longo prazo nos familiares e amigos que não fecharam este ciclo da forma mais adequada.
Segundo dados da Pordata, em quase três meses de pandemia verificou-se um ligeiro aumento de óbitos em Portugal, face ao período homólogo de 2018 e 2019. Por cada cem mil residentes no nosso país, no período compreendido entre 1 de março e 24 de maio de 2020, faleceram 274 pessoas, enquanto que em igual período dos de 2018 e 2019 se registaram 263 e 251 óbitos, respectivamente.
Dados da Pordata
Assim sendo, se verificamos um aumento de pessoas falecidas, é expectável que haja um maior número de pessoas – familiares ou com relações de proximidade – que venha a sentir no futuro, o impacto psicológico da perda.
José Mendonça
“Para nós não mudou nada!”
Portugal começou, aos poucos, o desconfinamento e a abertura dos comércios locais, das lojas de maior dimensão e dos cafés.
Contudo, o novo coronavírus ainda paira no ar e os idosos com mais de 65 anos continuam a ser um grupo de risco.
“Não sei como vai ser daqui para a frente. Não sei se isto vai durar meses, um ano ou dois. E isso assusta.”
– Alcina Truta
“Para nós não mudou nada!”, diz a D. Glória. Confessa que, mesmo com o desconfinamento em partes, não quer sair de casa. Prefere não arriscar- “tenho 84 anos, não me posso deixar morrer agora por causa de um bicho que nem sei muito bem o que é.”
O humor tem sido uma proteção para olhar para a pandemia COVID-19. Chamam-lhe bicho, dizem que não têm medo, riem-se. Mas, no fundo, o seu maior desejo é que todo este pesadelo passe, embora não saibam se o fim está perto ou não.
“Estou farta de estar em casa, quero fazer os meus recados como antes mas não quero arriscar.”, diz D. Alcina. “Não sei como vai ser daqui para a frente. Não sei se isto vai durar meses, um ano ou dois. E isso assusta.”
Renata Andrade
Como podemos, então, ajudar os idosos a ultrapassar o confinamento? Marta Matos deixa alguns conselhos.
José Mendonça