Abuso sexual infantil – a importância de ensinar as crianças

Voltar
Escreva o que procura e prima Enter
Abuso sexual infantil – a importância de ensinar as crianças

[Texto de Diana Morais Ferreira]

A educação sexual, os vários tipos de abuso, a pedofilia e a violação, são temas estudados e abordados pela psicóloga Beatriz Abreu, a qual defende que: é importante que exista uma postura ativa na educação sexual desde que a criança nasce, que o abuso sexual é uma forma de violência e que a violação deveria ser um crime público. 

Foto cedida pela própria – Beatriz Abreu

Beatriz Abreu é psicóloga e atualmente está a realizar uma investigação na área da violência sexual, no NeuroDevelopment, Interpersonal Relationships and Psychopathology (NIRP) e no Observatório da sexualidade (OS). Para ela é, desde logo, importante esclarecer alguns conceitos como a sexualidade, o abuso sexual, os diferentes tipos de abuso e ainda a violencia sexual. Alerta para aquilo a que devemos estar mais atentos, nomeadamente, as mudanças de comportamento e/ou de humor, a perda ou excesso de apetite, e ainda os sintomas físicos que possam surgir. Beatriz, partilha também o que é ser psicóloga, com base na sua experiência, recordando que a curiosidade e o interesse pela saúde mental surgiram ainda nos tempos do ensino secundário e que desde cedo teve consciência do que gostaria que o seu futuro profissional passasse pela área da saúde. 

“Nós temos sexualidade desde que nascemos até morrermos e ela vai estar presente.”

Beatriz Abreu

De acordo com a psicóloga, a sexualidade faz parte da vida de todos e por isso, é necessário que exista uma postura ativa na educação sexual das crianças desde que nascem, por parte dos pais e também dos educadores. A psicóloga indica ainda o que pode proteger uma criança de ser vítima de abuso sexual, é saber que o seu corpo é único e especial e que tem direito a recusar qualquer beijo, qualquer toque, seja de quem for. Beatriz Abreu, afirma que “é importante explicarmos isto às crianças, o direito de dizer não, o direito de respeitar o espaço do outro, assim como o outro também deve respeitar o seu próprio espaço, e o seu próprio espaço é o corpo”.

A especialista em comportamento humano alerta para o facto de muitas pessoas obrigarem as crianças a dar beijos/abraços a outras pessoas, quando elas se recusam a fazê-lo. Nestas situações o adulto acaba por ensinar à criança precisamente o contrário daquilo que é suposto – o dizer não e respeitar o seu espaço e o seu corpo. 

O papel dos pais e dos educadores, reflete Beatriz, “mas sobretudo dos pais”, reforça, é o de ensinar as partes do corpo às crianças e explicar-lhes que existem partes especiais, como as íntimas. “Por exemplo, que quando vamos à praia não andamos nus, usamos uma cueca ou uma parte de cima para proteger estas partes que são privadas e muito especiais”, explica.

Segundo a investigadora, tudo isto é essencial para que as próprias crianças tenham uma certa lucidez na distinção do bem e do mal, e para além disso, refere que se deve sugerir às crianças que, caso aconteça alguma situação que lhes pareça errada, recorram a algum adulto. “E as crianças tendo uma noção disso, de que ninguém pode tocar sem autorização dela, que ninguém a pode obrigar a tocar quando ela não quer, ela tem noção que isto é errado, podemos sugerir que no caso de isso acontecer, que ela possa recorrer à mãe ou a alguém da sua confiança. Isto não só para ela saber que é errado, mas também para que saiba o que é que pode fazer no caso de isso acontecer e obviamente contar a um adulto de confiança o que aconteceu.”, ressalta a psicóloga e investigadora, Beatriz Abreu. 

A psicóloga ainda salienta que “a criança não tem capacidade de discernimento e de entendimento sobre o que é a atividade sexual. E é essa ausência de conhecimento que coloca um agressor em vantagem, enganando os mais pequenos”.

Licenciada em psicologia e mestre em psicologia clínica e da saúde pelo Instituto Universitário da Maia (ISMAI), Beatriz explica que  o abuso sexual é o envolvimento de uma criança numa atividade sexual, à qual é incapaz de dar o seu consentimento, ou para o qual a criança não está mentalmente preparada, ou que viola a lei e tabus sociais da sociedade. De uma forma geral, acrescenta,  o abuso “sexual é perpetrado por adultos que assumem uma função de superioridade, em virtude da idade, da responsabilidade, da confiança e do poder atribuído em relação à criança”.  A investigadora refere, também, que existem dois tipos de abuso sexual: abuso com contacto físico (carícias, masturbação e pode ainda ocorrer sexo oral e/ou penetração anal e vaginal); abuso sem contato físico, mas no qual pode existir a exposição a conteúdos de natureza sexual (através da exposição de órgãos genitais ou através da exposição de pornografia).

“Sendo o abuso sexual, uma forma de violência sexual, não considero que exista uma diferença.”

Beatriz Abreu

Para a psicóloga, que atualmente, está a realizar o Ano Profissional Júnior para entrada na Ordem dos Psicólogos Portugueses, numa IPSS em Vila das Aves, o abuso sexual é uma forma de violência sexual e, portanto, não considera que exista uma diferença entre estes dois conceitos,  realçando que a violência está sempre presente, quer seja física ou emocional.

Os abusos sexuais acabam por ter uma repercussão na vida das vítimas, mas como explica Beatriz Abreu, estas dependem das circunstâncias do abuso, das competências pessoais e também do contexto familiar. No entanto, ressalta que os estudos demonstram que a experiência de um abuso sexual está associada a consequências psicológicas, como a depressão, a ansiedade, o stress pós-traumático, as perturbações alimentares (anorexia e bulimia), as perturbações de personalidade e ainda a sintomas como a baixa autoestima, o isolamento, a desconfiança, a hostilidade, o evitamento e as dificuldades no relacionamento interpessoal.

Segundo a investigadora do NeuroDevelopment, Interpersonal Relationships and Psychopathology (NIRP) e do Observatório da Sexualidade (OS), a maioria das vítimas nunca revela os abusos, e acrescenta que “os estudos demonstram que os fatores associados à não denúncia são não só sentimentos de vergonha, medo e culpa, bem como o receio de não acreditarem nos acontecimentos, medo de represálias e o impacto do processo judicial”.

“Cada pessoa é única e idiossincrática, com uma história de vida e experiências muito individuais.”

Beatriz Abreu

No caso de violação, a psicóloga defende que “deveria ser crime público”, pois qualquer pessoa deveria poder fazer uma denúncia caso soubesse da existência de uma vítima a passar por essa experiência. Acrescenta ainda que as vítimas não são todas iguais. Enquanto algumas vitímas conseguem perceber com clareza e afastar-se dos sentimentos de culpa, de vergonha e de medo e acusam o agressor às autoridades. Por outro lado, existem vítimas que não o conseguem, nem querem fazer, pois não se sentem confortáveis o suficiente para partilhar a história e, ao mesmo tempo, não se sentem bem pois sentem culpa, medo e vergonha. É então nestes casos que, na sua opinião, a solução deveria passar por terceiros e que estes em pudessem reportar às autoridades. 

Beatriz refere que é  importante distinguir pedofilia de abusos sexuais. “Pedofilia consiste num desvio da sexualidade”, sublinha, indicando que estamos perante  “uma parafilia, ou seja, é um distúrbio psicológico”. Quer isto dizer que a sexualidade do pedófilo, a sua excitação e o seu interesse, estão orientados para crianças, o que não é suposto acontecer, daí ser um distúrbio. Muitas vezes, os pedófilos têm consciência de que o são porque se atraem por crianças, mas não praticam o ato. O abuso sexual nada tem que ver com isto, sendo que não existe uma parafilia, o que na realidade existe é um aproveitamento do facto de ter acesso a um menor e usá-lo para satisfazer a sua vontade sexual. 

De acordo com a psicóloga existem vários tipos de tratamento para o agressor, “passam pela psico-educação, que consiste em explicar questões do abuso sexual e a restruturação cognitiva que consiste em restruturar crenças, pensamento e ideias disfuncionais que levam ao abuso sexual. Sendo que o objetivo principal é a reinserção, que passa por alterar e provocar uma mudança comportamental dos hábitos e interesses que sejam desviantes”.

Beatriz revela que o maior desafio que tem sentido enquanto psicóloga é o de desconstruir preconceitos associados à saúde mental, desde o estigma, à ideia errónea de que existem fórmulas mágicas e soluções imediatas. Alerta, ainda, para os sinais que as vítimas de abuso sexual dão e que se deve ter em conta, tais como, as mudanças de comportamento, ou de humor, a perda ou o excesso de apetite, as insónias, o isolamento, o medo de estar sozinho/a e um fraco desempenho a nível escolar. Assim como é importante estar alerta relativamente a sintomas físicos que possam surgir ou até mesmo contusões no corpo. No entanto, ressalva que estes sinais não são regra geral e que nem todas as vítimas de abuso demonstram sinais ou sintomas que sejam possíveis de identificar, mesmo pelas pessoas mais próximas.