Adaptação da prática desportiva em tempos de pandemia

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Adaptação da prática desportiva em tempos de pandemia

[Texto de: Diogo Araújo, Diogo Dias, Francisco Moreira, João Pinto e Nuno Gonçalves]

Rafael Loureiro, Leonor Garcia, Tiago Martins e Vítor Oliveira são quatro  jovens que adaptaram a prática de exercício físico à nova realidade pandémica e dão-nos testemunho de modo a enfatizar a quebra desportiva que sofremos este ano.

A prática desportiva foi uma das atividades quotidianas que mais sofreram interrupções desde o início da pandemia. Algumas pessoas desistiram, muitas por medo de contágio, outras por falta de competição. Contudo, houve atletas que mantiveram o espírito desportivo presente, mesmo não tendo a possibilidade de competir. Há ainda aqueles que, por exemplo, se adaptaram aos novos tempos e criaram o seu próprio espaço de treino. 

Na primeira vaga pandémica, os ginásios fecharam, as competições desportivas pararam por imposição das medidas governamentais de saúde pública e ainda houve quem tivesse desistido pelo facto de se poder contagiar a si e aos outros. A incerteza deu lugar ao medo, à cautela e à previdência.

Rafael Loureiro, 20 anos, é powerlifter e estudante de Ciências da Nutrição na Universidade Católica do Porto. Começou a frequentar o ginásio em 2016, tendo já participado em três competições nacionais de powerlifting, nas categorias de adolescente até 60kg e categoria aberta até 67,5kg, onde conquistou o primeiro lugar.

Rafael Loureiro numa competição nacional de Powerlifting. Fotografia cedida por Rafael.

No início de março, devido ao encerramento dos ginásios por tempo indeterminado, Loureiro improvisou a prática desportiva. “Comprei um elástico e treinava com isso”, referiu. Utilizava “sacos de arroz numa mochila, e com a mochila às costas fazia flexões e outro tipo de exercícios”. Treinou desta forma cerca de um mês e só mais tarde começou a comprar material.

Admite que, “se não fosse a pandemia, não tinha montado nada”. “É bom treinar em casa porque poupo tempo em viagens”, reflete, “não preciso de estar à espera para usar os equipamentos e posso ouvir a música que quiser”. Mas, admite, “preferia que não tivesse existido pandemia e continuava a treinar no ginásio”.

Para Rafael, a opção de deixar de treinar estava fora de questão, por isso montou o ginásio, na garagem, onde não corre o risco de se contagiar e mantém a prática desportiva que adora. No início da pandemia, em meados de março, não se sabia muito bem como enfrentar o vírus SARS-CoV-2 , que causa a doença conhecida como Covid-19, sendo de uma tipologia diferente da então conhecida pela Biomedicina, por isso, os cuidados a ter eram completamente desconhecidos. 

Ginásio de Rafael na garagem. Fotografia cedida por Rafael.

Tiago Martins, 21 anos, praticante da modalidade de basquetebol desde os 10 anos,  deixou o basquetebol de lado por medo de se contagiar e, consequentemente, poder contagiar a mãe, que é enfermeira no Hospital de São João, no Porto.

Como muitos outros, o jovem estudante treinou em casa. “Construí o meu próprio ginásio já que o meu corpo não permite que eu fique muito tempo sem treinar porque engordo facilmente”, sublinha.

Mal o estado de emergência foi levantado, Tiago voltou ao ginásio para manter a forma física, admitindo que, “neste momento”, sente-se “mais seguro a treinar num ginásio do que em prática desportiva coletiva”. Ele indica que “nos ginásios as pessoas podem treinar de máscara e há um maior distanciamento social, somente nos exercícios cardiovasculares não conseguem usar proteção”.

Tiago Martins a praticar basquetebol. Fotografia cedida por Tiago.

Noutros casos houve, ainda, atletas que tentaram reintegrar-se na sua modalidade mal os clubes puderam voltar ao ativo. Leonor Garcia tem 19 anos, é estudante de medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), e fazia parte do plantel sub 21 na modalidade desportiva de voleibol, do Clube Atlântico da Madalena, no município de Vila Nova de Gaia, quando a pandemia veio abalar a sua vida de atleta. Para não perder a forma, em época de confinamento, decidiu treinar em casa. “Treinar em casa foi um desafio” começa por recordar. Ela nota que tinha pouco espaço e não tinha o material necessário. “Seguia os planos que os treinadores do clube nos mandavam. No início da quarenta era mais fácil porque estava mais motivada. Com o arrastar da situação pandémica, a motivação foi diminuindo e a vontade de treinar também.”.

Durante o Verão, tudo mudou para melhor. “Regressamos aos treinos na praia. O clube e os treinadores adaptaram os treinos orientando-se pelas diretrizes da DGS (Direção-Geral de Saúde) e da FPV (Federação Portuguesa de Voleibol).” A jovem estudante universitária ressalva que, nessa altura, faziam “treinos mais individuais e o máximo afastadas das colegas”. Além disso, “as bolas eram desinfetadas no início e no final do treino.”

Leonor acabou por deixar  o voleibol de lado, apesar de ter tentado regressar. “Sentia-me insegura. Tentei treinar de máscara, mas sendo a única que o fazia, a insegurança e o medo de infetar alguém em casa permanecia.” Por isso, ela decidiu “fazer uma pausa enquanto a pandemia se mantiver.” Ainda assim, para não parar a prática desportiva na totalidade, a atleta de 19 anos está, atualmente, a ser seguida em regime online por uma Personal Trainer, de modo a treinar todos os dias e, assim, não perder nem o ritmo, nem a forma física.


Leonor Garcia no Clube Atlântico da Madalena. Fotografia cedida por Leonor.

Também em pleno pico pandémico, Vítor Oliveira, 20 anos, jogador de futebol, se refugiou na prática desportiva em casa. Desde os 14 anos que o futebol entrou na sua vida de forma mais séria. Desde 2006 corre atrás da bola e ainda não se cansou. É uma paixão geracional, já que o pai foi jogador, ainda que não tivesse atingido um patamar profissional, portanto “desde novo acendeu sempre algum tipo de chama”. Apesar de ter praticado outros desportos em simultâneo, acabou “sempre por deixá-los a favor do futebol.” 

2020 trouxe uma época diferente do habitual, cheia de desafios com o fator confinamento a ser decisivo para o desfecho. Seguiu-se a adaptação. “Primeiro foi difícil saber a notícia” conta Vítor, “porque, entre aparecer a pandemia em Portugal, começarem a aumentar os casos e fecharem os campeonatos, foi tudo muito rápido, nem deu para tentar começar a adaptar como se tem feito agora com máscaras e treinos primeiro separando os grupos.” Sem qualquer jogo, treino, atividade física e sem competição (que não chegou a acabar) e, ainda, sem direito a férias foi importante de alguma maneira manter a boa forma física. Esta tornou-se na maior pré-época que o atleta teve, somando isto à diferença que é entre treinar em contexto de jogo, de competição e treinar sozinho. “A adaptação foi complicada, tentar manter o esforço em casa que tínhamos em campo não foi fácil.”  

De março a julho,  os treinos foram individuais, mas o mês de agosto trouxe de volta alguma normalidade já que “em termos de futebol e de treinos não houve diferenças nenhumas, as coisas continuam a ser normais como eram antes da pandemia”. A principal diferença regista-se na convivência, no espírito de grupo que é tão importante numa equipa. As constantes medições de temperatura à chegada ao estádio, a máscara no balneário, “foram um processo também de adaptação, visto que no início era algo diferente e agora é algo mais natural.” 

  Ainda que se tente manter alguma normalidade, os casos positivos nas equipas, e os contactos próximos com infetados têm vindo a assombrar esta época, levando ao adiamento de muitos jogos. Isto quebra o ritmo dos atletas e torna imprevisível o desfecho. Há semanas em que não há jogos, tornando a capacidade de se motivar treino após treino mais desafiante. Para Vítor, “não é difícil encontrar motivação mas não é igual, motivação todos temos[futebolistas], principalmente neste patamar [profissional] em que estamos no futebol, porque gostamos de jogar e não por outra coisa mas nunca é igual jogar sem competir ao domingo”, confidencia.

Os quatro atletas esperam que o futuro traga melhores tempos para a prática desportiva. Por agora, cautela, adaptação e auto motivação são o exercício diário daqueles que não vivem sem desporto. 


Desistir de praticar desporto por causa da pandemia

Cerca de 24% das pessoas inquiridas deixaram de praticar desporto devido à pandemia

De dia 4 de dezembro a dia 6 de dezembro, realizamos um inquérito, que foi divulgado no Facebook do #infomedia, de modo a apurar como as pessoas se adaptaram à pandemia, no que toca à prática desportiva.

O sedentarismo tem vindo a aumentar pelo mundo fora e Portugal não é exceção. Em 2017, o Eurobarómetro apurou que mais de metade da população portuguesa (64%) diz “não praticar” ou “nunca ter praticado” qualquer tipo de atividade física. Neste momento, são mais as mulheres do que os homens a ter um impacto negativo na prática de exercício físico, com 78% e 68%, respetivamente.

Estatisticamente falando, os dados recolhidos através de um questionário sobre a prática desportiva durante o período pandémico, demonstrou que das 67 pessoas que responderam ao questionário, 65% (43 inquiridos) praticava desporto antes da pandemia e 35% não praticavam nenhum desporto (24 inquiridos). 

Gráfico dos desportos mais praticados pelos inquiridos

Apurou-se ainda que cerca de 30% dos inquiridos, com o surgimento da pandemia, continuaram a praticar o mesmo desporto. Dos restantes, cerca de 22% continuou sem realizar exercício físico, aproximadamente 24% deixou o desporto. Sensivelmente 9% passou a praticar desporto e cerca de 14% mudou o tipo de exercício que praticava, como é visível no gráfico em baixo.

Gráfico da adaptação desportiva à pandemia

As pessoas que começaram a praticar desporto, ou alteraram o que praticavam antes da pandemia, afirmam que o fizeram muito por causa do vírus, para reduzir os contactos, optando por exercícios como caminhadas, corridas, ténis e bicicleta, por serem desportos sem contacto físico ou de cariz coletivo.

Mais de metade das pessoas afirmam que deixaram de praticar desporto pelo medo de se contagiarem a si e às famílias, sendo este o fator decisivo. Também houve inquiridos que deram outras justificações, como por exemplo, a paragem dos campeonatos, por ordem da Direção Geral da Saúde ou da Câmara Municipal, que os impediu de continuar a praticar a modalidade habitual.

A pandemia impulsionou o interesse dos cidadãos por plataformas que permitem controlar e gerir a prática de exercício físico em casa. Entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, o download de aplicações de saúde e fitness subiu 46%, a nível global. Segundo os dados da MoEngage, a Índia é o país com maior crescimento em termos de downloads, registando 58 milhões de novos utilizadores ativos e um salto de 157%. A região que junta Médio Oriente e Norte de África foi a segunda que mais cresceu em downloads (+55%), seguindo-se a Ásia-Pacífico (+47%) e a Europa (+25%). As Américas constituem a região onde o aumento dos downloads foi menos acentuado (+21%).