Adelaide Cunha: “Vou para a cama e levanto-me a pensar em estratégias para tentar manter este negócio”
- Diana Silva Fonseca
- 14/12/2020
- Atualidade Portugal
Adelaide Cunha, gerente das Padarias Requinte em Santa Maria da Feira, tem assegurado o negócio local sem fechar as portas, apesar das complicações provocadas pela pandemia da Covid-19.
Natural de Ovar, Maria Adelaide Salvador Cunha gere atualmente três padarias no concelho vizinho. Mesmo não sendo a fundadora do negócio, iniciado em 1990, aos 16 anos começou a trabalhar como empregada de balcão numa padaria. “Comecei a apaixonar-me por aquilo e entretanto os tempos foram passando e eu fiquei à frente de uma loja. Daí arranquei devagarinho”, conta.
O negócio que gere é hoje a imagem desta mulher. As Padarias Requinte são conhecidas na zona pelos feirenses que diariamente ou ocasionalmente lá passam. Quando questionada sobre a possibilidade de expandir além destas fronteiras, Adelaide confessa: “tenho um sonho e ainda não o perdi” – quer abrir uma loja no Porto com fabrico noturno – “mas o sonho por agora está adiado”.
Os estabelecimentos nunca fecham, tal como a ovarense que não tira folgas: “dedico-me cem por cento às lojas”. Desta forma, aprendeu cedo a consolidar a vida profissional e a esfera pessoal, mas admite ter abdicado “um bocadinho da família para amar este projeto”.
O contexto pandémico fortaleceu ainda mais o vínculo de Adelaide ao negócio, pois recusou-se a encerrar quando na cidade as restantes padarias e pastelarias fecharam portas. A decisão foi simples, “é um bem essencial, vender pão”, afirma. No entanto, não nega que a pandemia alterou a dinâmica de trabalho das Requinte, tendo de abandonar temporariamente a parte de cafetaria como pediu a Direção Geral de Saúde, em meados de abril.
Apesar de no início ter havido algum receio do vírus Covid-19 e do seu impacto no comércio local, a profissional, de 40 anos, diz que “o cerco começa a apertar” neste momento e que continua a ser muito difícil lidar com a situação – vão surgindo algumas complicações financeiras, mas alegra-se de não ter despedido nenhuma funcionária.
A resposta das Requinte ao Covid-19
Ao longo dos meses, enquanto vários estabelecimentos comerciais fechavam temporariamente ou definitivamente, Adelaide “segurou as rédeas” do seu negócio com “muita publicidade, com menus novos, com coisas mais baratas”. Não revolucionou nada porque “as pessoas vêm buscar o pão”, mas experimentou levar os produtos às habitações.
“Já procuramos arranjar mais restaurantes, mais sítios para vender. A minha ideia é não despedir ninguém e tentar manter o que tenho.”
Para a padeira as estratégias que adota dependem do cliente, que “está sempre acima de tudo”, e afirma convictamente que mantém a confiança de quem a procura através da qualidade – “Limpeza, simpatia. Trabalhamos muito nessas pequenas coisas. O cliente exige muito de nós”.
Os produtos locais são também uma atração. A fogaça é o doce convencional de Santa Maria da Feira e Adelaide tem certificação oficial: “ganhei o certificado, sou uma das pessoas que pode vender fogaça porque a fazemos com qualidade”, explica. A ideia é dar ao cliente o que ele gosta, mas não deixa de lado a possibilidade de inovar e “andar sempre a fazer coisas novas”.
As épocas de risco no negócio
No decorrer do ano, o comércio tem épocas de pico a nível de vendas e de clientes.
As Padarias Requinte não são exceção e sentiram o impacto do Covid-19 nestas alturas cruciais. Entre a Páscoa e o verão, “as pessoas não vinham, tinham medo”, observa a gerente – “quando os clientes levavam só para casa, aí nós ainda trabalhamos mais ou menos. Quando deram autorização para metermos algumas mesas, baixou muito”. Neste sentido, as medidas aplicadas aos estabelecimentos comerciais têm sido um fator decisivo na afluência e consequentemente nas receitas.
Agora a preocupação é “salvar” o Natal. Adelaide já começou a publicitar as épocas festivas: “já estamos a tratar de muita publicidade, rádios, papelada, tudo o que eu puder fazer”, admite. Mas vai acima de tudo tentar manter as tradições da casa com os cabazes natalícios (um mais acessível ao cliente e o outro mais elaborado).
Ainda antes de avançar com mais projetos de Natal, tem de enfrentar o novo Estado de Emergência, decretado a 9 de novembro. O recolher obrigatório às treze horas durante o fim-de-semana é mais um obstáculo ao negócio: “estive aberta normalmente, com tudo a trabalhar e com mais produto porque estávamos a prever que viesse mais gente de manhã”, declara a entrevistada. Mas pela primeira vez em muito tempo, fechou duas das padarias durante a tarde – “Fechei à tarde porque já é uma estrada com pouca passagem e automaticamente já não ia ninguém. Então fechamos para fazer limpezas”.
O impacto local
Adelaide Cunha não se fica só pelas padarias. Adora igualmente feiras medievais e outras festas, essencialmente locais, para as quais contribui com os seus produtos.
“Além das lojas estarem a trabalhar, eu tento arranjar outros trabalhos para ajudarem a compensar alguns dias mais fracos”.
A Viagem Medieval em Terras de Santa Maria é um dos eventos do concelho que mais recebe visitantes de todo o país. No verão, durante duas semanas, esta é uma atividade com a qual a gerente das Requinte lucra (como muitos outros trabalhadores e comerciantes da zona).
Contudo, a pandemia não permitiu o projeto avançar este ano e foi uma perda significativa: “O ano passado tive uma média de cinco ou seis mil euros em dinheiro de pão vendido para lá. Este ano não tivemos nada”, reflete a ovarense.
O cenário mantém-se sem grandes expectativas por parte de Adelaide, pois acredita que tão cedo as festas e as feiras medievais não serão realizadas.
Para já, foca-se em manter as três padarias em atividade e confirma estar a preparar mais uma carrinha para vender em pontos de referência e nalgumas feiras que, com as restrições do Governo, vão funcionando a meio gás.
Uma previsão incerta
“Vou para a cama e levanto-me a pensar em estratégias para tentar manter este negócio”, desabafa. A gerente das Requinte tem sentido que Santa Maria da Feira é uma zona de risco para o comércio, nesta fase pandémica, mas apesar das dúvidas tenta preservar os espaços e as funcionárias.
Mesmo não esperando que as coisas melhorem rapidamente, Adelaide diz que vai manter-se fiel ao seu modelo de trabalho, que é aquele que os feirenses procuram no seu quotidiano. Porém, apostará em novas ideias “porque o cliente quer assim”.