Álcool, o catalisador de uma sociedade de risco

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Álcool, o catalisador de uma sociedade de risco

O consumo de álcool, o aumento das perturbações noturnas e a instauração do medo nas ruas. Este é um retrato de uma sociedade portuguesa, liberta das amarras da pandemia, cada vez mais violenta.

[Texto por Pedro Silva]

O consumo de bebidas destiladas, por adolescentes e jovens adultos, sempre foi preocupante na sociedade portuguesa. A vida noturna era de grande dimensão e magnitude, sendo alvo de atração turística todo o ano, principalmente durante o verão. Na rua era constante a diversidade e a mistura cultural. Portugueses, espanhóis, franceses e muito mais, brindavam à liberdade e à juventude, muitas vezes em demasia. Contudo, com o aparecimento do vírus da Covid-19, vários estabelecimentos tiveram obrigatoriamente de encerrar as suas portas. Diversos negócios acabaram por abrir falência, após sucessivas promessas de abertura que nunca se realizaram, até ao mês de outubro.

A chegada do dia 1 de outubro foi aguardada com grande expectativa, e não desiludiu. As ruas, de norte a sul de Portugal, encheram-se de vida, quase que numa miragem dos tempos de pré-pandemia. Na cidade do Porto, a noite preencheu-se de pessoas prontas para degustar um pouco da liberdade, da qual tinham tanta saudade. De facto, após sensivelmente 19 meses e dois confinamentos, estes jovens puderam retornar às suas rotinas, livres de qualquer restrição que os “prendeu”, nos últimos tempos. Os bares e discotecas tiveram afluências, que faziam lembrar anos longínquos à pandemia, mas sendo o consumo de bebidas alcoólicas muito mais desenfreado, quase que sem limites.

Segundo Rita Fonseca, psicóloga com especialização em adições químicas e comportamentais, este extravasamento de limites “provoca uma crescente onda de comportamentos de risco”. A violência acaba por tomar palco, partindo principalmente “de comportamentos que já são intrínsecos à pessoa, mas que acabam a serem trazidos à tona, quase de maneira irracional, por esta substância”, fazendo soar alarmes por todo o país.

Consumo abusivo de álcool

Em Portugal, o consumo de bebidas destiladas aumentou drasticamente nos jovens de 16 anos, nos quatro anos que antecederam a pandemia da Covid-19. A percentagem de jovens com idades inferiores aos 16 que já tiveram experiências com o consumo de álcool aumentou de 71% para 77%, de 2015 a 2019. De facto, em média, um jovem português inicia um consumo regular desta substância, com idade inferior aos 13 anos. O país destaca-se pela negativa, sendo detentor de uma das maiores médias de consumo jovem, na Europa, ficando apenas atrás da vizinha Espanha. Esta conclusão está presente no estudo “European School Survey Project on Alcohol and other Drugs”.

A pandemia veio a acalmar este aspeto preocupante. Tendo como base o Instituto Europeu para o Estudo dos Fatores de Risco em Crianças e Adolescentes, estudo realizado após o primeiro confinamento, 62,4% dos jovens inquiridos consideram que a pandemia e covid-19 contribuiu para a alteração de consumo deste tipo de substâncias, tendo 18,1% deixado completamente de beber. Este estudo contou com a participação de jovens portugueses, 25,8% de sexo masculino e 73.4 do sexo feminino, sendo 61,3% estudantes.

Este tipo de comportamento é aceitável e, muitas vezes promovido, levando à sua prática regular e intensiva. Atualmente, as universidades estão a assistir a um aumento de estudantes com doenças do foro mental, muito ligadas ao excesso de consumo deste tipo de substâncias. Assistimos cada vez mais uma sociedade que considera normais estes abusos de consumo, nas faixas mais jovens da população. “Cada vez mais existe uma normalização do consumo de álcool. Atualmente, durante saídas noturnas, é constante avistar algum jovem, muito longe dos 18 anos, num estado completamente lastimável”, sublinha a psicóloga.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o consumo excessivo de álcool pode causar graves problemas no desenvolvimento individual e social de um indivíduo. O seu consumo de forma excessiva causa diversos transtornos, tanto a nível físico como cognitivo. “Os efeitos negativos são imensos e muito variados. A nível físico existem as tais “ressacas”, caracterizadas por dores de cabeça extremas e náuseas”, reforça Rita Fonseca. Este é um problema que afeta todas as faixas etárias, mas mais evidente nos jovens.

Quanto mais precoce é a idade do seu consumo, maiores os riscos associados ao desenvolvimento cognitivo, que levam ao baixo desempenho escolar e dificuldades de aprendizagem, a ruturas entre grupos sociais, a perda de memória verbal e física, a incapacidade de controlar impulsos irracionais, sem pensar em consequências, que levam a aumento de casos de violência na noite.

Rita Fonseca

Atualmente, na vida noturna são visíveis ajuntamentos de jovens, onde o álcool é o elemento comum. Estes movimentos estão associados ao conceito de “Botellón”, que surgiu em 1980, nas ruas espanholas. Os jovens deixaram de ir com tanta frequência para bares e discotecas, trazendo a festa para a porta de casa. As ruas enchiam-se frequentemente de grupos, que consumiam todo o tipo de álcool e substâncias. Este tipo de mobilização acaba por incentivar o consumo de álcool, entre outras substâncias.

[Fotografia de André Rolo/Global Imagens]

Onda de violência

Agressões, violações sexuais, assassinatos, é esta a onda de violência que tem caracterizado a vida noturna portuguesa. O que foi possível constatar, durante as primeiras madrugadas de outubro, foi um abuso no consumo de álcool e de outras substâncias que levaram a uma crescente onda de violência. Segundo um relatório da Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia, Portugal é um dos países europeus com menor taxa de criminalidade e violência. Contudo, cada vez mais são criadas confusões durante uma saída noturna.

Segundo um estudo realizado no âmbito desta investigação, que contou com a participação de 72 jovens com idades a partir dos 13 anos, cerca de 60% afirmou que o consumo de álcool em excesso foi o catalisador de comportamentos próprios de violência.

Dados relativos a um estudo no âmbito desta investigação

Esta violência é fruto do consumo abusivo de bebidas “brancas”, 29 dos inquiridos referiram que consome este tipo de bebidas uma ou duas vezes por semana, sete referiram que ingerem três ou quatros vezes e, apenas dois referiram que consomem este tipo de bebidas mais de cinco vezes. Contudo, quase metade dos inquiridos referiram que não consumiram álcool nos últimos tempos.

Dados relativos a um estudo no âmbito desta investigação

Um dos exemplos destes atos grotescos ocorreu numa discoteca, em Albufeira. Um cliente sofreu graves agressões, por parte de um segurança do estabelecimento, ficando inanimado no chão. Para além deste caso, foram várias as denúncias de agressões e tentativas de violações a jovens, na cidade invicta. Esta escalada de violência e agressões culminou na morte de um jovem portuense, à porta de uma discoteca.

Deveria haver mais vigilância na noite, principalmente em cidades jovens como Porto e Lisboa, nem que seja para meter ordem nestes locais tumultuosos.

Rita Fonseca

Álcool como fator de risco

O álcool é o protagonista, nestas zonas de diversão, muitas das vezes levando a excessos e abusos, dos mais jovens. Uma correlação direta pode ser estabelecida entre o consumo desenfreado, a que assistimos atualmente e que teve um aumento exponencial após 19 meses de pandemia, e o aumento da violência e insegurança nas ruas portuguesas. Para combater esta epidemia, que afeta os jovens desde tenra idade, existiu um forte investimento em elementos de segurança, tanto na implementação de câmara de vigilância, como num reforço de patrulhas nas zonas, de diversão noturna, mais movimentadas.

O consumo de álcool, em tenra idade, cada vez é mais determinante do desenvolvimento individual, tanto a nível físico como mental. Contudo, e segundo Rita Fonseca, “não creio que o consumo de álcool em tenra idade leve a causas de dependência no futuro. A grande maioria dos casos de dependência, na faixa etária adulta, advém de problemas monetários e sociais.”. Os jovens bebem álcool com bastante regularidade, para serem aceites pelos seus pares, e pela comunidade em que se inserem, “mas posso admitir que um ou outro caso de consumo jovem, se torne em dependência na fase adulta, mas são casos muito raros.”, constatou Rita Fonseca.

A Direção-Geral de Saúde ditou as regras do jogo, na publicação da sua orientação 013/2021. O uso da máscara não é obrigatório para clientes, nos espaços de diversão noturna, sendo necessário apresentar à entrada o certificado de vacinação. Estas medidas ajudam a explicar a rápida lotação destes espaços, contribuindo para o clima de festa e de abusos, que se abatia por todas as cidades do país. Contudo, e face ao número exponencial de casos de Covid-19, foram implementadas novas regras de acesso a bares e discotecas. Estes estão obrigados a proibir a entrada a utilizadores, que não apresentem testes PCR ou antigénico negativos. No decorrer desta medida, a Associação de Discotecas Nacional alertou para as aglomerações e possíveis situações de violência, que se voltarão a fazer sentir, no decorrer das longas filas de acesso aos estabelecimentos noturnos.

Pedro Silva

Olá, sou o Pedro Silva, tenho 20 anos e sou estudante de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto. Sendo colaborador do #Infomedia, na editoria Geração Z, a escrita foi algo que sempre me fascinou desde tenra idade. Assim, vejo no jornalismo uma forma de desenvolver esta minha paixão, tornando-a na minha profissão.