Alimentar a Saúde: O Chef Estrela Michelin que cozinha para quem mais precisa

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Alimentar a Saúde: O Chef  Estrela Michelin que cozinha para quem mais precisa

[Texto de: Maria João Leal Pereira e Marta Bacelar]

Rui Silvestre e outros chefs conceituados, em Portugal, uniram-se para entregar refeições aos profissionais de saúde e a famílias carenciadas.

Rui Silvestre criou o projeto “Alimentar a Saúde”, em Março de 2020, durante a primeira vaga da pandemia causada pela doença Covid-19, em parceria com o Banco Alimentar e a Makro Portugal. A iniciativa consistiu em preparar refeições destinadas à equipa médica do Hospital de Faro e a famílias carenciadas, mas rapidamente se alargou a outros pontos do país e a mais grupos necessitados. 

Fotografia cedida pelo Chef | DR

Quando o Chef de 34 anos, detentor de uma Estrela Michelin no “Vistas”, em Vila Nova de Cacela, Algarve, percebeu que em breve teria de fechar o restaurante, pensou, olhando para a situação em países como Espanha e Itália, que em breve também em Portugal o desemprego iria trazer graves consequências. Sendo a esposa médica, e como tal próxima à realidade dos hospitais, começou a germinar o projeto de solidariedade. A atividade chegou a estender-se, também, até lares e associações.

O reconhecimento dos profissionais de saúde

Numa altura em que médicos e enfermeiros nem tempo de ir a casa tinham, o contributo de vários chefs da gastronomia portuguesa fez toda a diferença, não só a nível de ‘sustento’, mas também a nível emocional. Sara Sousa, enfermeira do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, revela que ao sair de turnos complicados, ter o que comer significou para ela “um apoio vindo de fora”, e por isso sentiu-se muitas vezes “acarinhada e menos sozinha”. De certa forma, o projeto contribuiu para reconfortar e agradecer aos profissionais de saúde.

Também, Diana Pereira, enfermeira do Centro Hospitalar do Médio Ave – Unidade de Santo Tirso, salienta que este ato de solidariedade “ficou marcado em toda a equipa pela mensagem subliminar presente”. No que diz respeito à higienização e consequente segurança das refeições distribuídas, sentiu-se segura porque a comida estava devidamente embalada, apesar de ter consciência de que “numa primeira fase, existia pouca informação relativamente aos meios onde o vírus poderia sobreviver”. Atualmente, o receio a refeições não confecionadas por si aumentou, ainda que esteja provado que o vírus não resiste à acidez no nosso suco gástrico do estômago, sendo a contaminação por via oral a que aparentemente oferece menos perigo.

Este foi, então, o primeiro projeto em Portugal a juntar chefs de cozinha, restauradores e hoteleiros, com o intuito de atingir um único objetivo – trabalhar em prol das comunidades em que cada um está inserido. O facto de ser uma iniciativa solidária, não alterou o método de trabalho do conceituado Chef Estrela Michelin. Garantiu, assim, que apesar de produzirem 400 refeições por dia, eram confecionadas sempre com produtos frescos e com a mesma dedicação e rigor de sempre. Foram entregues caldeiradas, massadas de peixe e arroz de frango, comidas que, segundo o algarvio, são “de conforto”. 

Viagem solidária Sul-Norte

O projeto atingiu rapidamente outros pontos do continente, como Porto, Lisboa, Santarém e Bragança. O Chef Vasco Coelho Santos do restaurante Euskalduna Studio que tem conquistado destaque a nível nacional e internacional, associou-se à iniciativa ‘Alimentar a Saúde’, expandindo assim a atividade até ao Porto. Mostrou-se, desde logo, sensibilizado pelo facto de a pandemia estar a afetar um elevado número de pessoas, e por isso quando foi contactado, não pensou duas vezes. “Tive todo o gosto em aderir. Esta pandemia está a afetar muita gente e é bom saber que conseguimos fazer a diferença”. Para o Chef do Porto, providenciar refeições a dois grupos tão distintos, como os médicos e as famílias carenciadas, fez a diferença, já que ambos necessitavam. Por isso, não ficou por aqui.

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Foto cedida pelo Chef | DR

Em junho, quando a iniciativa ‘Alimentar a Saúde’ terminou, organizou um novo projeto. Reuniu-se com outros chefs da cidade do Porto para apoiar os profissionais de saúde dos cuidados intensivos do Hospital S. João. Durante esse período as refeições foram planeadas pelos próprios chefs. O portuense reforçou a importância de refeições nutritivas e saudáveis que conseguissem ser o ‘sustento’ dos profissionais. Acrescentou ainda, relativamente ao projeto ‘Alimentar a Saúde’, que o impacto no Porto foi bastante positivo. Para o mestre do restaurante Euskalduna Studio o objetivo foi cumprido, já que ajudaram quem mais precisava. “Acho que havendo a possibilidade de ajudar, devemos fazê-lo”, conclui.

O mentor do ‘Alimentar a Saúde’ procurou um nome para dar ao movimento que fosse simples de memorizar e com palavras que chamassem a atenção, de forma a conseguirem angariar donativos suficientes para avançar com o projeto. Desde logo, entrou em contacto com a Makro Portugal por ser uma empresa com capacidade para oferecer quantidades suficientes, para dar resposta a todos os pedidos que lhe chegavam. O contacto com o Banco Alimentar surgiu na mesma altura porque o Chef considerou que a Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), tinha a logística necessária para distribuir as refeições.

Chegar a quem precisa através da Rede de Emergência Alimentar

Helena André, coordenadora do serviço de Instituições na ENTRAJUDA, explica que, fruto da pandemia covid-19, a Rede de Emergência Alimentar foi difundida para que fosse possível dar resposta ao crescente número de pedidos de apoio. Através da Rede de Emergência Alimentar chegaram, entre março e outubro, mais de 60 mil pessoas em relação às 380 mil apoiadas pelos 21 Bancos Alimentares de todo o país, antes da pandemia, através de 2.600 instituições sociais.

A Rede de Emergência Alimentar ficou responsável por vincular com as instituições o levantamento das refeições para entrega a pessoas carenciadas em Faro, Porto e Santarém. Foram entregues 14198 refeições. A coordenadora garante que “as pessoas que receberam as refeições ficaram gratas pelo apoio de que tanto necessitaram”.

Para além do Banco Alimentar, a Cruz Vermelha foi uma aliada no projeto solidário. Segundo o Chef, procuraram-no para disponibilizar as suas instalações, o que permitiu aumentar a produção. Reunidas as condições necessárias, Rui Silvestre conta que só no Algarve foram distribuídas cerca de 20.000 refeições solidárias, de março até à primeira semana de julho de 2020.

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Gráfico disponível em República Portuguesa: XXI Governo

De acordo com o site oficial da República Portuguesa: XXI Governo, o número de casos associados à covid-19, começou a aumentar em março, altura em que Rui Silvestre iniciou o projeto ‘Alimentar a Saúde’. Em julho, a curva de transmissão do novo coronavírus diminuiu e por isso os restaurantes puderam reabrir, o que acabou por coincidir com o término da iniciativa. 

Para além deste, ergueram-se outros projetos similares, durante o mesmo período. O grupo “Casa da Comida” – que geralmente presta apoio aos sem abrigo – comprometeu-se a entregar refeições a famílias carenciadas. Também, em Lisboa, a Associação Crescer distribuiu 200 refeições a pessoas que dormem na rua. Para além destes, os restaurantes Aruki, Chickinho, Grupo Non Basta, Home Sweet Sushi, Sushi@Home e The Burger Guy, juntaram-se para lançar a Food for Heroes, movimento que serviu para distribuir refeições gratuitas aos profissionais de saúde que estiveram na linha da frente, durante a primeira vaga, contra a pandemia causada pela covid-19. Quanto a isto, Rui Silvestre conclui que em Portugal, o bem-estar do próximo é importante e para ele, a solidariedade e entreajuda são “o mais positivo do ano louco de 2020”.