Histórias de Rua contadas pelos Artistas de Santa Catarina

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Histórias de Rua contadas pelos Artistas de Santa Catarina

Santa Catarina é uma das ruas históricas mais conhecidas do Porto. A verdade é que, quem por lá passa, não fica indiferente aos artistas de rua que, todos os dias, ali atuam ou expõem a sua arte. Com anos de experiência e trabalho, muitas são as histórias que marcaram a vida destes profissionais que criam verdadeiros espetáculos ao ar livre.

[Fotorreportagem de Ana Luísa Capelo, Inês Gonçalves e Maria João Pereira

────────── Patrícia Pereira , 34 anos ──────────

Para a acordeonista Patrícia Pereira, de 39 anos, atuar na rua “surge num contexto de trabalho”. Considera-se uma pessoa bastante criativa e muito ligada ao sonho, “acabei por pôr em prática algumas ideias de uma forma bastante qualitativa”. Vê a rua como “mais um palco”, que já pisa há 18 anos.

Enquanto se prepara para começar a tocar, conta que a rua faz parte da sua vida profissional. Patrícia diz que é “músico para toda a colher”, ou seja, tanto toca pelo Porto, como é convidada para fazer casamentos ou ir à televisão acompanhar outros artistas.

Apesar de até já ter um CD editado, para ela, tocar na rua é como “todos os outros trabalhos. Até hoje, não sei o que é não ser músico, ou não tocar aqui [na rua], ou a rua não fazer parte da minha vida, também profissional”.

Na sua ótica, este é um palco a céu aberto onde nada se repete. Quando é convidada para outras experiências, como por exemplo, uma peça de teatro, já sabe com o que pode contar, enquanto que, na rua “tudo é imprevisível.”

Atuação de Patrícia Pereira.

────────── André Carneiro, 28 anos ──────────

Com 28 anos, André Carneiro toca na rua desde os 18. Idealmente, gostaria de fazer dessa atividade o seu trabalho, mas “já não há muita música ao vivo aqui [Rua de Santa Catarina]”. É na rua que encontra a liberdade artística que tanto almeja. “Isto é uma maneira de dar um concerto todos os dias”, explica.

Ao longo dos anos, o artista foi guardando, numa caixa, algumas recordações oferecidas por pessoas que assistem às suas atuações. “Posso falar de histórias que envolvam dinheiro, mas acho que essas lembranças são o mais significativo.

“Mensagens, textos, até desenhos com algumas frases. Dizem para eu não desistir, que gostaram de me ouvir a cantar determinada música ou que apreciam a minha voz”.

Para André, o mais desafiante em cantar na rua é lidar com polícia. Afirma que, de certa forma, o que fazem “não é 100% legal”. Explica ainda que é vital existirem regras de convivência para que cada músico tenha o seu tempo de atuação e não estejam “todos a tocar ao mesmo tempo.

“Hallelujah” na voz de André Carneiro.

────────── Pedro Resende, 28 anos ──────────

Pedro Resende tem 28 anos e já toca na rua há uma década. Foi enquanto estudava na faculdade que descobriu a paixão pela música, confessa “vim tocar para a rua e nunca mais parei”.

Ao #infomedia o artista conta que a memória mais bonita que a rua lhe trouxe foi quando uma criança, com cerca de 5 anos de idade, fez uma birra até a mãe lhe dar uma moeda para colocar na caixa da guitarra de Pedro.

O menino colocou apenas 5 cêntimos, mas o cantor confessa que ainda tem “a moeda guardada em casa. Até hoje! E isto foi, para aí, há 8 anos, ainda nem tinha amplificador, tocava guitarra sentado no chão”.

Porém, nem tudo é um mar de rosas. Apesar do contentamento que sente por ter a liberdade de fazer aquilo que gosta , o jovem artista, confidencia que já lhe “disseram que não devia cantar, que tocava guitarra muito bem, mas que cantar não era para mim”.

Na Rua de Santa Catarina, Pedro Resende canta “Someone You Loved”, de Lewis Capaldi.

────────── Charlotte Akenhead, 39 anos ──────────

Charlotte é natural de Londres, Inglaterra. Primeiro esteve em Espanha, na Galiza e em Santiago de Compostela, mas foi no Porto que se estabeleceu.

Diz ter ficado desde logo encantada pela quantidade de artistas que viu a atuar nas ruas da invicta. Antes da pandemia, costumava cantar junto à Sé Catedral, agora, a Rua de Santa Catarina é o seu palco.

Atualmente faz parte do coro da Igreja da Lapa e estuda no Conservatório da Voz, no Porto, acredita que esse curso dar-lhe-á “acesso a escolas de ópera por todo o mundo”. Afirma-se como sendo apenas uma artista a tentar encontrar uma forma de fazer dinheiro para sustentar a sua paixão.

Uma das suas memórias mais marcantes enquanto artista de rua remete ao falecimento da sua avó que, três dias antes de falecer, ficou completamente cega. Em modo de despedida, Charlotte cantou para ela a música “Looks Eternal“.

Quando estava a chegar à nota mais alta da música, em que a letra é “I had a voice from heaven“, a sua avó abriu os olhos e, apesar de não conseguir ver, encarou-a enquanto cantava.

Mais tarde, quando cantou essa música na rua, ela teve o mesmo impacto para alguém que a estava a ouvir. Segundo Charlotte, foi muito difícil conter as lágrimas, “é complicado, enquanto cantora, controlar emoções”.

Porém, isso é algo que, ao longo dos anos, a foi fortalecendo. Com o apoio do seu namorado, recompôs-se e cantou o “Ave Maria”.

Desde aí, nunca mais ponderou desistir.

Charlotte Akenhead interpreta “Ave Maria”.

────────── Miguel Pestana, 19 anos ──────────

Miguel Pestana é um jovem artista de 19 anos. Começou a expor os seus desenhos na rua em 2014, quando tinha apenas 12 anos. Entretanto arranjou emprego numa fábrica e deixou de ter tempo para afixar as suas obras.

Quando se viu forçado a deixar esse trabalho, tomou a decisão de voltar a mostrar a sua arte, “sempre gostei de desenhar e como era uma coisa que eu fazia desde novo, resolvi trazer [os desenhos] outra vez para cá.”

Uma das maiores dificuldades com que os artistas de rua se deparam é a ausência de licenças, quer para atuar ou para expor o seu trabalho. O artista referiu que já foi expulso de locais onde afixa os seus desenhos, “já me escorraçaram porque estava numa loja fechada, mas eu compreendo!”

Para além dos seus desenhos, a maioria inspirados em músicos conhecidos, nomeadamente cantores de Hip-Hop, o jovem aceita também encomendas  de desenhos originais e impressões.

Revela que é bastante recompensador quando as pessoas compram o seu trabalho. Nos dias em que está lá “sem vender nada, é que se torna um pouco deprimente”.