Artur Costa: “Antes conhecia os meus vizinhos de ponta a ponta. Agora não conheço a maior parte.”

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Artur Costa: “Antes conhecia os meus vizinhos de ponta a ponta. Agora não conheço a maior parte.”

| Texto de Diana Morais Ferreira e Henrique Silva |

Sentados no café Astro, do outro lado da estação de Campanha, alinhavávamos os últimos pontos para a entrevista. Pouco depois das duas da tarde, fomos em direção ao Espaço Mira. Decorria o mês de Maio mas o calor era de Verão. Foi no pátio do Mira que encontramos Artur Costa. Por baixo do sol abrasador, sentamo-nos em frente ao senhor para uma conversa, que se avizinhava, cheia de sabedoria. Montamos o tripé, colocamos a camara a gravar e o gravador a correr. No início, o senhor que se encontrava à nossa frente era sisudo. Mas ao longo da conversa, foi-se revelando muito simpático.

Apaixonado pelo teatro e orgulhosamente morador de Campanhã, Artur relembra o que foi a sua vida até aos 85 anos. Nasceu em Campanhã, na rua de Miraflor, onde viveu e construiu toda a sua vida sem nunca pensar mudar-se para um outro lugar. A felicidade de Artur constrói-se dia após dia e na relação com a sua família. Cresceu entre Miraflor, de onde eram naturais os familiares paternos, e Noêda, onde residia a família da parte da mãe. Artur é viúvo há 20 anos, tem dois filhos, cinco netos e quatro bisnetos.

“A minha falecida mulher morava também aqui em Miraflor. Portanto, namoramos, casamos e ficamos sempre aqui em Campanhã, nomeadamente em Miraflor.”

Artur Costa

Um dos filhos também reside em Miraflor, assim como outros familiares, na mesma ilha que Artur, que já lá vive há cerca de 60 anos. O outro acabou por rumar ao outro lado do rio e vive em Vila Nova de Gaia.

Artur Costa explica o que são as ilhas de Campanhã e conta como é viver nelas.

Neste ponto da conversa, a tarde já ia a meio e o calor temia em permanecer. O senhor Artur, estava sentado no único cantinho do pátio em que fazia sombra, foi aqui que nos contou que se considera “um analfabeto” no que toca à escolaridade, mas conhecimento não lhe falta. Tem apenas a 4ª classe, como lhe chamavam na altura, feita no ano de 1946 na Rua de Pinto Bessa. Numa época em que a miséria era muita, a maior preocupação dos pais não se prendia com os estudos e a formação dos filhos, o importante era que estes fossem trabalhar o mais cedo possível, que foi o que aconteceu com Artur. Uma escola rígida e que se fazia sobre a base respeito, de parte a parte

“Não é como hoje que as crianças chegam a casa e dizem “o professor bateu-me.” E logo estão lá 50 pessoas para bater no professor. E eu não, eu chegava a casa e dizia que o professor me bateu, ainda levava mais. Se ele te bateu é porque fizeste alguma coisa, alguma coisa está errada.”

Artur Costa

Saiu da escola ainda uma criança e foi aí que se começou a dedicar ao trabalho. Durante 30 anos trabalhou num armazém de produtos alimentares, trabalho esse, duro, de cargas e descargas. Campanhã era uma zona de importação, onde os produtos eram despachados através da via-férrea, assim como o porto de Leixões, onde o processo era feito por barco.

Artur Costa relembra como era duro o trabalho que tinha.

Orgulhoso morador de Campanhã, entre risos e alguma nostalgia conta que sente saudades da mocidade e das pessoas com quem viveu. Conhece Campanhã como as suas mãos e para si esta é tudo de bom. Relembra os tempos em que as crianças e os jovens saíam à rua para brincar. Com um brilho nos olhos conta-nos que entre a refeição e o deitar, a rua era o local onde se divertiam. Continuava sentado na mesma cadeira, sempre muito quieto, com as mãos interlaçadas uma na outra mas os olhos iam mudando de expressão. Com o rosto entusiasmado relembrou as brincadeiras que tinha: jogavam futebol, o tal futebol de rua, jogavam às escondidas, ao eixo e a um sem fim de coisas. No entanto, as horas eram contadas, havia que respeitar a disciplina e as regras dos pais.

“Só que havia depois a disciplina, os pais diziam “às xis horas quero-te aqui” e era sagrado.”

Artur Costa

Ressalta que o ambiente e as modificações pelas quais a zona passou, são os principais motivos do seu orgulho. Assim como a Associação dos Malmequeres de Noêda, que em tempos foram como uma segunda família para Artur.  

A época em que a associação festejava aniversários e realizava festivais de folclore no largo da estação deixam saudade. Agora os maiores desejos que tem em relação a Campanhã é que esta seja conhecida a nível nacional com a nova estação do intermodal.

Com uma voz firme, marcada já pelo tempo, pela vida e pelas histórias, diz-nos ser um homem de palavra, considerada para si uma das maiores qualidades do Homem. Para este o significado de amigo vai muito além da palavra: “amigo é realmente aqueles quando a gente precisa estão ali na primeira linha ajudar-nos, isso é que é o verdadeiro amigo”, acrescenta, e ainda ressalva que fez muitos amigos em Campanhã. Infelizmente todos esses amigos já não fazem parte da sua vida, e é num misto de emoções que os recorda a todos. Admite que muitas vezes ainda os consegue imaginar tal e qual como eram e que o sentimento é inexplicável.

“Às vezes estou na solidão, na minha solidão e começo a pensar no que era o antigamente e vejo as pessoas conforme eu estivesse hoje a vê-las. Mas é como eu digo, aqueles vizinhos antigos, desapareceram, nunca mais os vi.”

Artur Costa

Foi com Os Malmequeres de Noêda que conheceu o teatro e que se apaixonou. Já quase no final da nosso encontro, abriu um saco de plástico branco que trazia consigo. Dentro deste estava um pequeno grande tesouro: fotografias, documentos, panfletos e mais fotografias de todos os anos em que esteve presente no teatro. Contou que após algum tempo de fazer teatro, assumiu essa secção, e conta com orgulho que durante cerca de 30 anos levaram o teatro a vários lugares da zona norte. Entre as muitas peças de teatro que realizou, existiram duas, em particular, que o marcaram: “As Duas Causas” e “Quando o Mar Galgou a Terra”. Tiveram um marco importância na sua vida por terem sido peças muito densas. Em “Quando o Mar Galgou a Terra” Artur era o único protagonista.

Folha de apresentação da peça de teatro “Quando o Mar Galgou a Terra”

Já lá vão os tempos em que conhecia os seus vizinhos de uma ponta a outra, hoje a maior parte deles estão lá apenas de passagem. Mas a memória ficou, as lembranças daquelas ruas e de todas as pessoas que se cruzaram nelas, está bem guardada. E que bom é ainda recordar!