Artur Costa, sócio n.º 1: “Dediquei-me de alma e coração à Associação Recreativa os Malmequeres de Noêda”
- Gonçalo Azevedo
- 21/06/2022
- Atualidade Portugal Sem categoria
A Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda é um dos locais emblemáticos da freguesia de Campanhã. Artur Costa dá a perspetiva, em primeira pessoa, de alguém que viveu os acontecimentos mais marcantes passados pela associação.
[Reportagem de Inês Santos e Gonçalo Azevedo]
Artur Costa chega à Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda passados poucos minutos das três da tarde do dia 13 de maio. Nervoso, tira o casaco e senta-se à frente dos troféus ganhos pela coletividade. Com um sorriso, Artur confirma estar pronto para começar a entrevista.
Artur é, atualmente, o sócio mais antigo da Associação. Está lá desde o início e até hoje se mantém. A ligação com os Malmequeres é tão forte, que garante não saber se “é a primeira se é a segunda família, porque eu dediquei-me de alma e coração aos Malmequeres.” Apesar de viver em Miraflor, quando era jovem ia muitas vezes a Noêda, com permissão da mãe, fazer recados à avô todos os dias, e aí então familiarizou-se com “as crianças e os jovens da minha idade”. Em 1987, foi presidente da coletividade e cessou todas as suas funções em 2003. Com um olhar saudoso e um sorriso tímido, Artur fala-nos das memórias que tem da Associação.
A Associação Recreativa os Malmequeres de Noêda foi fundada a 25 de julho de 1952 por Arnaldo Martins Monteiro, que reuniu rapazes e raparigas da zona com o objetivo de fazerem o São João de Noêda. A direção do grupo estava a cargo de quatro elementos: Arnaldo Martins Monteiro – fundador e presidente; David Vilaça – Primeiro secretário; Fernando Martins – Segundo Secretário; António Ferreira da Silva – Tesoureiro. Nesse ano, a associação foi apadrinhada de Grupo de Rapazes e Raparigas os Malmequeres de Noêda.
Na altura, a associação não tinha sede, andavam de “porta em porta, taberna em taberna” recorda Artur Costa. Entre tabernas na Rua do Freixo e na Rua do Heroísmo e a casa do presidente Arnaldo, quando a seriedade dos assuntos assim exigia, as reuniões eram realizadas todos os dias e discutiam sobretudo assuntos relacionados com a associação.
As atividades culturais na Associação
Em 1953 e 1954 o grupo decidiu participar nas rusgas, hoje marchas de São João, obtendo o 3º e 6º lugar respetivamente. Estas eram projetadas e planeadas pelo Jornal “Diário do Norte” todos os anos. No ano seguinte, em 1955, os sócios decidiram criar um grupo de rancho folclórico e de teatro e, assim surgiu o Grupo Dramático e Folclórico os Malmequeres de Noêda composto por sócios e familiares.
O rancho teve um grande crescimento. A associação teve a presença de Pedro Homem de Melo, um dos exponentes do folclore em Portugal. Na altura, o folclorista fez um discurso onde afirmava que “os Malmequeres tinham dois ou três dançarinos dos mais prestigiados do país”, o que deixou toda a gente da associação radiante. Os ensaios eram divididos entre a eira do Moutinho e as garagens dos senhores Laurentino e Mustafá Ferreira Cardoso. Nesse ano deixaram de participar nas marchas de São João e dedicaram-se apenas a trabalhar no grupo folclórico. O rancho “vivia de duas famílias” o que, por si só, já formava um rancho completo. Com o passar do tempo os filhos que constituíam o rancho “foram crescendo, tomando as suas opções, desistiram” desabafa. Mais tarde, a década de 90 trouxe alterações às atividades culturais dos Malmequeres. Através de uma grande nuvem de juventude, surgiu o rancho infantil. Mais tarde, este também foi extinto. Essa onda também trouxe uma nova atividade cultural, a dança. Nasceu o grupo As Estrelinhas formado pelas filhas dos sócios.
Embora Artur esteja na associação desde o início, o rancho nunca foi a sua vocação. “No rancho era um perna de pau, eu hoje se andasse nos ensaios não percebia nada da poda. Na questão do teatro, dei um jeitinho!”, brinca.
Para obterem um maior reconhecimento o grupo decidiu ensaiar e realizar a Revista “Isto assim é que é” de Josué Lopes de Sousa. Os ensaios decorriam no Largo de Noêda. Em março começaram a realizar espetáculos em público, sendo o primeiro no Salão de Festas da Associação Nun’Álvares de Campanhã.
Os Malmequeres ainda não tinham encontrado uma sede fixa e, em 1956 por intermédio da Federação das Coletividades do Porto encontraram a sua primeira sede, um salão na Associação dos Empregados do Comércio na Rua de Santo Ildefonso “cederam lá o salão e a gente fazia os ensaios do teatro e do folclore” clarifica o ex-presidente.
Artur era um participante ativo do teatro. Em 1957 um dos ensaiadores faleceu e, como era o mais velho assumiu o controlo. Durante vários anos foi, o agora octogenário, que ficou responsável pela secção. Artur participou em várias peças de teatro mas confessa que se, eventualmente, essa atividade regressar apenas poderia ficar “na retaguarda, os conhecimentos que eu tinha já estão ultrapassados, era dar o meu apoio”. A secção de teatro viajou por vários locais da zona norte. Esta atividade cultural findou em 2003.
Entre memórias e comentários à atualidade da associação Artur fala sobre as ajudas que a esta deu às pessoas que dela faziam parte. A educação é o ponto principal. Fala de si, e do seu trabalho para nos explicar. Com a participação ativa no teatro as vantagens para a sua vida foram muitas “o arcabouço que os Malmequeres me deu, nomeadamente o teatro. Porque eu quando entrei para aquele trabalho, já ia devidamente preparado para todas as linguagens que aparecessem. Linguagem de teatro.”
Os Malmequeres educaram muita gente, porque vinham para cá os miúdos de pequeninos, uns andavam no rancho, outros andavam no folclore, no teatro e seguiram aquela linha.
Artur Costa
Estas coletividades eram minuciosamente controladas na altura do Estado Novo. Em 1961 “tivemos que realmente tomar uma decisão” e depois da aprovação dos seus estatutos passaram a ser oficialmente uma associação. Nesse mesmo ano passou a chamar-se Associação Recreativa Os Malmequeres de Noêda. De sede em sede, os Malmequeres rumaram a uma pequena ilha na zona de Noêda. Com o crescimento da associação e com “mais um bocado de pujança, fomos lá para baixo para a rua do Freixo” brinca Artur. Dois anos depois, em 1963, alugaram a sede que ainda hoje é a sua casa, há mais de 59 anos. O novo e definitivo espaço na Travessa de Miraflor nº 17 era “um armazém muito degradado (…) nós não tínhamos nada, eram paredes muito escuras”.
Hoje podem ver é uma casa que a nível de associação é digna de ser vista.
Artur Costa
Para conseguirem angariar dinheiro para investir nas instalações a associação realizava bailes, embora na altura fossem proibidos. Com o apoio dos vizinhos e um fechar de olhos da polícia “todos os domingos a gente dava aqui uns bailes” e acrescenta “os bailes familiares eram uma coisa grandiosa”. A associação era frequentada maioritariamente por homens, mas nas noites de bailes as mulheres eram o centro das atenções uma vez que “sem mulheres não havia bailes”.
“Nós festejávamos os aniversários da coletividade com pompa e circunstância”
Na altura, a associação só tinha licença para realizar poucas festividades por ano. Uma das comemorações mais aguardadas era o aniversário da coletividade. Esse dia era repleto de atividades para todos os sócios. O dia começava com “uma romagem aos cemitérios da freguesia onde ia ser depositado uma coroa de flores em homenagem aos sócios falecidos” conta. Depois cumpriam com o programa havia “fados, teatro, dança, folclore” e havia palestras. Várias coletividades eram convidadas e todas levavam os seus estandartes e “nós púnhamos uma fita em cada estandarte alusivo às comemorações”, completa. Havia ainda um jogo entre solteiros e casados e, para finalizar o dia, existia um almoço de confraternização.
Com um sorriso no rosto, Artur relembra a festividade dos Malmequeres que mais guarda. Os 50 anos. Celebradas em 2002, as bodas de ouro da associação contaram com a presença de várias figuras políticas de Campanhã, bem como com a presença de Fernando Gomes, Presidente da Câmara do Porto. Artur reforça ainda que “o auxilio que eles nos deram tem de ficar vincado”. “Nós festejávamos os aniversários da coletividade com pompa e circunstância” é assim que Artur descreve as comemorações das festividades que mobilizavam todos os associados e que mais o marcaram.
No final do ano existia sempre a distribuição de brinquedos aos filhos dos associados. Artur, com um olhar saudoso, recorda o tempo em que se vestia de Pai Natal nessa festividade, “vestia-me de Pai Natal, com as barbas branquinhas, os miúdos ficavam todos contentes” e continua “julgavam que iam encontrar o Pai Natal e era eu a distribuir os brinquedos à associação”.
A sede da associação era também palco de cerimônias de outras coletividades. Em Campanhã existia um grupo que não tinha sede e, recorriam aos Malmequeres “para todos os anos vir cá vestir as crianças”. A associação cedia-lhes o salão e a cerimónia era lá realizada.
A atualidade da Associação Recreativa os Malmequeres de Noêda
Artur já não frequenta a associação com tanta regularidade. Apenas reserva as tardes de fim-de semana para visitar a associação e jogar às cartas.
Atualmente a associação é dirigida por Filipe Lourenço. O desinteresse dos jovens pelas associações fez com que as atividades culturais da associação recreativa sofressem drásticas mudanças. Hoje em dia só existe um grupo de dança, as MK Dance. A associação tem vindo a passar por dificuldades. O número de associados tem vindo a diminuir e o dinheiro das quotas não tem chegado para suportar todas as despesas. Ao sábado a associação tem noites de karaoke – para sócios e para não sócios – o que atrai maior movimento e contraria os dias mais parados durante a semana.
A coletividade passou por bons e maus momentos. Felizmente agora parece que entrou numa onda de acalmia e espero que continue.
Artur Costa
Sou o Gonçalo Azevedo, tenho 23 anos e sou apaixonado pelo desporto e pelo mundo do jornalismo. Sou colaborador na editoria de Desporto na plataforma #infomedia.