Viver no Bairro: “As pessoas tentam tirar uma má opinião de nós, por sermos de um bairro.”

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Viver no Bairro: “As pessoas tentam tirar uma má opinião de nós, por sermos de um bairro.”

[Reportagem de Inês Gonçalves e Maria João Pereira]

Os bairros sociais são resultantes da separação existente dentro das cidades: de um lado as classes mais favorecidas e por outro lado, as pessoas mais carenciadas. Como será viver num bairro? E como a comunidade se entreajuda?

Daniela Braga tem 22 anos e é nascida e criada no Bairro do Viso. Ainda hoje é aqui moradora e o seu percurso escolar passou pelas Escolas da zona. Atualmente estuda no ISLA – Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia – no último ano da licenciatura de Gestão de Empresas no qual completou também o curso técnico superior profissional de Contabilidade e Gestão.


Daniela Braga | Fotografia de Maria João Pereira

Sendo a última filha de três filhos, Daniela contou que “desde pequenina lembro-me do meu pai me dizer que eu tenho de ser melhor que os meus irmãos, que tinha de estudar, que tinha de ter boas notas”. Sente que foi a pressão que os pais colocaram sobre ela que fez com que decidisse “estudar e aproveitar todas as oportunidades”. Confessa que como é órfã recebe uma pensão mas se “pagasse a minha propina toda não tinha o que comer”. 

Um dos seus irmãos, foi “um suporte muito importante para mim, dividimos um bocadinho os rendimentos que nós tínhamos e fizemos o esforço para eu fazer faculdade”, além disso a estudante conseguiu obter um estágio profissional na sua instituição de ensino o que lhe permitiu terminar a licenciatura.

Frequentou a Escola EB 2 / 3 do Viso do 5º ao 9º ano , e conta que a escola sempre forneceu apoios desde a nível de “alimentação ou caso não tivéssemos com quem ficar” Mas referente aos estudos, revela que a escola prestava imenso auxílio aos seus alunos “ Tínhamos apoios gratuitos para nos ajudar a ultrapassar as dificuldades na escola, nos nossos anos”.  Os próprios professores detinham um papel fundamental no percurso destes jovens “sempre nos incutiram muito o facto de termos de estudar e de termos de ser alguém na vida. Tínhamos sempre aquele discurso de termos de estudar para termos bons empregos, boa estabilidade económica, para terem uma vida diferente, por exemplo, como os meus pais tinham neste caso”. 


Iara Duarte | Fotografia de Maria João Pereira

Iara Duarte tem 21 anos e apesar de nunca ter vivido nem no bairro do Viso, nem no bairro de Ramalde, foi lá que andou no infantário, na escola primária e posteriormente no básico. No momento presente esta a acabar a licenciatura em Saúde do Ambiente na Escola de Superior de Saúde na Universidade do Porto.

A estudante contou que os seus pais optaram por escolher o infantário, a primária e a básica no Viso, uma vez que parte da família da mãe da jovem reside no bairro. Para a Iara, os professores foram parte fundamental para os alunos não sentirem qualquer tipo de descriminação por serem alunos de bairro.

Para os alunos o acesso a uma educação inclusiva de qualidade e equitativa foi parte fundamental para que lhes tenha sido possível ingressar no ensino superior, daí estar associado ao objetivo do desenvolvimento sustentável número 4:

  • Garantir que todas as meninas e meninos completam o ensino primário e secundário que deve ser de acesso livre, equitativo e de qualidade, e que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes.
  • Assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis, incluindo à universidade.

“os professores ajudavam-nos bastante e não era sequer mencionado o facto de seremos do bairro. Motivavam-nos ao máximo para seremos melhores e claro para termos um bom futuro”.

Apesar de que por parte dos professores da escola não sentir qualquer tipo de preconceito ou descriminação, as pessoas de fora muitas vezes é que os tratavam de maneira diferente.

Quando ingressou no ensino secundário e teve de deixar a escola do Viso para trás, Iara contou que “Não senti qualquer julgamento quer por parte dos meus colegas de turma quer por parte de professores. Houveram alguns comentários, sim, de ter andado em escola de bairro mas não foi criticar nem nada, foi mais na brincadeira”.

A estudante de saúde ambiental referiu ainda que ainda existem vários preconceitos relacionados a pessoas que vêm de um bairro.

Bruno Rodrigues | Imagem cedida pelo entrevistado

Bruno Rodrigues tem 21 anos e atualmente vive maioritariamente em Aveiro na residência da sua Universidade na qual esta a tirar o curso de Física, no entanto, todos os fins-de-semana regressa à sua casa no bairro do viso.

Contou que nunca teve nenhum problema pelo facto de crescer num bairro “eu nunca tive nenhum problema em estudar numa escola de bairro até porque eu era de bairro”. Para o estudante, os professores assim que percebiam que os alunos tinham interesse em aprender, sentia que “eles viam aquilo quase como uma oportunidade, uma esperança porque eu acho que no fundo eles tentavam ajudar qualquer criança”.

Bruno sente que toda a gente se acaba por conhecer e “de facto as pessoas ajudam-se imenso aqui”. Da sua experiência, contou que pelas famílias se relacionarem de certo modo acabam sempre por se entreajudar “por exemplo quando a roupa deixa de servir a uma criança e ainda está boa as pessoas dão a quem precisa”.

Relativamente à sua família, o Jovem conta que como tem os pais separados e sentiu mais apoio pela parte do pai referindo que pela parte da mãe “é quase como se fosse indiferente”.

“Eu não tenho ninguém na minha família, pelo menos na linha direta, que tenha ido para o ensino superior e eu ter sido o primeiro a ir para o ensino superior foi visto de maneira diferente”

Quando foi para o secundário , expôs que assim que dizia onde tinha estudado e de onde vinha, os seus colegas “faziam uma cara feia ou ficavam meios reticentes, de pé atras” mas assim que o conheciam percebiam que “eu não correspondia ao estereótipo que elas tinham e também ajudei
um bocado a quebrar essa ideia”.

“As pessoas de bairro estão associadas a pertencerem a um
grupo socioeconómico inferior, sendo que isso é visto como algo mau”

Reduzir as desigualdades sociais que existe dentro das cidades é crucial para que a sociedade pare de criar estigmas associados a pessoas de grupos socioeconómicos inferiores e para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades, associado ao ODS 10:

  • Empoderar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, género, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição económica ou outra.
  • Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive através da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito.

“A sociedade associa as pessoas de bairro a ser pessoas que partem logo para a
violência”


O bairro de Ramalde e o bairro do Viso situam-se na cidade do Porto, na freguesia de Ramalde. Inicialmente, estes eram considerados “ilhas”, um tipo de alojamento bastante precário, onde habitava essencialmente a classe operária cujo o poder de compra era bastante reduzido.

Segundo os censos de 2011, habitam na freguesia de Ramalde cerca de 38012 pessoas. De acordo com a Junta de Freguesia de Ramalde, “cerca de 21% da população reside em bairros sociais municipais ou do IHRU e que foram concebidos mais como espaços habitacionais, do que como conjuntos residenciais.”.

Mini Mercado Luísa

Mini Mercado Luísa | Fotografia de Maria João Pereira

Na rua de Ramalde do Meio, situa-se o Mini Mercado Luísa conhecido por todos aqueles que são habitantes da região de Ramalde. Este Mini Mercado existe há 11 anos e a sua dona é Luísa Teixeira.

Luísa é uma enorme ajuda para a comunidade uma vez que o “O volume dos compradores é mais em fiado”. A vendedora, nascida também em Ramalde acredita na boa vontade das pessoas que vivem na sua zona e por esse mesmo motivo, deixa que efetuem o pagamento assim que tenham possibilidade de o fazer.

O objetivo do desenvolvimento sustentável número dois é fulcral para a população uma vez que o seu propósito é erradicar a fome e seja possível todos terem acesso a uma alimentação de qualidade.

  • Acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os mais pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a uma alimentação de qualidade, nutritiva e suficiente durante todo o ano.
  •  Acabar com todas as formas de malnutrição, incluindo atingir, até 2025, as metas acordadas internacionalmente sobre nanismo e caquexia em crianças menores de cinco anos, e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas e lactantes e pessoas idosas.

Os seus clientes na sua grande maioria são pessoas com família com dificuldades em colocar comida na mesa. Mães muitas vezes desesperadas que recorrem à ajuda da comerciante.

“a necessidade assim às vezes os obriga. Há também quem tenha cara de pau. Pede e depois diz que vem pagar amanhã ou depois. Mas em princípio é porque me conhecem e sabem que eu só não ajudo se eu realmente não puder. Quando se sentem mesmo aflitas sabem é por esse caminho que tem de ir”

No que estiver ao seu alcance, a comerciante tenta ajudar todos ao seu redor na medida em que lhe é possível, e não fica apenas por deixar que levem produtos do seu mercado com a possibilidade de realizarem o pagamento mais tarde. Luísa contou que “eu tenho o cartão da worten e naquilo que me é possível eu vou com elas comprar por exemplo um fogão que avariou e depois não têm como fazer sopa para as crianças, percebes? Eu vou com elas, compramos e elas dão me um bocadinho por mês”

Luísa relatou também a história de uma senhora que se mudou para o bairro à relativamente pouco tempo “Eu ajudei-a sempre e ajudo sempre no que puder. Até para lhe pagar contas porque as assistentes sociais arranjaram-lhe casa e deixaram-na ao critério dela. Deixaram-na à sorte dela. Ela recebe parece que são 130€ de rendimento mínimo e às vezes precisa da minha ajuda para comer. Para pagar contas.”

Durante a pandemia a vendedora não sentiu grande diferença e as vendas não se alteraram, no então referiu que as pessoas não foram tanto às grandes superfícies mas “Mas em questões da minha ajuda não, foi exatamente igual. Quem gastava daqui fiado continua a fazê-lo.”

“Como se senta ao saber que se não fosse a sua ajuda muitas famílias não tinham o que comer?”

Fotografia de Maria João Pereira

À conversa com uma habitante do bairro de Ramalde que preferiu não revelar a sua identidade, deparamo-nos com um grande leque de dificuldades que esta enfrenta no seu dia a dia.

“Tenho 72 anos e muitas vezes não tenho dinheiro para conseguir fazer uma refeição em condições.”

A moradora assume ainda que é no mini mercado da Luísa que costuma ir fazer as suas compras uma vez que a dona da mercearia a coloca à vontade para levar o necessário e pagar quando o conseguir fazer. Recebe apenas 130€ de reforma e, apesar de o valor da renda ser um valor simbólico, ao ter de pagar a alimentação, contas da casa como a água, luz, e ser ainda uma doente cardíaca no qual se vê obrigada a gastar um valor considerável em medicação para que possa viver.

“Se não fosse a dona Luísa eu não tinha o que comer. Só recebo 130€ por mês e gasto em média 70€ só em medicamentos. Ela ajuda-me muito!”

Viver no limiar da pobreza como é o caso desta moradora do Bairro de Ramalde, impossibilita-a de ter um vida estável daí a importância do ODS 1:

  • Erradicar a pobreza extrema em todos os lugares, atualmente medida como pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia.
  • Reduzir pelo menos para metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.
  • Erradicar a pobreza extrema em todos os lugares, atualmente medida como pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia.
  • Reduzir pelo menos para metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais.