Assédio Moral no Trabalho: “Chegava a casa e chorava”

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Assédio Moral no Trabalho: “Chegava a casa e chorava”

Gritos, humilhação e comportamentos violentos: este é o ambiente que Inês Costa relata ter vivido no emprego. A jovem teve duas profissões onde se sentiu vítima de assédio moral, no entanto, nunca denunciou por achar que não seriam tomadas medidas pelas autoridades competentes.

Em dois dos quatro empregos que teve, Inês Costa considera ter sido alvo de assédio moral, devido a comentários insultuosos, atribuição de tarefas que não faziam parte do seu cargo, desvalorização do trabalho e atitudes agressivas, por parte dos patrões.

O gosto pela independência já levou esta jovem a trabalhar como ajudante de cabeleireiro, empregada de mesa de um restaurante e de uma confeitaria, e ainda enquanto empregada doméstica. Mas foi na profissão de empregada de mesa que se sentiu “bastante rebaixada”. No restaurante e na confeitaria, os erros cometidos eram, na sua perspetiva, “normais” para uma jovem de 20 anos. Inês Costa é natural da Maia e atualmente frequenta o segundo ano do curso de Ciências Biomédicas, na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. 

Em 2018, a Inspeção-Geral de Finanças recebeu 62 alegadas queixas de assédio moral por parte de funcionários públicos. Destas 62, 38 foram realizadas por mulheres, 21 por homens e três por pessoas anónimas ou por englobar ambos os géneros. Já em 2017, este problema tinha atingido 16,5% da população ativa portuguesa. O estudo desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, diz-nos que 16,7% das mulheres e 15,9% dos homens já sofreram de assédio moral pelo menos uma vez na vida. Ou seja, nestes dois anos, as alegadas queixas foram realizadas maioritariamente por mulheres.

Quando trabalhava no restaurante, Inês era insultada diretamente pela patroa, que a caracterizava como “burra” e “calhau”. Para além disso, duvidava das capacidades de trabalho da estudante,  acusando-a de não saber fazer nada.

“Deixar cair um pacote de arroz já era motivo de escândalo”, denuncia, com o olhar direcionado ao chão. Quando cometia um destes erros, a chefe gritava com a funcionária perante os clientes e destruía objetos, chegando até a partir uma “garrafa de vidro”.

“Começava a berrar comigo, atirava objetos ao chão ou batia em cima da mesa de bancada”, recorda.

Esta forma de violência psicológica foi ganhando outros contornos. Um dos exemplos dados pela vítima foi um pagamento realizado por esta que, segundo ela, clientes alcoolizados reclamaram não estar certo. Inês, nunca tendo dado motivos de desconfiança, foi reprimida pela patroa, sem possibilidade de se defender. A chefe acreditou no cliente, sem hesitar, e no final, percebeu-se que quem tinha razão era a funcionária. “Duvidou do meu trabalho, do que tinha feito e que tinha a certeza que estava correto”.

A par disto, existiam ainda algumas regras relativamente ao vestuário. A jovem não podia usar decotes sem ser alvo de crítica, de acordo com ela, era acusada de querer “dar nas vistas”.   

Chegou a mostrar o seu descontentamento à patroa, ao dizer que esta não tinha o “direito de falar assim”, porque apesar de tudo eram “colegas de trabalho”. Porém, nada mudou. Mantinha forças para se deslocar ao restaurante, pelo gosto de “ter o dinheiro na carteira” e por ter uma amiga que trabalhava consigo, alvo do mesmo tratamento. Quando a colega se despediu, Inês fez o mesmo passado uma semana.

Na confeitaria, o assédio era “mais contido”, contudo, nunca se sentia suficiente. O clima de intimidação e de humilhação ocorria de forma constante e era reprimida pelos patrões aparentemente sem razão. “Tirar um simples café e começarem a dizer ‘é assim que se faz’ e fazerem exatamente da mesma maneira que eu”.

Sentiu-se afetada na sua vida pessoal, declarando que “ficava destroçada” e “muitas vezes chegava a casa do trabalho e chorava”. Para se recompor, necessitou da ajuda de amigos e familiares.

“Nos primeiros meses pensava muito naquilo, que não sabia nada, não tinha capacidade para nada, mas depois comecei a falar com pessoas próximas, que me fizeram ver isso de outra forma”.

Fotografia de Inês Costa. Créditos: Mariana Oliveira

Aguentou dois anos no restaurante e cinco meses na confeitaria até se demitir. Atualmente atribui um valor “positivo” à experiência, considerando-a uma “aprendizagem”. Entende que o sucedido a fez crescer e perceber como funciona o mundo do trabalho. Não reportou a situação ou conhece sequer alguém que tenha reportado, pois supõe que só é dada importância quando passa a agressão física.

A estudante garante que não voltará a tolerar este tipo de tratamento, porque ninguém deveria passar por isto e que se alguém se encontrar numa situação dessas, deve sair, uma vez que “a saúde mental é muito importante”.


Se estiver a passar por uma situação semelhante, não hesite em ligar para uma linha de apoio, como

Autoridade para as Condições de Trabalho (300 069 300),

Inspeção-Geral de Finanças (218 113 500),

Associação de Apoio à Vítima (116 006).