Aterro de Valongo: a jornada dos sobradenses
- Vitória Costa
- 12/07/2022
- Especial Jornalismo de Investigação Portugal
Após as controvérsias e os protestos que envolveram o Aterro de Sobrado, em Valongo, foi suspensa a licença de deposição de resíduos biodegradáveis, em março de 2022. O alívio da população foi imediato, mas não total. Entre documentos e testemunhos, os sobradenses explicam o caminho percorrido e o que ainda é preciso alcançar.
[Texto de Diana Loureiro, Diogo de Sousa, Ruben Marques e Vitória Costa]
Está um dia quente de abril. Na freguesia de Sobrado, em Valongo, respira-se melhor, uma vez que a licença de resíduos biodegradáveis foi suspensa no mês anterior.
Em Alto de Vilar, um lugar tranquilo constituído por não mais de 50 casas, as pessoas conversam de janela para janela. Há quem aproveite o sol para estender a roupa na rua. Na mercearia, juntam-se algumas senhoras para comentar o que veem na televisão.
“Ó Conceição! Ó Conceição!”, ouve-se uma voz a sair da mercearia. Conceição Gaspar aproxima-se do portão de casa. A desconfiança lê-se na sua cara. No Alto de Vilar, a presença de pessoas estranhas não é frequente, percebe-se que é uma comunidade hermética.
As casas desta zona estão carregadas de cortinas e fitas anti-insetos. Mas a necessidade de as usar já não é tão óbvia. “Neste momento não está a afetar por aí além”, garante Conceição. “Diminuíram os cheiros, os mosquitos diminuíram, as gaivotas também não se veem aí”, explica. “Porque também era uma imundice de gaivotas”, acrescenta.
A residente de Sobrado afirma que agora está tudo muito mais calmo. No entanto, foi necessário tomar medidas. “Se não fizéssemos nada, nós não vivíamos aqui”, lamenta. “Já não éramos senhores de abrir uma janela, uma porta, vir cá fora ao quintal”, relembra a moradora. “Éramos picados por mosquitos, aquilo era uma coisa louca. E por isso nós fomos obrigados a fazer alguma coisa”, explica.
De acordo com dados revelados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) em 2019, existem 32 aterros sanitários ativos em Portugal. Na opinião de Vítor Parati, presidente da secção de Valongo do partido Pessoas Animais e Natureza (PAN), este aterro tem muito mediatismo associado porque “foi um projeto mal elaborado que foi feito nas costas do povo de Sobrado”, o que causou a revolta na população, que “unida se fez ouvir e deste modo ganhar o mediatismo”.
O que são a Recivalongo e a Retria?

A Recivalongo é constituída por uma unidade de produção de combustíveis derivados de resíduos (CSR) e um aterro de resíduos não perigosos, ambos localizados em Vale da Cobra, concelho de Valongo, distrito do Porto. A empresa trata os resíduos não perigosos de mais de mil empresas da região desde 2012 e está devidamente licenciada para o exercício da atividade. Os sistemas de gestão da qualidade e gestão ambiental encontram-se igualmente certificados, segundo a empresa.
O processo de licenciamento da Recivalongo foi da responsabilidade da Câmara Municipal de Valongo, a primeira a ter conhecimento do projeto, a definir a zona do aterro através do Plano Diretor Municipal e, finalmente, a atribuir a licença de utilização, depois de emitidas as licenças ambientais.
Em 2006, através da certidão de localização no âmbito do pedido de informação prévio a que corresponde o processo, com a referência 16-IP/2006, a câmara municipal validou a construção de um aterro sanitário de resíduos não perigosos.
Só posteriormente, já em 2007, o processo de obras n.º 176-OC/2007 em nome da Retria Lda. é validado para a construção de um estabelecimento industrial Tipo 2, destinado a central de triagem de resíduos de construção e demolição.
Este aterro está a 300 metros da Escola Profissional de Valongo, a 800 metros da Escola Secundária EB 2/3 de Sobrado, a 900 metros da Escola Básica dos Fijós, a 700 metros do Campo de Futebol do Sobrado, a 900 metros do Pavilhão Municipal de Sobrado, a 500 metros da Associação Casa do Bugio, sendo que, as primeiras habitações estão a 250 metros e o centro da Vila (Largo do Passal) a 1300 metros.
De salientar que tudo isto já existia quando foi autorizado e construído o aterro, sendo, portanto, um complexo que, segundo a Associação Jornada Principal, foi mal licenciado, não respeitando os pressupostos do artigo 16.º do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de Agosto.
À população foi apenas anunciada, com “pompa e circunstância”, e grande divulgação nos meios de comunicação social, a instalação da empresa Retria, a primeira unidade de gestão e tratamento de resíduos de construção e demolição. Este empreendimento foi visto com bons olhos, por parte da população, atendendo que em nada prejudicaria o bem-estar, porque seria um centro de valorização, não um aterro.


O processo legislativo que enquadra o aterro de Sobrado
Segundo o que o grupo parlamentar do Partido Social Democrata (PSD) escreveu ao Presidente da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, no âmbito da audição parlamentar sobre o aterro de Sobrado, que decorreu a 13 de maio de 2020, no ano de 2008, face “ao grave problema da deposição descontrolada de resíduos de construção e demolição”, o governo de Portugal decidiu legislar de forma específica os resíduos de construção civil, com o Decreto-Lei n.º 46/2008, de 16 de março.
Como resposta ao problema supracitado, foi instalado em Sobrado, no concelho de Valongo, nesse mesmo ano, a primeira unidade que daria resposta ao tratamento de resíduos de demolição, a Retria, que resultava de uma parceria entre o Grupo Casais e Lipor. “Dispunha de capacidade para receber cerca de 300 mil toneladas de resíduos por ano, englobando a recolha, transporte, armazenamento, triagem e valorização de resíduos, que poderiam depois ser novamente utilizados nas obras de construção”, escreveram os sociais-democratas.
Após uma crise no setor da construção civil, o Grupo Cascais preferiu mudar a forma do tratamento dos resíduos, obtendo uma licença para o tratamento de resíduos não perigosos de origem industrial, agora para a Recivalongo, empresa consagrada legalmente no mesmo ano de 2007, aquando da criação da Retria.
O grupo parlamentar do PSD adiantou ainda que atualmente a Retria – Gestão de Resíduos continua a “não constar na lista de Operadores de Gestão de Resíduos (OGR), apesar de continuar em atividade. O mesmo não acontece com a RECIVALONGO, empresa OGR licenciada pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente I.P., com o código APA00145836.”
Segundo a Associação Jornada Principal, a Recivalongo possuía mais de “400 tipos de códigos Lista Europeia de Resíduos” (LER), como amianto, fezes, urina, estrume e carcaças de animais, lamas de ETARs, lamas de fossas sépticas, resíduos provenientes de superfícies comerciais e hospitais (equiparados a urbanos). Ainda, de acordo com informação da APA, recebeu até dia 1 de maio de 2020, resíduos provenientes de países como Itália e Reino Unido. A única finalidade para todos estes resíduos era o depósito em aterro, sem qualquer tratamento.
Também os deputados do PSD, na audição parlamentar já mencionada, alegam que a Recivalongo realiza descargas ilegais, sendo que uma delas foi na Ribeira de Vilar, que acabou por dar origem a uma coima de 40 mil euros. Adiantam ainda que o aterro produz cerca de 100 metros cúbicos por dia de lixiviados, o que poderá poluir o nível freático dos rios.
As queixas
De acordo com os dados disponíveis na página oficial da Recivalongo, são tratadas, neste aterro, 300 toneladas de resíduos por dia. Em contrapartida, a Associação Jornada Principal (AJP) – uma associação defensora do ambiente, que, de acordo com a Câmara Municipal de Valongo, nasceu da “vontade da população” – afirma que estes resíduos são apenas depositados e não são tratados.
O Comando-Geral da GNR, num pedido de informação ao Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA-GNR) pelo Ministério da Administração Interna, adiantou que, no ano de 2019, foram recebidas 49 denúncias relativamente ao aterro. O número de denúncias aumentou drasticamente no ano seguinte, sendo contabilizadas 55 até ao mês de maio. O problema já se arrastaria há anos, mas ter-se-ia intensificado de forma dramática nos últimos tempos.
As pessoas do concelho, especialmente os sobradenses, estavam a sofrer, segundo a AJP, um “flagelo insuportável”. O cheiro “repugnante” e “pestilento” que se fazia sentir diariamente, na Vila de Sobrado, era insuportável, não permitindo aos habitantes fazer o seu dia a dia de forma dita normal, uma vez que, para eles, tornou-se insuportável abrir as janelas, usufruir dos espaços exteriores, ou fazer vida ao ar livre, sem sentir náuseas.

Fonte: Contributo da Associação Jornada Principal

Fonte: Contributo da Associação Jornada Principal
Segundo a Associação defensora do ambiente, em 2020, a freguesia de Sobrado padecia de pragas de baratas, moscas, mosquitos e “outra bicharada” que se multiplicava “naquela putrefação de resíduos”, entrando, depois, pelas janelas e portas das casas. Contaminavam os “nossos alimentos, as nossas roupas, os nossos corpos e os corpos das nossas crianças”. Com frequência, os habitantes do concelho queixavam-se de problemas respiratórios e eram obrigados a recorrer ao hospital e a medicamentos para tratar uma “simples” picada de inseto. De acordo com a AJP, estavam, portanto, perante um grave problema de saúde pública, que, no decorrer do ano anterior, teria recebido centenas de imagens, dando conta de incidentes relacionados com picadas de insetos, sendo a sua maioria de crianças.
A poluição atmosférica e o odor “nauseabundo”, mesmo sendo invisíveis, não deixam de ser perigosos e sentidos, por exemplo, na Escola Profissional de Valongo, que se situa na freguesia de Sobrado, a um raio de 300 metros do aterro.

As queixas dos alunos e encarregados de educação começaram a chover. De acordo com a direção da Escola Profissional de Valongo, o “mau cheiro” era mais forte ao final do dia. Quando abriam as salas, de manhã, notavam um forte cheiro a gás que não desaparecia com o arejamento e limpeza das salas.
A preocupação crescia, uma vez que sabiam não estar a oferecer as melhores condições a toda a comunidade escolar e não entendiam, também, a dimensão real do problema com que lidavam, todos os dias, e a forma como isso poderia afetar a saúde de todos os que frequentam o estabelecimento de ensino.
A direção da escola também lamentou, por escrito, o facto de o aterro ser uma condicionante prejudicial, uma vez que foram muitos os casos em que os jovens manifestaram repulsa em matricularem-se naquele estabelecimento.
Segundo a Associação Jornada Principal estariam perante um grande risco de contaminação de águas e solos, por consequência da infiltração de lixiviados nos lençóis freáticos, situação que foi agravada pelos vários incêndios ocorridos no aterro.
O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda alega que os solos do aterro e da área circundante poderão também estar contaminados, devido aos incêndios no aterro a 11 de janeiro de 2019. De acordo com o relatório, a deposição de elevadas quantidades de combustível sólido, tais como “resíduos nacionais de origem industrial, urbana, agrícola e hospitalar” terá estado na origem destas ocorrências. Os incêndios poderão ter danificado as telas que impermeabilizam a área do aterro, permitindo a infiltração de lixiviados no solo.

Relativamente à contaminação dos solos, Vítor Parati explica que os aterros estão preparados com lonas e máquinas para tratar as águas, mas existem sempre infiltrações porque “os camiões vão, despejam e existem sempre ferimentos, ora há sempre contaminação dos solos, quer se queira, quer não se queira”. Parati afirma que este risco poderá ser mais prejudicial do que o que se pensa, uma vez que o povo de Sobrado vive da agricultura. A contaminação dos solos e, consequentemente, dos produtos agrícolas que “nós futuramente vamos ingerir” pode levar a que cada vez existam mais doenças cancerígenas, explica o presidente da secção de Valongo do PAN.
Também os deputados do PSD, na mesma audição parlamentar, alegam que a Recivalongo realiza descargas ilegais, sendo que uma delas foi na Ribeira de Vilar, que acabou por dar origem a uma coima de 40 mil euros. Adiantam ainda que o aterro produz cerca de 100 metros cúbicos por dia de lixiviados, o que poderá poluir o nível freático dos rios.
A alegada campanha de desinformação da Recivalongo
A 18 de maio de 2020 foi emitido, por parte da Câmara Municipal de Valongo, um contraditório relativamente às declarações prestadas pela Recivalongo, na mesma audição parlamentar. A autarquia começa por dizer que a empresa, “tirando proveito da certidão de localização emitida para efeitos do centro de triagem e valorização de resíduos, iniciou e concluiu o procedimento de licenciamento de um aterro de resíduos não perigosos sem que para o efeito tivesse a Câmara Municipal se pronunciado previamente sobre a viabilidade dessa pretensão”. Continua afirmando que, inicialmente, a proposta feita passava por viabilizar um “Centro Integrado e Valorização de Resíduos”, onde existissem secções “de receção e pré-triagem, de processamento de resíduos de construção e demolição e aterro de destino final para resíduos não perigosos não valorizáveis.”
De entre as inúmeras declarações refutadas pela Câmara Municipal de Valongo, é possível destacar a referente à projeção dos licenciamentos “de uma unidade de produção de gás de síntese e de uma unidade de transformação de lamas de ETAR”, por parte da Recivalongo, que tinham o intuito de substituir as “atuais deposições em aterro”. Ambos os projetos foram rejeitados “por incumprimento das disposições legais e regulamentares do plano diretor municipal”, revela a autarquia, no âmbito da referida audição parlamentar. O facto de a empresa que detém o aterro declarar que possui um contrato com a Águas de Valongo “para tratamento de 100 metros cúbicos por dia das águas lixiviadas também não corresponde à verdade.”

Outra declaração da Recivalongo esclarecida pelo município tem que ver com o facto de a empresa aludir que o Presidente da Câmara Municipal não foi verdadeiro ao afirmar “que o Estado tinha pendente uma autorização de descarga de lixiviado na ribeira”. Mais uma vez, segundo o município, esta alegação é falsa. “A empresa fez, obviamente, uma interpretação limitada das palavras do Presidente da Câmara [José Manuel Ribeiro], quando este se referiu a “lixiviado”. Em momento algum o Presidente se quis referir ao lixiviado bruto, sendo verdade que o Estado tinha pendente uma autorização de descarga de lixiviado tratado na ribeira “Alto do Vila””, em Sobrado, justificou o município.
Conforme explicações da autarquia, numa tentativa pejorativa que visava o município e a concessionária, foi posta em marcha uma campanha de desinformação, através da disseminação de panfletos pela vila de Sobrado, “fazendo crer que a Águas de Valongo e a Câmara Municipal seriam os responsáveis pelos odores existentes, motivados pelo alegado mau funcionamento da ETAR de Campo.”
A própria Recivalongo alegou que o Presidente da Câmara Municipal de Valongo tinha montado uma campanha de difamação contra a empresa. “Ora, tal não corresponde à veracidade dos factos”, contradisse o município, justificando que, “longe de uma campanha de difamação”, foi uma tentativa de alertar as autoridades competentes para os maus odores e a propagação de pragas que estavam a afetar a qualidade de vida da população de Sobrado. Graças à escalada de intensidade das denúncias, a Câmara Municipal viu-se “na obrigação de iniciar uma vigilância ativa ao funcionamento das instalações da Recivalongo”.
Um negócio “altamente lucrativo”
O município diz ter-se visto, em março de 2019, “inexplicavelmente ignorado”, particularmente, na ocasião em que as Licenças Ambiental e de Operador de Deposição de Resíduos foram modificadas, sem que as providências “como autoridade administrativa local mais próxima da população”, tivessem sido tidas em conta. Consoante a informação publicada no site da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a par da Licença Ambiental, “o município de Valongo efetuou apenas “pedido de limitação da tipologia de resíduos rececionados no aterro, de modo a diminuir os odores e os insetos e os roedores; verificação de alegadas descargas no solo, não autorizadas”.
Segundo a Câmara, foi registado e publicado, “erradamente”, que “a Licença Ambiental foi emitida, tendo em consideração o parecer emitido pelo Município de Valongo”. Posto isto, a câmara assegura que a APA fez “uma interpretação limitada à longa fundamentação apresentada pelo município de Valongo, branqueando a verdadeira questão – a reivindicação do indeferimento do pedido de alteração de licença”.
De acordo com a autarquia, a Recivalongo viu a Licença Ambiental ser alterada. Já quanto à Licença de Operador de Deposição de Resíduos, apesar de ter conhecimento da deposição de resíduos com amianto e de lamas de tratamento de águas residuais, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN) “averbou em conformidade, até dezembro de 2026”.
Desde que, em dezembro de 2019, o caso chegou à alçada da Comissão de Acompanhamento (CA) que, de imediato, constatou que “a operacionalização da gestão do aterro tinha problemas e não obedecia às técnicas recomendadas”. Assim sendo, a Câmara alega que a CA “encontrou” o pretexto para impor a concretização de ações que “deveriam ter sido cumpridas a partir do início”, como por exemplo “a cobertura dos resíduos com inertes e a redução da frente de trabalho no aterro”.
Luís Monteiro, ex-deputado do Bloco de Esquerda, dá conta que é proibido tratar resíduos hospitalares no Aterro de Sobrado. E quando se trata deste tipo de matérias, proibidas de serem tratadas naquele espaço, a empresa é sancionada com coimas. “Mas, mesmo assim, como as multas são baixas para o volume de negócio [da empresa], é-lhes sempre compensatório”, afirma o ex-deputado. “É-lhes compensatório comprar lixo no estrangeiro e tratá-lo ali, de forma ilegal”, mesmo pagando coimas referentes ao negócio que, ainda assim, se revela “altamente lucrativo”.
Para o antigo deputado, este é o “grande problema” de Portugal que, na Europa, se tornou num “paraíso” no tratamento do lixo, visto que fica mais em conta os países europeus exportarem os resíduos para Portugal, em vez de o fazerem para outras partes do mundo. Isto porque “Portugal tem um quadro legal altamente permissivo e sem capacidade fiscalizadora para tudo”, adiantou.
Segundo a autarquia, as entidades licenciadoras de aterros beneficiam a Recivalongo, visto que já tentaram chegar a acordo com a companhia de águas do concelho, para que consentisse a religação da empresa responsável pelo Aterro de Sobrado à rede de saneamento, “colocando em causa o bom funcionamento da ETAR, com risco inerente para o rio Ferreira, uma linha de água estruturante do concelho e do Parque das Serras do Porto”, explicou a autarquia, no seu depoimento para a audição parlamentar.
Luís Monteiro acaba por comparar este caso a um livro, “O Processo” de Kafka, porque acontece algo, o presidente da câmara denuncia, “dois dias depois vai lá a fiscalização e diz: “não, mas nós não vimos nada”. Pois, claro que não, aconteceu há dois dias, não vai acontecer agora, quanto mais depois da empresa já saber que há uma denúncia”. Para Luís Monteiro, o facto de, recentemente, a licença para receber resíduos biodegradáveis ter sido suspensa não significa que não continue a ser importado lixo que não pode ser tratado no Aterro de Sobrado, nem que a Recivalongo esteja, agora, a cumprir todas as regras impostas.
A Câmara de Valongo viu-se obrigada a pedir ajuda
A 10 de novembro de 2015, a Divisão de Ordenamento do Território e Ambiente, da Câmara Municipal de Valongo, fez chegar um contributo escrito [página 7] à Direção Regional da Agricultura e Pescas do Norte e à Direção de Serviços de Desenvolvimento Rural. O assunto deste documento era “Terrenos abrangidos nos Planos de Gestão de Lamas”. Informava que o município estava a receber “inúmeras queixas relativas à emanação de maus odores, proliferação de insetos e gaivotas em áreas onde, alegadamente, estarão a ser depositadas lamas, possivelmente, provenientes do tratamento de águas residuais domésticas”. E realçava o receio de a deposição de lamas poder desencadear impactos expressivos nos solos, sendo um perigo de contaminação do subsolo e dos lençóis freáticos, numa região de produção leiteira e vínica relevante.
“Na qualidade de agente local e autoridade administrativa mais próxima da população, o município tem como dever a deteção de focos de poluição que afetam a qualidade de vida da população e do ambiente, assim como o dever de intervir, sensibilizar e informar a população local sobre o que se passa na sua área territorial, nomeadamente no que se refere aos terrenos da área do município que estão abrangidos pelo Plano de Gestão de Lamas”, reitera a entidade camarária.
Por fim, tal como acredita já terá sido disponibilizada a outros municípios, solicita a informação relativa aos planos de gestão de lamas, que integram terrenos localizados na área do município de Valongo – designação das parcelas (número parcelário e respetivas áreas), nome do titular da exploração agrícola e quantidade de lamas valorizadas no local.
O assunto mantém-se, os destinatários é que alteram. A 12 de janeiro de 2016, a Divisão de Ordenamento do Território e Ambiente, da Câmara Municipal de Valongo, remeteu a mensagem que já havia enviado a 10 de novembro de 2015, agora para a CCDRN [página 1], para a APA [página 3] e para o SEPNA [página 5]. Contudo, mediante os “indícios de deposição indevida e não autorizada de lamas em terrenos de Sobrado”, faz um acrescento ao texto anterior, pedindo, com a maior brevidade possível, o apuramento de responsabilidades e uma intervenção clara e eficiente para combater e prevenir situações deste género.
Relatórios de ocorrência, emitidos pela Águas de Valongo, relativamente à Recivalongo Segundo a Câmara Municipal, ao longo do tempo, o relacionamento contratual da Recivalongo com a concessionária [Águas de Valongo] foi marcado por consecutivos constrangimentos. Apesar disto, a Águas de Valongo tentou manter o que estava estipulado no contrato, até ao final de 2019. Contudo, as sucessivas falhas por parte da empresa ditaram a suspensão do serviço em outubro do mesmo ano, antes do término da relação contratual. Durante o período de fidelização foi apresentado um relatório de ocorrência, por parte da Águas de Valongo, referente ao dia 27 de fevereiro de 2017, a dar conta de “uma contaminação do solo e de uma linha de água contígua, no término da rua da Aldeia em Sobrado, provocada por escorrências de águas residuais industriais”. As operações levadas a cabo pela equipa da companhia de águas local passou por localizar e desenterrar a caixa de saneamento, “localizada a jusante do local onde existiam as escorrências de águas residuais industriais”. Ao abrirem a caixa, concluíram que havia uma elevada carga hidráulica graças, também, às “escorrências provenientes da rede predial a montante”. No período compreendido entre 2014 e 2019, a Águas de Valongo detetou 12 incumprimentos “severos, por descargas atípicas”, por parte da empresa responsável pelo aterro, sendo que, a alguns destes casos, foram instaurados processos de contraordenação, punidos com coimas de milhares de euros. A situação de insalubridade, comprovada pela equipa do SEPNA da GNR de Santo Tirso, não foi consequência do mau desempenho da rede pública de saneamento, mas sim de “descargas indevidas de águas residuais industriais provenientes da rede predial das instalações da Recivalongo”, refere a Águas de Valongo. A afluência de água residual atípica à ETAR de Valongo Campo e Sobrado deu origem a mais um relatório preliminar, por parte da Águas de Valongo, desta feita a 9 de maio de 2018. Na ocorrência em questão foi “detetada uma alteração na coloração do efluente da decantação primária. A água residual apresentava uma coloração alaranjada e grande quantidade de gordura”. Mediante a retirada de uma amostra chegaram à conclusão que se deu um acréscimo notável de resíduos e gordura à saída da decantação primária. Este aumento de 342% pode vir a trazer “consequências na qualidade do efluente à saída da ETAR”. Face à situação, a Águas de Valongo implementou várias ações, com o objetivo de reduzir “um eventual impacto no meio recetor”. |
A investigação interna por parte da Câmara
O facto de considerar “incompreensível” o posicionamento das autoridades competentes para o licenciamento ambiental, por terem licenciado “um aterro de resíduos não perigosos com mais de 420 códigos LER de múltiplas tipologias e proveniências”, levou o presidente da câmara a ordenar, antes de 2020, uma investigação interna sobre os processos de licenciamento urbanístico deste centro.
Segundo o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), num contributo para a audição parlamentar já mencionada, após a Recivalongo ter pago uma multa devido a descargas poluentes, o município de Valongo solicitou análises laboratoriais a amostras provenientes da Estação de Tratamento de Águas Lixiviadas da empresa. Os resultados confirmaram a existência de “infração dos valores limites estabelecidos”, afirma o BE.
As fiscalizações à Recivalongo
No que diz respeito a ações de fiscalização, a empresa responsável por este aterro adiantou, em 2019, ter recebido mais de 20 vistorias, “tendo demonstrado a total conformidade em todas”. A Câmara desconhece quem foram as entidades fiscalizadoras envolvidas e o objetivo das fiscalizações, mas considera questionável a Recivalongo ter saído impune de todas as ações, no depoimento que fez em consequência do contributo da Recivalongo para a audição parlamentar.
Em relação aos Relatórios de Análise e Estudos apresentados por esta empresa, o município salvaguarda que teriam sido necessárias contra-análises periódicas, levadas a cabo pelas autoridades competentes.

A importação do lixo De acordo com a câmara municipal, os resíduos importados respeitam, sobretudo, procedimentos administrativos, enquanto, o controlo operacional de cargas é ocasional e momentâneo. “Nas instalações da Recivalongo não há sequer um pórtico de deteção de radiação dos resíduos, uma prática corrente em diversos aterros no país. Por isso, na verdade, ninguém deve saber o que, realmente, chega nas cargas oriundas de outros países”, explica a autarquia no mesmo contributo para a audição parlamentar. Luís Monteiro revela que parte das operações de chegada do lixo ao aterro são feitas de noite, “justamente para fugirem ao controlo das fiscalizações”. De acordo com Luís Monteiro, a APA diz que em 2018 foram produzidos 4,94 milhões de toneladas de resíduos urbanos, o que, traduzindo em produção diária, corresponde a 1,38 quilogramas por habitante. Pelo que é indicado, este valor tem vindo a aumentar todos os anos, desde 2013. Segundo o ex-deputado, quanto aos resíduos sólidos urbanos, no ano de 2020, o governo estabeleceu a meta de reduzir o valor de 63% para 35%. Mas, atualmente, este indicador está na casa dos 46%, fazendo com que “estejamos muito longe de atingir estes números”. O ex-deputado do Bloco de Esquerda dá conta de que, além do lixo interno que Portugal trata, ainda importa de outros países. “Aliás, há um documentário internacional que fala, justamente, do negócio do lixo. Como é que os chamados países do primeiro mundo exportam grande parte do seu lixo, por exemplo, para a Índia, para a China, para ilhas do Japão, que são menos desenvolvidas, para o mar Índico, naquela zona entre a Índia e o continente africano. Portanto, é um grande negócio que mete milhões e milhões de lucros porque, realmente, a nossa produção de lixo não tem uma resposta efetiva nos países onde vivemos”, acrescenta. |
Fechar ou não fechar?
Alfredo Costa Sousa, presidente da União das Freguesias de Campo e Sobrado, afirma-se claramente contra o aterro. Lamenta não ter competências para o impedir. “É frustrante para um presidente da junta não ter ferramentas para defender o espaço da comunidade”, queixa-se.
Segundo Vítor Parati, o PAN esteve sempre ao lado da população de Sobrado para que o aterro fosse fechado o quanto antes, precisamente por não estar a cumprir as normas. “Nós não estamos lá diariamente”, afirma. “Já nos deslocamos ao local duas vezes e realmente é impressionante ver aqueles mosquitos”, acrescenta com rigidez. Reitera que este é um aterro aberto e próximo. “Nós sabemos que os aterros fazem falta”, estabelece, “nós consumimos, produzimos lixo, mas a 500 metros, a escassos 500 metros de uma escola e da população, não é o melhor local para se construir um aterro”, explica.
Quanto ao assunto, a Recivalongo não se disponibilizou a responder às questões do #infomedia.
Sou a Vitória Costa, tenho 20 anos e sou natural de Barcelos. Neste momento, frequento o terceiro e último ano da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto, no ramo de Comunicação e Jornalismo. Sou colaboradora na editoria de Desporto da plataforma #infomedia e tenho como objetivo trabalhar em qualquer vertente da comunicação no contexto desportivo, aliando, assim, duas das minhas grandes paixões.