Atletas criticam atual direção da Federação Portuguesa de Atletismo
- Gonçalo Azevedo
- 27/12/2021
- Desporto
Muitos atletas criticaram a Federação Portuguesa de Atletismo, através de um comunicado publicado nas redes sociais. Em causa estão os recentes acontecimentos na modalidade e o tratamento dado aos atletas.
[Texto de Gonçalo Azevedo]
A polémica ocorrida no Corta-Mato de Vale de Cambra, realizado dia 28 de novembro, em que uma má organização que fez com que os atletas se enganassem no caminho, prejudicando os candidatos à vitória, foi a gota de água para os atletas nacionais. Diversos nomes do atletismo português, – a maior parte deles do meio-fundo –, publicaram nas suas redes sociais uma fotografia de fundo preto com o símbolo da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), acompanhada de um longo comunicado onde demonstravam o descontentamento perante a atual Federação, pedindo mesmo a sua demissão.
Foi num grupo de WhatsApp que a palavra foi espalhada, em que atletas de todas as disciplinas do atletismo se juntaram, especialmente os corredores. O objetivo era expressarem o seu descontentamento, por igual, e dessa maneira ter mais impacto nos órgãos sociais da FPA.
Emanuel Rolim, atleta do Maia Atlético Clube, mostra-se indeciso em apoiar esta ação totalmente, mas admite que “a Federação tem que dar o primeiro passo a mudar e os atletas têm que acompanhar para que o atletismo melhore nesse aspeto”.
Ainda em atividade, mas um pouco mais retirado do primeiro plano devido a uma lesão, afirma ter visto colegas seus a serem prejudicados nos corta-matos nos últimos anos, especialmente no recente Corta-Mato de Vale de Cambra. Casos como este fazem com que os atletas “muito dificilmente ganhem motivação para treinar o resto da época e entrar nas competições europeias, na pista, ou no ar livre”, reflete.
Cátia Azevedo, atleta do Sporting Clube de Portugal (SCP), partilha da mesma mágoa. Teve problemas com a Federação, juntamente com o seu treinador, afirmando que “existe uma não resposta a vários problemas, a várias ajudas que são pedidas, nomeadamente a proteção do atleta e a promoção de maior competitividade”, afirma, lamentando não existir uma dinâmica que promova os resultados e o nível da modalidade.
O não preenchimento das vagas da Seleção Nacional para o Campeonato da Europa foi outro dos acontecimentos que motivaram este comunicado. Os atletas classificaram de “incompreensível” a falta de critérios por parte da FPA e as vagas disponíveis, privando os mais jovens de adquirir experiência internacional. Para Emanuel, falta um trabalho de campo por parte do técnico nacional, ou seja, “ir ter com os atletas, com os treinadores do seu setor e ver que tipos de treino estão a fazer, como é que está o nível físico do atleta”. A FPA com excesso de treinadores e de momento, está a “promover muito a proliferação de vários treinadores, que muitas vezes perde-se um bocadinho em qualidade”, o que leva a inúmeras adaptações, dificultando os treinos durante estágios nacionais.
“Os atletas deviam dar mais a voz”
Cátia Azevedo
Um dos assuntos tratados no comunicado foi a composição da atual Federação. Ainda que democraticamente eleita, apenas cabe aos clubes e associações votarem, sendo que os atletas não têm expressão.
Apesar de haver uma Associação de Atletas de Alta Competição – também ela democraticamente eleita –, desconhecida por vários atletas do alto rendimento, foi-lhes negado o voto nas mais recentes eleições, em outubro de 2020. Cátia acredita que “os atletas deviam dar mais a voz”, e cada um poder votar, e ainda que não acredite ser uma solução, conta que “o problema é que muitos atletas são iludidos como em tudo o que exige votos e exige poder e são aliciados sem pensar num futuro, mas sim num presente.”
Emanuel Rolim partilha da mesma opinião, e critica a impossibilidade de não poder votar. “Hoje temos que ser livres, temos todos que ter poder de votar e acho que sou de acordo que qualquer pessoa que esteja filiada à Federação deve votar, independentemente se fizesse o seu direito de voto ou não, acho que é um direito de todos.”
O desejo de uma mudança
Os atletas pretendem mudanças com este comunicado e Emanuel acredita que os atletas “manifestando têm a sua força”. O técnico nacional do meio-fundo não tem conseguido reunir consenso entre os atletas e o seu método de trabalho, havendo até confrontos com atletas do Norte. Ele acredita que poderá ter que ser outra pessoa, ou até mesmo toda a Federação, uma vez que “têm que entender que deve mexer ou com ela, a tomar algumas medidas na sua estrutura, ou então também têm que sair todos e dar a vez a pessoas que querem fazer mais pelo atletismo”.
Para Cátia Azevedo os atletas pretendem um atletismo diferente. Uma modalidade que seja mais honesta, frontal e coerente, e que sejam assumidas as devidas culpas, pois “quem fica sempre prejudicado são sempre os treinadores ou os atletas e não pode ser assim, eles não podem sair sempre impunes.”
Emanuel aplaude a iniciativa da Federação em organizar um estágio em zonas de grande altitude para os atletas no início deste ano e lamenta que muitos atletas abdiquem de ir a esse estágio. Ele aponta a fraca adesão à falta de preparação e observação aos atletas por parte dos responsáveis.
Cátia Azevedo afirma que a Federação tem limitado o crescimento dos atletas. Ela critica o facto de os atletas não serem promovidos nem felicitados pelo órgão máximo da sua modalidade. A atleta que participou nos últimos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e Tóquio 2020, lamenta a incoerência da Federação e tece duras críticas sobre a atual posição. “É palmadinhas nas costas quando tudo corre bem, mas até chegar ao correr bem há muito caminho solitário e penoso para nós caminharmos.”
O “silêncio ensurdecedor” da Federação
Foi esta a expressão utilizada pelos atletas no comunicado, para a falta de respostas após o desagrado para com a direção. Visaram o Presidente da FPA, Jorge Vieira, por só aparecer nos bons momentos e não dar a cara quando os atletas são prejudicados, passando uma má imagem de toda a comunidade da modalidade.
Nenhum dos atletas foi ainda contactado por algum representante da Federação. Emanuel Rolim acredita que, com as épocas festivas e os campeonatos de pista coberta à porta, “a coisa pode-se alongar. Eu duvido que me venham contactar. Desde que estou lesionado e fui operado em 2019 nunca recebi nenhum contacto, não vai ser por causa disto que vão falar comigo”, lamenta o atleta de 29 anos.
A velocista do SCP tem “quase a certeza que não vai acontecer nada” e não espera mudanças num futuro próximo. “E mais um ano vai passar e as pessoas continuam ali, a ganhar o seu ganha-pão, pessoas incompetentes à nossa frente e que têm nas mãos delas o nosso futuro”.
Cátia Azevedo acha que os atletas devem unir-se para a FPA não sair novamente impune, mas o tempo irá passar e “tudo vai continuar infelizmente.”
O #infomedia contactou várias vezes por chamada telefónica a Federação Portuguesa de Atletismo, de forma a apurar a respetiva versão, mas sem sucesso.
Sou o Gonçalo Azevedo, tenho 23 anos e sou apaixonado pelo desporto e pelo mundo do jornalismo. Sou colaborador na editoria de Desporto na plataforma #infomedia.