Atletas de patinagem artística tropeçam na ansiedade e pressão da competição
- Mariana Venâncio
- 26/12/2021
- Atualidade Desporto Saúde
A conquista pelas medalhas é a motivação principal dos atletas de alta competição de patinagem artística. Os esforços compensam quando obtêm uma boa performance.
[Texto de Mariana Venâncio]
A patinagem artística é um desporto que exige que a saúde mental e a saúde física trabalhem em uníssono, de forma que os patinadores alcancem sucesso na performance. Beatriz Sousa, Diogo Silva, Madalena Serrão e Beatriz Silva são alguns dos atletas de patinagem artística, ao mais alto nível, em que a adrenalina de competir não esconde a ansiedade vivida em dias de competição, apesar da preparação intensiva.
Este desporto de alta competição implica níveis de competição rigorosos, o que provoca um aumento de stress e ansiedade, otimizando a desregulação emocional. Os patinadores estão sujeitos a pressões constantes e expectativas que elevam a fasquia da competição, resultantes de preocupações e pensamentos negativos que atormentam os desportistas. Muitos demonstram dificuldades quando são colocados à prova.
Segundo o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), o desporto de alta competição caracteriza-se como um fator de desenvolvimento desportivo essencial. A lei define “alto rendimento como a prática desportiva em que os praticantes obtêm classificações e resultados desportivos de elevado mérito, aferidos em função dos padrões desportivos internacionais.” Só os melhores atletas e treinadores portugueses estão abrangidos por este nível elevado de seleção, rigor e exigência desportiva. De acordo com os dados da PORDATA existiam, em 2020, 15.431 atletas de patinagem federados em Portugal. De 2019 a 2020, existiu um decréscimo de 1.612 desportistas. Praticantes de Patinagem Federados | PORDATA |
O modo como os atletas de patinagem artística reagem às fontes de pressão e lidam com o nervosismo varia consoante a experiência individual da prática desportiva. A “paixão” pela patinagem artística, não faz com que estes sintomas desapareçam. É um desporto que gostam e querem demonstrar às pessoas que “são felizes e têm jeito” para a modalidade, declara Diogo Silva, patinador desde os sete anos. “É impossível haver provas que não estou estressado ou ansioso”, especialmente nas provas internacionais, em que o medo de falhar vem ao de cima, refere. Pensar positivo, acreditar no trabalho árduo e sonhar com a vitória são algumas formas comuns relatadas no combate à ansiedade. Independentemente do nervosismo “é importante saber que vamos fazer o nosso melhor”, afirma Beatriz Sousa, vice-campeã do mundo, no escalão júnior, na especialidade de SoloDance.
A representar Portugal, o nível de competição é mais intenso e, por consequência, faz com que a pressão, o nervosismo e a responsabilidade se manifestem, ainda que estejam mais preparados. “Somos a imagem do país e a imagem que Portugal quer mostrar”, diz o atleta Diogo.
Quando não conseguem o apuramento para os campeonatos que trabalham durante a época, torna-se difícil gerir a nível emocional. Diogo Silva perdeu, este ano, o apuramento para representar Portugal no Campeonato do Mundo. Após a declaração da Federação de Patinagem de Portugal (FPP) em que apenas seriam apurados os cinco primeiros atletas do Campeonato da Europa, Diogo, não conteve o desânimo e acusou a pressão. “Alterei todo o meu psicológico e foi um processo difícil porque éramos os oito melhores do mundo. Fui muito pressionado porque tinha um objetivo e foi quase como se me cortassem as pernas antes de ir para o Europeu”, confessa o atleta.
Lidar com prestações imperfeitas perturba os patinadores de alto rendimento. Trabalhar durantes horas para uma competição não é uma tarefa fácil e quando o resultado final se revela inesperado, mais difícil se torna enfrentar a situação. Desilusões, dúvidas, desânimo e inseguranças marcam as competições imperfeitas. “O pior é voltar com a mentalidade em baixo: falha-se uma vez, falha-se duas vezes, quando se vai para a terceira competição já duvidas do que és capaz”, declara Madalena Serrão. No entanto, a melhor forma de enfrentar esse acontecimento é encarar como uma “aprendizagem e motivação para continuar a treinar e a melhorar”, refere Beatriz Sousa.
Nem todos os atletas têm inteligência e força emocional para reconhecer as suas emoções, de forma a encontrarem técnicas para se auto controlarem e trabalharem o stress e a ansiedade da prova. Os “atletas emocionalmente fracos vão ser atletas fracassados”, afirma a treinadora Andreia Cardoso. Os patinadores devem trabalhar a assertividade mental para obter bons resultados.
Saúde Física e Mental trabalham em conjunto
Praticar exercício físico promove efeitos positivos na saúde física e mental, mas a atividade pode comprometer o psicológico dos patinadores. Ter atletas com capacidade físicas e não “conseguirem ter capacidade de concentração, capacidade de resiliência, capacidade de eficiência, capacidade de autocontrolo e capacidade de perseverança, não ajuda”, enumera o treinador Hugo Chapouto. Os patinadores ao estarem bem fisicamente e bem mentalmente vão ter melhores resultados e, consequentemente, uma melhor saúde.
Na fase inicial da época, a maior parte dos atletas não está em condições psicológicas, físicas, nem técnicas para participar em provas. Ainda assim, os treinadores sujeitam-nos a um certo nível de pressão e a um contexto avaliativo para que conseguiam obter uma ferramenta de trabalho, de impulsionamento e de evolução para o futuro. Durante os treinos, os patinadores simulam a competição oficial para ganharem confiança e reduzirem os nervos.
Neste sentido, a preparação dos atletas deve incidir na vertente física, psicológica e técnica. Os patinadores, muitas vezes, consultam preparadores físicos para estarem fisicamente aptos para uma rotina de treinos técnicos sem lesões. A preparação mental auxilia os atletas a melhorarem o rendimento e a lidar com momentos de pressão, pois nas situações de maior stress o processo pode ser imperfeito. O trabalho mental passa por “acreditar no processo” e compreender que os patinadores “não conseguem estar sempre ao melhor nível durante toda a época”, conta o habitual campeão nacional da especialidade de Livres, Diogo Silva. Já a técnica “serve quando o físico e a mente não resolvem um problema”, diz o treinador, coreógrafo e coach Chapouto. A técnica é uma ferramenta para ajudar um corpo, num certo contexto, a alcançar um objetivo.
O treinador procura a melhor preparação para os patinadores, mas não controla “360 da vida do patinador”, nem as falhas que possam ocorrer durante o processo de treino, refere Hugo Chapouto.
O aumento da carga de trabalho leva a um sucessivo número de lesões. Estas têm consequências físicas e emocionais, prejudicando o processo de treino, o desempenho dos atletas e, por vezes, o trabalho de uma época.
A lesão suscita um impacto adverso nos pensamentos e atividades dos patinadores, sendo natural que vivenciem sentimentos de frustração, medo e dúvida no seguimento dessas adversidades. A patinadora Beatriz Sousa passou por uma lesão no joelho, uma osteocondrite dissecante, que a impediu de competir a solo. “Foi complicado a nível emocional gerir essa lesão”, já que estava numa “fase de crescimento” desportivo e não surgiu na melhor altura. A recuperação teve de ser mais rápida do que o tempo estipulado. Ainda hoje, devido a isso, a lesão continua frágil no seu corpo, necessitando de reforço muscular para continuar a dar o máximo rendimento.
As lesões, muitas vezes, deixam marcas para a vida, difíceis de sarar e esquecer. Beatriz Silva, ex-atleta de patinagem artística, descobriu, através de exames realizados na seleção, que sofre de anemia. A doença refletiu-se no rendimento e na performance da atleta. Em cada salto, em cada peão que efetuasse sentia-se exausta e sem força para elaborar os exercícios. A anemia serviu “de culpa” nos momentos em que o cansaço, a ansiedade, o stress e a pressão muscular se manifestavam. A fraqueza repercutiu-se a nível emocional, sentindo-se “frustrada” por não conseguir realizar o show da forma que queria e que se tinha preparado durante a época. Enfrentar a bancada cheia de familiares não ajudava Beatriz na conquista de medalhas, visto que tinha medo de falhar e o público “não estava habituado” a vê-la errar, refere a ex-atleta.
Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que “cerca de 25% da população mundial poderá ter algum tipo de anemia. Em termos estatísticos, numa família portuguesa de cinco pessoas maiores de idade, uma delas sofrerá de anemia. A prevalência será maior nas mulheres do que nos homens; e as duas faixas etárias mais afetadas são dos 18 aos 34 anos e a partir dos 75 anos.” Fonte: Médis |
Psicologia e a influência que exerce nos atletas
A obsessão por resultados, o excesso de treinos, a falta de tempo, o não saber lidar com as fontes de pressão e o stress leva a que, por vezes, os atletas sintam necessidade de ter acompanhamento psicológico. Beatriz Sousa e Madalena Serrão são duas testemunhas que acreditam que o auxílio de um especialista foi benéfico.
Os patinadores de alto rendimento consideram que as equipas técnicas devem apostar num psicólogo a tempo inteiro, já que têm consciência que uma doença mental pode condicionar o desempenho. “Devia ser uma figura tão importante como um treinador e um preparador físico”, conta a vice-campeã do mundo, Beatriz Sousa.
Por alcançarem rendimentos elevados, a população tende a imaginar os atletas como “super-heróis” e “não como pessoas que podem estar em sofrimento psicológico”, declara Ana Bispo Ramires, especialista em psicologia do desporto e da performance.
O trabalho do psicólogo é promover o desenvolvimento das competições humanas, protegendo os indicadores de saúde mental. Estes profissionais têm capacidades para “dotar o atleta com mais consciência acerca dos fatores que podem prejudicar a sua saúde mental e ajudá-lo a desenvolver as ferramentas necessárias que potencializam e elevam os indicadores de performance”, refere.
A psicologia é uma área de treino que ajuda o atleta a desenvolver competências psicoemocionais para que consiga lidar com a pressão de uma competição. Para tal, deve existir uma confiança entre o psicólogo e o atleta para que essas competências sejam trabalhadas. Essa relação deve ser construída num contexto formal, tentando descobrir as fontes de pressão com um impacto negativo e aquilo que o patinador pode fazer para as “anular”. Contrariamente, as fontes de pressão positiva são mais “esmagadoras”, uma vez que quando os indivíduos colocam demasiada expectativa no patinador, este “pode esmagar a capacidade de se libertar, fazendo uma boa performance”, explica a psicóloga clínica e desportiva do Comité Olímpico de Portugal.
Espera-se que o atleta desenvolva as competências que necessita para as exigências do dia a dia e “quando tem o pack desenvolvido, pode-se encerrar o trabalho”, esclarece.
Ser treinador, sobretudo num “desporto amador” e “num contexto português”, significa fazer vários papéis. Na verdade, “o treinador é o técnico, o preparador físico, o coreógrafo, o professor de dança, o psicólogo, o confidente, o amigo, a figura paternalista que, em determinados momentos, precisa de impor algumas regras”, defende Hugo Chapouto. Com o tempo cria-se uma abertura entre o treinador e o atleta que faz com que se consiga identificar quando este não está preparado fisicamente e não se encontra bem psicologicamente para competir, de forma a trabalhar as ferramentas necessárias nesse processo.
“Manter a tribo de apoio” O desporto, por vezes, é uma solução, mas em pessoas que praticam desporto deve-se encontrar outras alternativas. Ana Bispo Ramires, psicóloga, recomenda que os atletas façam “carreiras de baixo, que se mantenham a estudar”, já que “a escola ativa a curiosidade, ativa a capacidade de pensar, o processo de tomada de decisão e a forma de desenvolver o esforço.” Logo, é um dos principais “aliados daquilo que é a performance no desporto.” Para os patinadores se equilibrarem mentalmente é preciso que tenham a sua “tribo de apoio.” Portanto, “têm de ser pessoas especiais porque um atleta de alto rendimento, numa fase tardia, tem muito menos disponibilidade para os encontros sociais, devendo investir e trabalhar nessas relações desde cedo”, refere a especialista em psicologia do desporto e da performance. A preparação dos atletas de alta competição de patinagem artística é intensa e, por isso, leva-os a abdicar de muitas atividades sociais. “Entre estudos, desporto e vida social, o que fica discriminado acaba por ser a vida social”, enfatiza a atleta Beatriz, do Rolar de Matosinhos. Os estudos também ficam, muitas vezes, para plano B, em que priorizam a patinagem artística. |
“Os pais são uma pedra basilar no processo”
Os pais são “a principal fonte do sistema desportivo nacional”, afirma a psicóloga desportiva. A patinagem artística é uma “prática amadora e, portanto, a sua prática em menores de idade não é possível sem os pais”, declara o treinador Hugo Chapouto. Os progenitores são a primeira extensão do treinador fora da prática desportiva que dão seguimento ao trabalho feito no ringue. A tríade – pais, atletas e treinadores – têm de estar em consonância, de forma que o processo de aprendizagem seja fluido e seja possível resolver internamente desafios para “juntos criar a equipa que faz desenvolver o atleta no seu 360”, afirma o treinador do Rolar de Matosinhos, Hugo Chapouto.
O desenvolvimento das competências do patinador associam-se às dinâmicas familiares. Os progenitores dispõem, muitas vezes, do tempo familiar e investimento financeiro para que os filhos possam ter a prática desportiva que desejam. Isto pode ter influências positivas, em que podem proporcionar a sensação de confiança, autoestima, desenvolver capacidades e aumentar as dinâmicas de trabalho em equipa, como pode ter influências negativas, quando exercem uma fonte de pressão, desmotivação e frustração no atleta, cobrando-lhes bons resultados.
A ação negativa dos pais prejudica os patinadores na competição, uma vez que “vão mais nervosos” e “psicologicamente afeta-os bastante”, declara Flávia Ferreira, mãe de Bruna Pinheiro. No entanto, “alguns atletas conseguem lidar com a pressão familiar porque têm um dom natural e, de alguma forma, buscam dar a volta a essa pressão, mas daquilo que tenho visto e acompanhado, os atletas que poderiam ser bons atletas ou que podiam ser patinadores felizes não o são pela pressão dos pais”, afirma a mãe, delegada e calculadora Elisa Pereira. Os patinadores ficam com a “sensação que tem de agradar aos pais”, tendo “receio do que os encarregados de educação podem fazer ou dizer.” A ansiedade vivida pelos progenitores, nos momentos de competição, leva a que se crie ansiedade no desportista inconscientemente.
Segundo Ana Bispo Ramires, psicóloga, quando isso acontece “a primeira responsabilidade é do clube e do treinador”, pois devem envolver os progenitores num processo positivo de participação. “Também os pais precisam de receber informação sobre a melhor forma de promover o seu apoio e ser um facilitador no processo de evolução dos filhos”, esclarece.
“O apoio dos pais é fundamental para um atleta de alto rendimento se conseguir desenvolver”, afirma a treinadora Andreia Cardoso. Independentemente do resultado, os progenitores são um suporte na caminhada desportiva dos filhos.
Mariana Venâncio, 20 anos. Com muitos sonhos por realizar. Hoje, estou a concretizar mais um, estar no curso de Ciências da Comunicação. Ainda com sonhos pela frente, mas cada vez mais próxima de os realizar. Acreditar. Sempre! Gosto de sonhar. Faço parte da editoria de Saúde e é por lá que me quero aventurar!