Atletas transexuais discriminados nos media e no desporto

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Atletas transexuais discriminados nos media e no desporto

[Por Ana Pascoal, Catarina Preda, Inês Conde e Maria Bessa] 

A comunidade trans tem vindo a aumentar, mas será que os media e as regras do desporto acompanham esse crescimento e ajudam a combater a discriminação?


Nas redes sociais são encontrados diversos comentários acerca da mulher e do homem trans no desporto. Contudo, no caso de um homem trans, não são levantados tantos problemas, por não se considerar que tem vantagens fisiológicas. Já no caso de mulheres trans competirem com outras atletas, os problemas levantados são inúmeros e complexos. 

O desenho da Investigação

 Nesta matéria a elaboração das perguntas certeiras é fundamental para que se chegue a uma conclusão necessária. As questões de investigação devem responder a toda a investigação que se propõe e orientar toda a análise jornalística.

Foi no desenho desta investigação jornalística que as definimos:

I.      Até que ponto é legítimo obrigar pessoas intersexuais a alterar os seus corpos para corresponderem aos padrões estabelecidos pela IAAF? (Associação Internacional de Federações do Atletismo);

II.   Em que desportos faz sentido pensar numa queda na barreira de género no desporto?

III. Trabalhar as normas que obrigam as pessoas a  mudar fisicamente de sexo?

IV. Será o tratamento hormonal considerado doping? 

V.    Apesar de existirem razões válidas para a divisão de competições em certas modalidades desportivas, deve ser analisada a justificação dada, se esta se mostra razoável em todas as modalidades, ou se, pelo contrário, pode estar a prejudicar os participantes?

A questão que se impõe prende-se essencialmente com o caso, por exemplo, de um homem trans, por não se considerar que tem vantagens fisiológicas, não são levantados problemas para a comunidade desportiva. Já no caso de mulheres trans competirem com outras atletas, os problemas levantados são inúmeros e complexos e, é, precisamente, isso que exploramos nesta investigação jornalística.

Para obtermos a resposta da mesma, analisamos documentos sobre o tema e recolhemos o depoimento de testemunhos que é, no fundo, o ponto-chave que nos permitiu refletir e conseguir responder às questões que nos surgiram.

Abordagem Mediática

Segundo um documento da Universidade Presb iteriana Mackenzie, a presença desta temática, nas plataformas noticiosas é “rara ou incompreendida”, isto porque: “não houve verdadeiramente uma discussão ao nível da opinião pública, mesmo quando os meios de comunicação social foram dando conta – embora nunca tenha constituído prioridade na agenda mediática – dos diversos andamentos até a aprovação da lei. – a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo.”

A incapacidade por parte dos media de retratar esta realidade, porque algumas notícias demonstram um cariz transfóbico, e a falta de informação, o desconhecimento sobre a matéria levam, a maior parte das vezes, a “comentários online às notícias dos meios de comunicação social”.

Não são só precisas mudanças na esfera mediática, até porque as opiniões de “não-jornalistas também podem interferir na opinião do público, já que qualquer pessoa, independente de sua formação, pode fazer vídeos e publicar textos em redes sociais e também vai influenciar o público, isto pode ser positivo ou não”. É necessário informar, educar, alertar através de todos os meios possíveis para que chegue a todos, independentemente dos canais.

Temos um exemplo claro da ineficácia do discurso jornalístico nesta matéria: a morte de Gisberta que foi retratada nos media pelo nome antes da transição: “O interesse a nível nacional e internacional, que a morte de Gisberta suscita, com a consequente procura por parte da comunicação social de declarações e posições das associações LGBT, terá contribuído significativamente para uma nova atitude e um novo interesse destas estruturas pelas questões relacionadas com o T da sua sigla.”

 “Na televisão, conclui-se então, que canais fechados, como o GNT, estão seguindo por linhas mais corretas ao abranger diversidade e pluralidade, principalmente usando recursos audiovisuais. Já os canais abertos, que atingem mais pessoas no Brasil, precisam explorar muito mais essas questões, educando a população a ser menos preconceituosa e mais bem informada.”

A jornada de um Atleta Trans

Pedro Duarte é de Lousada e, aos 21 anos pratica musculação. Entrou no ginásio há 4 anos. “No início era para me sentir melhor com o meu corpo, nunca foi com o objetivo de competir, mas hoje eu quero competir pelo fisiculturismo que me apaixonei completamente por isso.” explica o jovem.

A integração em clubes masculinos de desportos como o futebol, basquetebol e andebol, foi complicada para Pedro, uma vez que sentia que  “era desvalorizado e criticado”, pelos colegas de equipa. Por esse motivo, desistia de praticar desporto coletivo, por não ter aceitação.

“Em relação à integração no ginásio, por ser trans, em relação à modalidade que escolhi, correu tudo bem, nem toda a gente sabe, vou lá para treinar, mais nada” Complementa Pedro, “nunca me fizeram distinção, nunca me compraram, sempre me apoiaram.”

Apesar de ter encontrado um local, onde não existe discriminação e consegue treinar de forma plena, o jovem salienta que este aspeto “devia ser mais falado em Portugal”. A comunidade trans ainda não conseguiu ter um palco, para espalhar a mensagem de integração na sociedade.

Pedro aponta ainda para a existência de “muita desinformação que deve ser abordada e falada porque hoje em dia ainda há muitas mentalidades pequenas”. Mentalidades estas que, na opinião do jovem, poderiam ser moldadas a partir do apoio consciente e cuidado, das várias plataformas noticiosas.

Visa ainda que “não deve haver uma separação entre homens trans e outros homens, acho que todos somos homens e nada muda só por uns terem nascido no corpo certo e outros não terem nascido no corpo certo porque somos todos iguais, acho que devemos ser tratados de igual forma sem distinção.” 

O desportista realça ainda o seu sonho:

“Há quem já tenha competido sendo trans e eu gostava de ser o primeiro homem trans em Portugal a competir, deixar a minha marca neste desporto.”

Pedro Duarte

A atuação das associações desportivas

Tal como referimos na introdução, a questão que se impõe prende-se essencialmente com o caso, por exemplo, de um homem trans, por não se considerar que tem vantagens fisiológicas, não são levantados problemas para a comunidade desportiva. Já no caso de mulheres trans competirem com outras atletas, os problemas levantados são inúmeros e complexos.

Das duas opções, uma: ou era negada a entrada destes atletas ou era permitida a entrada através de critérios. A primeira opção nunca seria tomada, sequer, como uma pois interferiria diretamente na luta pela igualdade das mulheres, neste caso, no desporto (que é um instrumento social presente no consciente coletivo.)

O COI (Comité Internacional Olímpico) em 2003 respondeu a esta problemática e lançou um conjunto de diretrizes para a participação de pessoas que passaram por uma transição do sexo nos Jogos Olímpicos. Isto porque se preocupa com a luta pelos valores olímpicos e com a promoção do desporto como um meio privilegiado para educar jovens e a sociedade.

CO (Carta Olímpica) de 2001 e 2003: “A prática do Desporto é um Direito Humano e que todo o indivíduo deve ter a possibilidade de praticar desporto de acordo com as suas necessidades.”

Versão do CO (Carta Olímpica) 2004: “A prática do desporto é um Direito Humano. Todos os indivíduos devem ter a possibilidade para a prática desportiva, sem discriminação sob qualquer forma e dentro do espírito olímpico, o que requer compreensão mútua com o espírito da amizade, solidariedade e fairplay.”

Segundo a “Revista de Gênero, Sexualidade e Direito” – O papel do estado na inclusão de atletas transexuais no desporto à luz da teoria do reconhecimento social –  a procura pela inclusão social no desporto é uma forma de garantir uma visibilidade e representatividade da situação e colaborar para que o preconceito ou estigma se cesse.

“Uma mudança cultural a partir da disseminação de conceitos, comportamentos e atitudes igualitárias, que valorizem a diversidades e as diferenças culturais entre os sujeitos e desestabilizar os discursos discriminatórios (racistas e sexistas)” (GOELLNER et. al., 2009, p. 6-7).

No caso específico das pessoas transexuais, tais ações são de reconhecimento próprio da identidade que possuem. É a ideia básica da teoria de Axel Honneth que se concretiza ao dar espaço para a liberdade de cada um.

 Conceitos a Aprender

Sexualidade: aspeto central do ser humano durante toda sua vida e abrange o sexo, as identidades e os papéis de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experimentada e expressada nos pensamentos, nas fantasias, nos desejos, na opinião, nas atitudes, nos valores, nos comportamentos, nas práticas, nos papéis e nos relacionamentos. É influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais.

Identidade sexual: refere-se ao sexo pelo qual uma pessoa se sente sexualmente atraída

Identidade de género: sentimento de ser do género feminino (mulher) ou do género masculino (homem) independentemente da anatomia.

Disforia de género: usado para descrever sintomas de desconforto, inquietação, mal-estar e angústia com o sexo anatómico.

Transgénero: É um indivíduo cuja identidade de gênero difere em diversos graus do sexo biológico.

Intersexualidade/intersexual:  é o termo usado para designar uma variedade de condições em que uma pessoa nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição típica de sexo feminino ou masculino. (ex. uma pessoa pode nascer com uma aparência exterior feminina, mas com anatomia interior maioritariamente masculina.)

Transgénero: É utilizado para designar pessoas trans/transexuais, Intersexo, e pessoa que se identificam fora do binarismo masculino/feminino. Inclui ainda pessoas cujo comportamento e expressão de género é incongruente com as expectativas sociais

Transsexual (trans): Pessoa cuja identidade de género incongruente com o sexo atribuído à nascença, e geralmente vive ou pretende viver socialmente de acordo com o sexo contrário ao atribuído ao nascimento, independentemente das intervenções médicas a que se tenha submetido ou que pretende submeter-se.

Mulher Trans: Pessoa cuja identidade de género é feminina e que vive ou pretende viver de acordo com essa identidade, e cujo sexo atribuído ao nascimento foi masculino.

Homem Trans: Pessoa cuja identidade de género é masculino e que vive ou pretende viver de acordo com essa identidade, e cujo sexo atribuído ao nascimento foi feminino

Cisgénero: Pessoa cuja identidade de género corresponde ao sexo atribuído no nascimento. Disforia de Género – Sofrimento associado à incompatibilidade entre o género atribuído a uma pessoa no nascimento e a identidade de género. A APA em 2013, adotou o termo para o diagnóstico clínico, em detrimento do antigo diagnóstico.

Reflexão e respostas

A temática é complexa, a dignidade e os direitos têm de ser garantidos a todas as pessoas, neste caso, às pessoas da comunidade transexual na esfera desportiva. A voz da comunidade sobressai cada vez mais e é através dela que as respostas às questões de partida desta investigação vão sendo dadas. As associações servem para proteger e garantir que as regras se cumprem, por isso mesmo, deveriam ser repensadas no que toca à integração e aceitação da comunidade trans nos vários desportos. 

É necessária uma mudança nas regras, normas para a proteção, para o respeito e para a inclusão da comunidade, não só na esfera mediática, como também nas restantes esferas, mais especificamente na esfera desportiva, para isso é preponderante que se ouçam mais testemunhos que pertençam a esta comunidade e que estes guiem o processo destas normas.