Basquetebol: “um dos grandes desafios é manter todos os miúdos a praticar desporto”

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Basquetebol: “um dos grandes desafios é manter todos os miúdos a praticar desporto”

A pandemia gerada pelo vírus da covid-19 afetou vários setores em todo o país, e o desportivo foi um deles. As bancadas vazias, os treinos diferentes, o término das competições de formação e ainda o medo e incerteza presentes cada vez que se entra dentro das quatro linhas fazem com que os desportos estejam numa fase jamais vista.

Foi em meados de março que tudo começou. Os treinos pararam, muitos jovens federados deixaram de competir, sendo que as modalidades de pavilhão perderam grande parte dos seus atletas.

Já em finais de julho, quatro meses depois, o Governo aprovou a retoma dos treinos, embora condicionados e com as devidas restrições de modo a não se propagar o vírus em ambiente desportivo. Os treinos voltaram, mas com diferenças significativas.

Nos treinos de sexta feira sinto falta do nervoso miudinho por causa do jogo”

Numa segunda feira de inverno, após uma caminhada friorenta de quase meia hora, entra-se na E.B 2,3 da Maia, lugar onde treina, entre outros, o escalão de sub14 do Maia Basket Clube. Os atrasos do costume, os cordões por apertar, segue-se o novo “protocolo habitual”: mãos desinfetadas, temperatura controlada, máscara a tapar a boca e o nariz e o cantil de água na mão. Estão todos prontos para começar.

No final do treino, aproxima-se à “zona de entrevistas rápidas” Duarte Nunes, um jovem de 13 anos, praticante de basquetebol desde os quatro, que se afirma este ano como capitão da sua equipa.

EB 2,3 da Maia

No âmbito dos treinos, Duarte encontra aspetos positivos, referindo que “criamos laços que nos permitiram neste momento estarmos muito unidos, de termos diferentes temas de conversa. Claro que perdemos a forma de jogar com contacto mas estamos a desenvolver cada vez mais as nossas capacidades individuais”.

Como muitos outros jovens, também ele se sente desmotivado com a falta de competição, dizendo que “a minha motivação não está no máximo como é normal, mas tenho de me habituar a esta nova realidade, continuando a lutar a todo o custo. Nos treinos de sexta feira sinto falta do nervoso miudinho por causa do jogo”.

Quando abordado para falar enquanto capitão sobre o estado de espírito da equipa, Duarte não hesita em dizer: “estamos bem, tentamos não falar muito dos jogos pois acabamos por ir abaixo e sentimos saudades de jogar mas temos de nos familiarizar com isto tudo”.

“Devemos desenvolver competências como o planeamento e a reinvenção”

Paulo Pinto tem 24 anos, iniciou no ano de 2020 a sua sexta época como treinador do Maia Basket após mais de uma década ligado à modalidade enquanto atleta.

Paulo Pinto, treinador do Maia Basket Clube/ Foto cedida pelo próprio

Nos dias de hoje, também os treinadores sofrem por não haver jogos ao fim de semana. O medo de tornar os treinos desinteressantes e fastidiosos gera algumas dores de cabeça na hora do planeamento.

Então o que se deve fazer? “Devemos desenvolver competências como o planeamento e a reinvenção. Temos de planear os treinos de maneira diferente, de trabalhar novos métodos, novas metodologias, trabalhar outros conteúdos que não daríamos tanto ênfase nestes escalões de formação”, refere o jovem treinador.

Habitualmente, o planeamento tem em vista a definição dos objetivos a atingir no treino, contudo, o conceito da competição tem de estar intimamente presente, mas, no momento atual de pandemia, não há competição, nem a meio da semana, nem aos fins de semana, ou seja, é diferente e há adaptações a fazer na hora de planear. “É diferente tendo em conta o nível motivacional com que as crianças vêm para o treino. Nós treinadores temos de arranjar sempre maneiras diferentes de motivar os miúdos para não cair no erro de tornar os treinos monótonos e repetitivos”, refere Paulo, concluindo que, nos dias de hoje, “um dos grandes desafios é manter todos os miúdos a praticar desporto”.

As pernas abanam de frio, as mãos tremem de tão gélidas que estão, mas mesmo assim, Paulo termina a “conversa de café” com o mesmo entusiasmo de quando começou, desvendando a sua estratégia para motivar os atletas neste momento tão atípico. “Motivo de maneiras diferentes. Faço desafios, pequenas competições de lançamento, tenho dado um cheirinho do que é a verdadeira competição, claro que sem contacto. Este mês, por acaso, vou dar uma camisola de NBA ao vencedor. Aos poucos vou sentindo-os mais motivados e isso nota-se na performance dos treinos.”

“A equipa está a fazer um bom trabalho, estamos a desenvolver muito as qualidades técnicas já que não temos jogos”

Noutro local de treino, o Centro Escolar da Maia, Afonso Bronze coloca os óculos nos olhos para poder ouvir melhor as perguntas. Afonso tem 14 anos e é praticante de basquetebol há quatro, sempre no mesmo clube, o Maia Basket, representando atualmente o escalão de sub16.

A pandemia não afetou muito este jovem atleta a nível desportivo, pois sente-se na mesma motivado, referindo até que “a equipa está a fazer um bom trabalho, estamos a desenvolver muito as qualidades técnicas já que não temos jogos”, mas, tal como muitos outros, também sente a falta de entrar dentro das quatro linhas pronto para competir contra outras pessoas que não sejam os seus colegas de equipa.

Esta época, mesmo com o covid à mistura, surgiram atletas novos na sua equipa, mas Afonso, tal como os colegas, introduziu-os bem, o que provocou uma melhor adaptação numa altura tão atípica, e os ajudou a evoluir enquanto grupo. “Apesar de termos aqui colegas novos, estamos a integrá-los bem no grupo, a nível de qualidade de Basket estamos a evoluir pois não temos tanto a pressão dos jogos”, refere Afonso, um pouco nervoso.

“Estou um bocadinho desmotivado, sinto também que não me esforço tanto, e parece que desaprendi algumas coisas que sabia fazer bem”

Depois de Afonso, aflito por voltar ao treino, Lucas Silva, atleta de 14 anos que pratica basquetebol há quatro, também no Maia Basket Clube, e atualmente às ordens do plantel de sub16, relata a experiência recente.

Tal como os 220.000 jovens federados que deixaram de praticar desporto, também este atleta se sente entristecido com a situação atual do desporto, referindo, cabisbaixo, “estou um bocadinho desmotivado. Sinto também que não me esforço tanto, e parece que desaprendi algumas coisas que sabia fazer bem”. Afonso, felizmente, não se desligou da modalidade, mantendo a prática desportiva embora sem o entusiasmo de outros tempos.

Tal como Afonso, também Lucas reflete que o único aspeto positivo que a pandemia trouxe no seio do desporto foi o desenvolvimento das capacidades individuais, referindo ainda que “quando houver o contacto vai ser completamente diferente”.

A pandemia começou a atingir Portugal em meados de março de 2020, mas só na reta final de 2021 se espera estabilidade, e como tal, Afonso e Lucas fazem um balanço daquilo que viveram e vão viver nestes próximos meses.

No caso de Afonso, o jovem acredita que “quando isto passar vou sentir que ganhei um ano de Basket, mas perdi um ano de competições”, pois, como já foi referido anteriormente, os jovens têm o treino dedicado ao aperfeiçoamento das técnicas individuais ao invés de se prepararem para a competição. Do outro lado também Lucas Silva, parceiro de equipa de Afonso, não encontra palavras para adjetivar esta pandemia, mas afirma “que perder um ano na totalidade não, mas podíamos ter evoluído muito mais e ficamos sufocados com a técnica individual”.

Centro Escolar da Maia

No dia de treino destes dois jovens atletas estava previsto acontecer um concurso de habilidades individuais, o chamado “skills”, um projeto de três dias que envolvia uma organização da Associação de Basquetebol do Porto (ABP), e da Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), onde os atletas de vários clubes disputariam, entre equipas de cinco elementos, uma competição extra calendarizada de modo a que os atletas ganhassem uma motivação acrescida face ao término das competições onde participavam.

Estava tudo pronto para o concurso, mas o evento foi cancelado. O sucedido gerou um descontentamento muito grande nestes atletas que despenderam algumas semanas do seu trabalho desportivo a treinar de modo a competirem ao mais alto nível.

Afonso Bronze e Lucas Silva iam ambos participar nesta competição, e viam-na com muito entusiasmo, mas tiraram-lhes o “pão da boca”. Lucas foi o que sentiu mais, mencionando até “fiquei triste, já sentia aquela pressão como fosse um jogo, ou até mesmo mais do que um jogo. Acho que a Associação devia apostar mais nestes eventos pois é uma motivação extra para continuarmos a competir entre equipas sem haver contacto”.

“Neste momento registamos uma quebra de cerca de 40% de atletas inscritos face ao mesmo período da época anterior”.

É tempo de fazer a última viagem.

No Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), onde se encontra Paulo Neta, Diretor Técnico da Associação de Basquetebol do Porto (ABP) , refere que “neste momento registamos uma quebra de cerca de 40% de atletas inscritos face ao mesmo período da época anterior, fundamentalmente nos escalões do Minibasquete e sub14”, sendo este um dos grandes problemas que a pandemia trouxe, ou seja, a desistência de muitos atletas, seja por medo ou até mesmo por falta de motivação, quebrando o maior objetivo dos treinadores e representantes desportivos, que é a manutenção dos jovens na prática desportiva.

Mas e os miúdos, não sentem necessidade de competir? Segundo o Comité Olímpico Nacional, cerca de 220.000 atletas federados deixaram a prática desportiva, fazendo com que os desportos de pavilhão perdessem 80% dos seus praticantes.

O ano transato foi muito atípico em todos os sentidos e, como tal, a formação desportiva parou, fazendo com que os escalões de sub18 e sub19, [o último escalão de formação, quer masculino, quer feminino], também parassem. Surgiu, por isso, a necessidade de impedir que estes atletas atingissem o patamar de sénior, após um ano sem competir. Deu-se então a ideia de criar um escalão suplementar, os sub21 que, apesar de já ter sido equacionado antes da pandemia, só agora foi implementado, sendo que “o seu objetivo é criar um espaço competitivo de progressão para os/as atletas recém subidos do escalão abaixo (S18M e S19F) com alguma dificuldade de afirmação na equipa sénior do seu clube. É dos poucos aspetos positivos duma época tão difícil para o desporto em geral e para o basquetebol em particular”, frisa Paulo Neta.

O mês é janeiro do ano de 2021, e cerca de dez meses de pandemia depois, os campeonatos de formação não retomaram. Para contrariar o défice e a perda de mais praticantes desportivos, “em articulação com a Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), está a ser apresentado um conjunto de propostas de atividades que têm como objetivo tentar manter os/as atletas motivados”, remata Paulo Neta.