Catarina Valadas vive de incertezas e da esperança de um regresso progressivo aos palcos
- Esperança Joaquim
- 11/12/2020
- Arte e Culturas Atualidade Música Portugal
Desde o começo da situação precária que Portugal e o Mundo vivem por conta da pandemia do novo coronavírus, várias atividades e setores foram severamente afetados, em particular o entretenimento e eventos artísticos. Para obedecer às medidas sanitárias que proíbem aglomeração de pessoas, os espetáculos foram cancelados, ficando assim os músicos impedidos de fazer as suas normais apresentações.
Os profissionais da música tiveram de procurar formas de se adaptar à “nova normalidade” determinada pela pandemia. Depois de meses de confinamento e de incertezas durante a primeira vaga, os concertos e espetáculos regressavam, embora timidamente e a ritmo lento, mas com o agravamento dos casos, vários concertos foram cancelados. Entre a experiência que teve na primeira vaga e esta nova fase, a cantora e flautista Catarina Valadas afirma ter aumentado as suas incertezas.
“Não sei se muda tanta coisa assim, talvez aumente a incerteza. Na primeira vaga fechou tudo, estávamos todos em casa não havia concertos, foi tudo cancelado. Entretanto, com desconfinamento voltaram devagarinho, os concertos em menor número e com as normas de segurança que todos conhecemos. Nesta segunda vaga, já percebemos que a cultura é segura, que as salas de espetáculos cumprem à risca todas as normas de segurança e que são seguros. Mas de repente, nesta segunda vaga, que não é um confinamento total, cancelam-se concertos, por isso a incerteza é maior, sublinha a cantora. Se antes ainda não havia maneira de perceber como se podia conjugar isso, haver concertos e as pessoas poderem ir aos concertos sem correrem risco de contágio, agora já sabemos como é que se pode fazer, e ainda assim os concertos são cancelados.”.
Sendo a arte um setor com uma certa necessidade de envolvimento com o público, no caso dos músicos não independentes, as dificuldades em manter e lançar projectos aumenta e isso pode comprometer a sua fonte de rendimentos, como nos conta a música.
“O setor artístico e cultural neste momento está sem rumo, há muita gente que está a desistir desta profissão. Há uns tempos apanhei um Uber, e no meio da conversa com o motorista do Uber deixei escapar que ia ter um ensaio o que ele pergunta, também é música? Era um senhor de cerca de 60 anos que pela primeira vez desde que trabalha, não está a fazer música. Há um mês que estava a conduzir carros da Uber para conseguir pagar contas, e isso foi bastante sintomático para mim do que se passa neste momento. Com todas as incertezas dos cancelamentos, é um impacto muito grande porque agora não vamos conseguir marcar nenhum concerto, conta. O setor artístico e cultural é muito maior do que se pensa. Estamos a falar de músicos, atores, técnicos, assistentes de sala, assistentes de palco… um setor gigante que foi o primeiro a fechar e vai ser dos últimos a conseguir regenerar-se”, salienta a artista.
Como cantora e flautista, o virtual passou a estar presente no seu cotidiano: é aqui que acontecem os ensaios com os grupos, as composições, todas as tarefas burocráticas para os editais e divulgação do seu trabalho, as apresentações e espetáculos, que ficaram impossibilitados ou foram cancelados.
A jovem música natural de Espinho, confessa não ter conseguido reinventar-se apegando-se à esperança de uma melhoria progressiva.
“Se calhar não me tenho consigo reinventar na verdade! Este ano continuo num projeto que ponho crianças de escolas de Gaia a cantar. Para além disso, na verdade os meus rendimentos continuam a vir dos concertos, que eu todas as semanas rezo para que não sejam cancelados. Por isso ainda não concretizei um plano B, tenho conseguido manter-me dentro do limite e mantido a esperança que as coisas melhorem progressivamente”, confidencia.
“Durante o primeiro confinamento, os músicos foram chamados a apresentar o seu trabalho em versão lives de Instagram, concertos de Instagram. Não fiz nenhum, porque acho que é preciso se ter cuidado (não cenuro quem o fez nessa altura), sobre a forma como oferecemos o nosso trabalho, porque ainda é preciso educar um público para que seja normal e habitual que o trabalho do músico seja remunerado. A certa altura houve essa discussão que foi importante e interessante”, ressalta.
Sem apresentações presenciais, as plataformas digitais (como o Instagram, Facebook e TikTok, por meio da interação como lives) para alguns músicos, tornaram-se uma alternativa para se manterem no ativo. Para Catarina “essas plataformas são neste momento indissociáveis da promoção do músico e do artista, mas não podem ser alternativa absoluta aos concertos ao vivo, porque são coisas diferentes. Ver um vídeo de YouTube de um artista de quem eu gosto muito, não é a mesma coisa que assistir a um concerto ao vivo, consumir e a contribuir para este artista, por isso acho que tem que haver um balanço. É super importante a distância do Facebook e do Instagram como meio de promoção do artista, mas não pode deixar de haver concertos ao vivo e haver apenas concertos nas redes sociais. Momentaneamente sim, mas nunca será uma alternativa eficaz, muito menos para a sobrevivência do artista”.
É sabido que, as atividades artísticas estão entre as mais afetadas pelos efeitos do distanciamento social. E como profissional da música, Catarina Valadas revela não sentir uma inclusão no apoio do Estado ao setor artístico cultural.
“Não sinto honestamente que o auxílio do Estado esteja a ser o mais indicado neste momento. Há umas migalhas que vão chegando aqui e ali, mas não uma política de apoio concreta. O ministério da cultura abriu um apoio que não chega a toda a gente e está muito complicado. Há muitas pessoas neste setor inclusivamente a passar fome. Mais do que o Estado, tem havido maior ajuda de associações, como a Gestão dos Direitos dos Artistas ou a União Audiovisual, com muitos apoios. A União Audiovisual na recolha de bens alimentares para as famílias no setor cultural mais afetadas, a Gestão dos Direitos dos Artistas no lançamento de várias linhas de apoio, além de ter adiantado também a distribuição dos direitos conexos dos artistas. Acho que estas instituições têm sido as que têm ajudado mais. Parece-me que seria importante o ministério ouvir os artistas e perceber quais são as dificuldades do artista”, finaliza Catarina.