Cerco das Finanças deixa escola sem coordenador mais de dois anos

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Silêncio do Ministério colocou funcionário escolar na Póvoa de Varzim a desempenhar novas funções, ilegalmente e sem atualização salarial

[Texto de Diana Ferreira, Diogo Azevedo, Guilherme Caroço, Henrique Silva e Tiago Oliveira]

Em 2019, o Ministério das Finanças passou a exigir o controlo total da mobilidade dos funcionários públicos nas funções que lhes são atribuídas. Na Póvoa de Varzim, um Assistente Técnico foi nomeado para substituir temporariamente uma Coordenadora que, a meio do processo, acabou por falecer e continua por substituir, agora, definitivamente. Um processo que era despachado, em média, em dois meses, está por resolver há dois anos.

Pedro Malta foi nomeado Coordenador Técnico da Escola Secundária Rocha Peixoto (ESRP), na Póvoa de Varzim, em julho de 2020. É, ainda oficialmente, Assistente Técnico na secretaria da escola e foi escolhido pelo diretor, Albertino Cadilhe, para coordenar os serviços administrativos. O processo que coloca o funcionário nas novas funções designa-se Mobilidade Intercategorias

Os serviços administrativos da instituição escolar poveira formalizaram o pedido junto do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE) e da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), mas a lei foi alterada e tiveram de reiniciar o processo porque, segundo informação da DGAE à escola, a sua plataforma não estava preparada para processar os novos pedidos de mobilidade.

Mobilidade Intercategorias: Modalidade da função pública em que o funcionário propõe-se ou é proposto para novas funções, dentro da mesma instituição ou serviço público. Há uma transferência da situação laboral do trabalhador, por razões de interesse público e aumento da eficácia dos serviços que irá prestar.
De acordo com a Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), a “mobilidade consubstancia uma modificação transitória da situação funcional do trabalhador, dentro do mesmo órgão ou serviço, ou entre órgãos ou serviços diferentes”.

Foi a própria escola que se apercebeu que o processo não tinha sido bem acolhido pelo sistema. Tinha sido registado como “rascunho” e não tinha sido dado “seguimento”. Pedro Malta explicou: “Nós ligamos para lá a perguntar o que é que se passava e eles disseram que tínhamos de ter mandado uma carta registada ou pela plataforma E72, que é o correio interno da DGAE, todo o processo porque a plataforma não estava preparada para a mobilidade intercategorias de assistente técnico para coordenador técnico”.

Pedro Malta | Assistente Técnico na Escola Secundária Rocha Peixoto

Depois de uma nova falha da DGAE, que não conseguia localizar os documentos na sua plataforma, o processo entrou em “procedimento administrativo”, para ser analisado. Ao contrário do habitual até 2019, o pedido de mobilidade teve de se sujeitar à validação por parte do Ministério das Finanças. Antes dessa centralização, era suficiente o parecer da DGAE, que analisa a pertinência da nomeação dos funcionários públicos nas escolas, e do IGeFE, que valida os pressupostos financeiros. Era emitido assim um despacho de mobilidade que colocava o funcionário público numa nova carreira ou categoria da função pública, de forma temporária. A validação pelo Ministério das Finanças era apenas necessária para efeitos de consolidação da categoria.

Albertino Cadilhe | Diretor da Escola Secundária De Rocha Peixoto

Para explicar o processo, Albertino Cadilhe, Diretor da Escola, retrocedeu ao momento em que foi pedido “regime de substituição” para o funcionário. Relatou que o pedido foi feito por escrito. “Colocamos as questões e foi relatada, ao abrigo do código de procedimento administrativo, a designação de Pedro Malta, para desempenhar as funções”.  Antes disso, o pedido foi para “o ministério que supervisiona a situação”, mas o processo não decorreu “nos termos normais”. Albertino Cadilhe lamentou estar “quase há dois anos nisto. Apesar de sucessivas reclamações, é sempre a mesma resposta”.

Nos pedidos de mobilidade, o procedimento que inclui a DGAE e o IGeFE mantém-se, mas agora o Ministério das Finanças tem de concordar com os pareceres emitidos. Por esse motivo, um processo que se concluía no período médio de dois meses está por concluir há dois anos. 

Esta escola tem sido muito prejudicada com a sucessiva substituição de responsáveis, faz com que não haja uma política, uma personalização dos serviços.”

Albertino Cadilhe, Diretor da Escola

Com a substituição da Chefe dos Serviços Administrativos, a “política educativa da escola” está em risco. Para o Diretor, é o Chefe dos Serviços Administrativos quem “incute um determinado ritmo, uma determinada forma de estar e o rigor” e sublinhou que a constante substituição “afeta a qualidade dos serviços prestados e a qualidade de orientação”.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), não sabe a razão para os processos estarem tanto tempo parados no Ministério das Finanças, ressalvando que “o documento normalmente ia totalmente preenchido pela escola, com o aval do Ministério da Educação. Não havia sombra de dúvidas que é para deferir”.  Um processo burocrático demorado, caracteriza Filinto, é “uma forma do Estado poder poupar uns míseros tostões”.

Filinto Lima | Presidente da ANDAEP

O dirigente reforça que o diretor da ESRP, Albertino Cadilhe, “fez tudo o tinha de fazer, os procedimentos são aqueles que me parece que o colega da Rocha Peixoto adotou”.  O Ministério das Finanças não tinha um prazo estabelecido para verificar e validar os processos, algo que arrastava durante vário tempo, “um ano, dois anos, três anos, uma década. Não havia prazo nenhum”. Para o presidente da ANDAEP, as estruturas superiores deveriam ser “mais céleres”, visto que são “situações muito simples”.  

“Tinha um processo burocrático imenso que passava pelo Ministério das Finanças, onde ficava lá meses sem conta” 

Filinto Lima, Presidente da ANDAEP

Diretor da Escola afasta responsabilidades no processo

Ao #infomedia, Albertino Cadilhe afirmou ter feito tudo para que o caso se resolvesse corretamente e, inclusive, referiu que já expôs a situação ao provedor de justiça. “Agora vamos aguardar. O problema neste país é que a justiça é só aguardar, aguardar e aguardar”, declarou. O diretor garantiu que Pedro Malta fez tudo atempadamente, tal como a escola.  

A questão formal, burocrática é que está atrasada, porque em termos de conteúdo, em termos de forma, não há nenhuma ilegalidade.”

Albertino Cadilhe, Diretor da Escola Secundária Rocha Peixoto

A validade dos documentos escolares oficiais assinados por Pedro Malta é um dos fatores em causa. Albertino Cadilhe defende que, “sendo que o Estado tem conhecimento por escrito da mobilidade, ele foi designado pelo superior hierárquico, o Pedro não tem culpa nenhuma” e “quem está em falta é daí para cima.” O Pedro enquanto coordenador técnico assina tudo e o diretor lembra não haver qualquer ilegalidade.

O diretor da escola declarou que os pedidos de mobilidade nem sempre foram assim e dá o exemplo dos dois chefes anteriores, Sónia e Célia, em que “funcionou com mais semana, menos semana, mais mês, menos mês”.

Reclamações inflamadas. Respostas redundantes. Silêncio do governo.

O pedido de mobilidade intercategorias foi registado na plataforma da DGAE no dia 31 de julho de 2020, depois do despacho de designação emitido pelo Diretor da escola. Passados 17 dias, a técnica da DGAE, Dora Proença, contactou a Escola, por via telefónica, com a informação de que o processo seria revertido porque teria de ser submetido novamente através de outro separador, na plataforma: separador “E72”, ao invés do separador “Mobilidade pessoal não docente” que tinha sido utilizado para pedir a mobilidade. No dia seguinte, os serviços administrativos da Escola Secundária Rocha Peixoto repetiram o processo e submeteram o pedido. A DGAE acusou a receção um dia depois e informou, via correio eletrónico, que o pedido, “a partir da presente data, se encontra em análise”.

Passados 12 dias, a Escola voltou a ser contactada pela DGAE, através do Técnico José Baltazar, que indicou ser necessário o envio de um ofício para que pudesse ser formalizado o processo. A Escola enviou o ofício e foi informada, 12 dias depois, que o processo estava novamente em “procedimento administrativo”, devendo aguardar pelo despacho final. A partir desse momento, os serviços da escola encetaram vários contactos telefónicos a solicitar esclarecimentos, mas a resposta era sempre a mesma – “procedimento administrativo”.

No final do ano de 2020, cerca de cinco meses depois de o pedido de mobilidade ser registado na DGAE, Pedro Malta contactou a entidade, pela primeira vez em nome pessoal, via correio eletrónico. O assistente técnico nomeado coordenador expôs a sua indignação pela demora na resposta: “Considero toda esta demora uma falta de respeito para com os serviços administrativos da Escola Secundária De Rocha Peixoto bem como para com os utentes, que não podem ter uma melhor prestação dos serviços administrativos”. O funcionário lembrou que a situação “está a causar grandes constrangimentos nos serviços administrativos da Escola, uma vez que legalmente não posso assinar qualquer documento como Coordenador Técnico”. A DGAE voltou a responder com o “procedimento administrativo” e recomendou “aguardar pelo despacho que recair sobre a decisão tomada”.

Já em 2021, no dia 4 de janeiro, o Diretor da Escola, Albertino Cadilhe, contactou a DGAE. Fez um resumo cronológico dos acontecimentos mais relevantes e pediu explicações para o facto de o processo ter passado de “procedimento administrativo” para “em histórico”, presumindo que isso significava que o processo tinha parado. Em resposta, a DGAE repetiu a resposta dada anteriormente a todas as comunicações feitas pela escola – “procedimento administrativo”. No mesmo dia, o Diretor voltou a contactar a DGAE, no sentido de acrescentar que o IGeFE tinha deferido o cabimento financeiro ao pedido de mobilidade. Em resposta, a DGAE informou, a 7 de janeiro, que prestava esclarecimentos via telefónica. Informou o Diretor que o processo seguiria imediatamente para o Ministério das Finanças.

A 22 de junho de 2021, ainda sem resposta ao processo que começara a meio de 2020, Pedro Malta voltou a contactar a DGAE e lembrou que o tempo de espera estava prestes a completar um ano. Em resposta, a DGAE assumiu, pela primeira vez, que o processo estava dependente do Ministério das Finanças e pediu para aguardar. No dia 17 de novembro, voltou a contactar a DGAE. O processo levava 16 meses e, além das dificuldades que criava à escola, apontou “toda a incerteza que me causa enquanto trabalhador, quer a nível de trabalho bem como a nível remuneratório”. A DGAE voltou a atirar responsabilidades para o Ministério das Finanças.

As duas últimas respostas da DGAE levaram Pedro Malta a formular um pedido de audiência, 15 dias depois, ao Ministério das Finanças. O ainda Assistente Técnico expôs o seu caso ao gabinete da Secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim, e disponibilizou-se para ir a Lisboa obter esclarecimentos. Um mês depois, a 5 de janeiro de 2022, voltou a contactar o gabinete da Secretária de Estado, por não ter obtido resposta.

As respostas redundantes da DGAE e o silêncio do Governo levaram Pedro Malta a recorrer à provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral. Expôs o caso no dia 23 de fevereiro de 2022, porque estava há 2 meses sem resposta ao pedido de audiência à Secretária de Estado do Orçamento.

Passados 12 dias, o Assessor da Provedora de Justiça, Ricardo Teixeira, informou o Assistente Técnico que a Provedoria tinha enviado, no dia 3 de janeiro de 2022, um ofício ao chefe de gabinete do Ministro das Finanças, João Leão, a recomendar a urgente conclusão dos processos de pedido de mobilidade intercarreiras e intercategorias na função pública. Pedro Malta não era caso único e vários funcionários públicos estavam na mesma situação. Até à publicação do artigo, o #infomedia não conheceu desenvolvimentos do impasse.

Cronologia da correspondência entre a Escola, o Diretor, Pedro Malta e as diversas Entidades Públicas

Provedoria de Justiça acusa o governo de “ofender os princípios constitucionais” 

A Chefe do Gabinete da Provedora de Justiça, Selma Bettencourt, enviou um ofício ao Ministério das Finanças, no dia 3 de janeiro de 2022, dando conta de que estava a receber várias queixas de funcionários públicos que tinham a sua “colocação em mobilidade e cujos processos, tendo merecido a aprovação da Tutela dos respetivos serviços, se encontram pendentes do membro do governo responsável pela área das finanças, desde 2020”.

A Provedoria sustenta que os pedidos de mobilidade são provenientes de pareceres favoráveis responsáveis pelo serviço em que trabalham, mas também das entidades públicas, como a DGAE, o IGEFE – no caso dos funcionários das escolas, e os ministérios que os tutelam.

Na carta dirigida ao Ministério das Finanças, o órgão estatal disse, ainda, que “em alguns casos, sendo mobilidades no âmbito do mesmo serviço, os trabalhadores já se encontram há largo tempo a exercer funções próprias da categoria/carreira para que se opera a mobilidade”, sem que estejam a ser remunerados, pela demora dos despachos a serem emitidos pelo Ministério das Finanças. A Provedoria considera que se trata de uma “realidade que não deixará de ofender os princípios constitucionais que neste domínio são diretamente aplicáveis”.

O envio do ofício da Provedoria de Justiça suportou-se na alínea c) do nº1 do artigo 21º do Estatuto do Provedor de Justiça, que confere poderes para dirigir recomendações às entidades e órgãos do Estado que melhorem a ação administrativa pública e defendam os direitos dos cidadãos. Por outro lado, o artigo 22º do mesmo Estatuto impede a Provedora de “anular, revogar ou modificar os atos dos poderes públicos”. Assim, a carta enviada representou, apenas, uma recomendação.

Novo coordenador técnico substituiu uma doente oncológica e outra com gravidez de risco

Pedro Malta | Assistente Técnico na Escola Secundária De Rocha Peixoto

Os serviços administrativos da Escola Secundária Rocha Peixoto eram coordenados há vários anos pela mesma funcionária. A responsável pelos serviços era abrangida por uma carreira de subsistência (atribuída de forma excecional aos funcionários públicos cuja carreira foi extinta, até à sua aposentação). Assim, a Escola Secundária poveira era coordenada por uma – categoria extinta pelos Nos governos de José Sócrates, a carreira de “Chefe de Serviços” foi substituída pela atual categoria de “Coordenador Técnico”.

Antes de Pedro Malta ingressar, como Assistente Técnico, na Rocha Peixoto, a “Chefe de Serviços” ficou gravemente doente e nunca mais regressou ao serviço – acabou por falecer sem ver concluído o processo que haveria de a substituir.

Em 2018, quando Pedro Malta voltou aos serviços administrativos da Rocha Peixoto, estava uma funcionária a substituir a “Chefe de Serviços”, que já estava doente. Mas a Coordenadora substituta tinha tido uma gravidez de risco e faltava constantemente ao serviço, com complicações pós-parto. A lei diz que, se o funcionário público em mobilidade intercategorias faltar por mais de 30 dias, regressa automaticamente à categoria de origem e deve ser nomeado um novo coordenador. “O diretor entendeu, em concordância comigo e com a colega, que o melhor era a colega não continuar, porque ia abrir uma grande instabilidade. Devia continuar eu”, explicou Pedro Malta.

Questionado sobre a possibilidade de Pedro Malta recusar a nomeação como Coordenador Técnico, o diretor afirmou que “a lei é muito clara: não pode recusar”, a não ser que o ato implique um crime. Efetivamente, Pedro Malta só podia recusar o cargo se o diretor o aceitasse. O funcionário tem de diligenciar um recurso e, enquanto não existe uma resposta, “mantém-se em funções”, advertiu o diretor.

Albertino Cadilhe | Diretor da Escola Secundária De Rocha Peixoto

Não é uma promoção, é uma função. Se tem associada ou não uma valorização financeira, é outra questão. Alguém tem de exercer a função.”

Albertino Cadilhe, Diretor da Escola Secundária Rocha Peixoto

Há mais de dois anos que Pedro Malta exerce funções para as quais não tem um cabimento e não recebe a devida remuneração. “Prevalece aqui o princípio da boa-fé”, refere Albertino Cadilhe. Se o Estado, “mais cedo ou mais tarde, decidir e pagar retroativamente, considerando todo o tempo no exercício do cargo”, é feita justiça. O processo de Pedro Malta encontra-se, ainda hoje, em “regime de substituição”. Uma vez que a mobilidade ainda não está fechada, “não pode pedir a consolidação”, conclui Albertino Cadilhe. Após seis meses em cumprir funções, o Chefe dos Serviços Administrativos pode requerer a consolidação do cargo, algo que é verificado e decidido pelo diretor.

Uma escola não funciona sem coordenador técnico

A categoria de coordenador técnico é essencial ao funcionamento dos serviços administrativos de uma escola pública. “Uma das coisas que pode acontecer é a nível de emissão de certificados de habilitação. Pode haver falhas. O sistema de verificação não funcionar direito”, advertiu Pedro Malta.

A validação e assinatura de atos administrativos e documentação crucial para os alunos e para a própria escola é orientada pelo coordenador administrativo que, muitas vezes, também os assina. O responsável pelos serviços administrativos da escola está habilitado a despachar decisões em nome do diretor da Escola. Na sua ausência, o trabalho acaba por recair todo sobre o diretor.

No final do ano letivo, um dos documentos mais requeridos pelos alunos às instituições escolares é a ficha ENES, que incorpora a média final do Ensino Secundário e permite a candidatura ao Superior. A ausência da chefia do Coordenador Administrativo pode levar à validação dos documentos com médias erradas porque, “se não houver uma estabilidade de quem está na chefia, pode não fazer aquilo de forma correta e beneficiar ou prejudicar os alunos”, alertou Pedro Malta. Para o funcionário público, havia o risco de a escola ser responsável por um aluno não poder candidatar-se ao ensino superior, por falta da documentação necessária.

“A senhora secretária de Estado [da Administração Pública] do anterior governo, Inês Ramires, disse foi que havia umas dezenas valentes [de processos] à espera de despacho”.

Lurdes Ribeiro, Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte

Lurdes Ribeiro, do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN) explicou que nenhuma escola pode funcionar sem um coordenador técnico. Segundo a dirigente sindical, existem dois aspetos para a nomeação dos coordenadores técnicos: a primeira, prende-se com a apetência do trabalhador para a função que irá desempenhar; a segunda é uma escolha do diretor da escola, ou seja, o diretor nomeia a pessoa que, no seu entender, tenha competência para desempenhar o cargo.

No entanto, afirmou conhecer tês ou quatro casos de assistentes técnicos a exercer funções de coordenadores técnicos. E porquê? Porque ainda não lhes foi atribuída a mobilidade intercategorias. Caso diferente é o de aproximadamente 200 pessoas que já se encontram em mobilidade e a auferir o respetivo salário da função, mas que ainda aguardam despacho de consolidação – informação que lhe terá sido dada pela secretária de Estado da Administração Pública do anterior governo, Inês Ramires. Para a dirigente do STFPSN, o facto de cerca de 200 pessoas se encontrarem a aguardar despacho de consolidação há algum tempo, é culpa do Ministério das Finanças e revela uma certa incompetência.

Lurdes Ribeiro, Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte

Coordenador técnico exerce funções de forma ilícita, mas desconhece implicações

A análise de um despacho de mobilidade intercategorias demorava, em média, dois meses – um prazo “tolerável”, considera Pedro Malta. “Mais que isso não, porque a direção já estava muito absorvida por muito trabalho burocrático”, acrescenta.

A realidade é que o processo leva já dois anos sem respostas. O funcionário nomeado não podia “assinar requisições e certificados que habilitações, que são imensos, e outro tipo de documentos que passam pelo crivo do coordenador técnico”, forçando a direção a fazê-lo. Pedro Malta admitiu que, “a dada altura, o diretor e eu reunimos e assumimos um pouco a responsabilidade, porque não podia continuar aquela situação”.

Lurdes Ribeiro, do STFPSN, acrescenta que na administração pública tudo o que não for legal, torna-se nulo. No entanto, acredita que o funcionário em causa não terá qualquer repercussão legal, uma vez que todas as funções que exerceu são do conhecimento do diretor.

Qualquer coisa que na administração pública não seja legal, quer dizer que é nula. Não obriga nada.”

Lurdes Ribeiro, Dirigente Sindical – STFPSN

Pedro Malta tem consciência de que está a praticar um ato ilícito, mas a escola não possui um departamento jurídico que acautele questões legais e, por isso, não conhece as implicações por estar a desempenhar uma função para a qual a DGAE não deu deferimento. “Neste momento não procuramos isso. A questão é que a situação é insustentável e não podemos olhar a meios, porque aí começa a ficar em incumprimento a escola”, justificou.

Uma carreira na função pública plena de experiências com mobilidades

Pedro Malta iniciou a sua vida profissional como assistente técnico na Escola EB 2,3 de Beiriz, na Póvoa de Varzim. “Depois, quis novos voos e fiz um pedido de mobilidade para a Rocha Peixoto, que me foi concedido”, explicou. Conseguiu deslocar-se para a Escola Secundária da cidade porque uma funcionária dessa Escola queria desempenhar funções em Beiriz. Ambos pediram consolidação nos respetivos novos locais de trabalho. A colega de Beiriz conseguiu, mas foi recusada a Pedro Malta, que teve de regressar a Beiriz.

Insatisfeito com a recusa, o funcionário público pediu mobilidade para a Escola EB 2,3 de Rates, também na Póvoa de Varzim, por ser mais perto da sua residência, mas voltou a ser travado pelas entidades públicas responsáveis pelo processo. Consideraram que o seu pedido não era do interesse público.

A intenção de Pedro Malta era desempenhar funções na Escola Secundária Rocha Peixoto. “Passados seis meses voltei a pedir, como a lei permite, se voltar a pedir eles não podem recusar”. Nessa condição, pediu mobilidade para a Rocha Peixoto e conseguiu consolidar, na categoria de Assistente Técnico.

“Foi um mau presente deixado para as autarquias”, lamentou Filinto Lima

Em declarações ao #infomedia, Filinto Lima, da ANDAEP, afirmou que a situação de Pedro Malta é “um caso comum”. O dirigente reforçou que o governo “descartou-se completamente” da responsabilidade de regularizar processos de “designação do coordenador dos assistentes técnicos” até 31 de março. 

No dia 1 de abril deste ano, a competência sobre as escolas foi transferida para as autarquias, incluindo os processos não regularizados pelo Governo. Os ministérios da Educação e das Finanças não foram “céleres na resposta”. Filinto Lima revelou que no “Ministério da Educação era onde o processo estava parado menos tempo”, sublinhado que os processos estavam no Ministério das Finanças “meses sem conta, anos sem conta, para obter um simples visto”.

Há montes de casos iguais a esse. Não é caso único” 

Filinto Lima, Presidente da ANDAEP
Filinto Lima | Presidente da ANDAEP
Ministério apropria-se de verbas próprias da Escola
Albertino Cadilhe revelou que sempre procurou utilizar verba disponível para investir em equipamentos que trouxessem rentabilidade própria à Instituição. Com a construção do pavilhão, das piscinas e a reabilitação dos campos de futebol, a Escola tornou-se atrativa para o aluguer dos seus espaços a cidadãos externos ao ambiente escolar. Fora do período letivo há mesmo aulas de natação na nova piscina da Escola.
As receitas arrecadadas são entregues ao Ministério das Finanças porque a escola não deixa de ser um organismo público, mas devem ser devolvidos. No ano letivo de 2020/2021, a Rocha Peixoto conseguiu lucrar 180 mil euros com atividades próprias e o aluguer dos seus equipamentos. O Ministério cativou a verba e, no final do ano letivo de 2021/2022 a verba ainda não tinha sido devolvida.

A normalização do processo de Pedro Malta seria mais fácil “antes do dia 1 de Abril, porque a pressão era feita no Ministério da Educação”, refere o presidente da ANDAEP. Agora, cada funcionário tem de pressionar a sua autarquia e, “com o apoio de alguém, diligenciar ou marcar uma audiência na Câmara, com o vereador da Educação”.

Transferir o processo para as as autarquias permite colocar mais pressão no poder político. Albertino Cadilhe não acredita que o problema se resolva no imediato, até porque admite estar ainda numa “fase de transição”.  “Se fosse pegar neste exemplo diria que está a funcionar pior. Agora a câmara que tem uma visão global pode dizer assim: o melhor é fazer uma bolsa de recrutamento para todos, vem aí o verão, aguenta-se aí mais um bocado e quando começar o ano está tudo ok e toda a gente é substituída”, referiu o Diretor.

Por outro lado, o Diretor da Escola Poveira considera que Pedro Malta terá vida facilitada, na medida em que a Câmara “está mais perto, é muito mais fácil o Pedro chegar lá”.

Entidades públicas atiram responsabilidades entre si

Contactada pelo #infomedia, a Direção-Geral da Educação do Ministério da Educação (DGE) reencaminhou o contacto para a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) por “se tratar de matéria da competência daquela entidade”. A DGEstE respondeu que as questões realizadas não se localizavam no âmbito do serviço. Quanto ao Ministério das Finanças, não respondeu a qualquer contacto atempadamente.

Guilherme Caroço

Guilherme Caroço, 21 anos. Sou colaborador na editoria de saúde na plataforma #Infomedia.