Comprar menos, comprar melhor: startups portuguesas contra os efeitos da fast fashion
- Inês Santos
- 27/12/2021
- Atualidade Portugal
A fast fashion é a segunda indústria mais poluente para o planeta e os seus impactos mostram cada vez mais a urgência da sustentabilidade na produção. Em Portugal, nos últimos anos têm surgido diversas startups envolvidas com a reciclagem, que tendem a promover a sustentabilidade para a indústria da moda, como é o caso da Shoevenir, da Nutch e da Maria Maleta.
[Texto de Inês Santos]
Com o aparecimento da indústria de fast fashion, moda rápida, o modelo de produção de fabrico em grande escala, de consumo e de descarte tornaram-se moda e fizeram surgir vários impactos socioambientais. A conduta consumista em torno desta indústria é incentivada pelos preços baixos que estimulam o consumidor.
Este tipo de produção em grande escalada da indústria têxtil surgiu durante a década de 90 devido à globalização das tendências. A urgência de lançar novas peças rapidamente para dar resposta ao consumo acelerado e às coleções quase semanais fazem as marcas produzir peças com baixa qualidade e pouco duráveis. A rápida globalização da indústria de fast fashion teve também fenómenos impactantes na moda e nos hábitos de vestuário locais provocando a sua descaracterização.
Num mundo onde a consciencialização da fragilidade da natureza está cada vez mais presente e onde a questão da sustentabilidade tem vindo a ganhar mais relevo, os consumidores e os próprios produtores têm procurado formas de combater este problema. Uma prova disso é a startup Maria Maleta, que se destina à produção de malas feitas primordialmente por pele. A pele é a matéria-prima que mais possui durabilidade e, tal como explica Daniela Marques, uma das co-fundadoras, “nós defendemos um bocadinho a sustentabilidade nesse sentido, que seja o mais durável possível.”
A marca foi fundada pelas duas melhores amigas, Daniela e Ana, formadas em Saúde, que num momento de “gap” criativo acharam que a criação de um produto seria ideal. Viram nas malas uma forma de se encaixarem com um design um bocadinho diferente daquilo que já existia no nosso país. Como só uma medida não chega para ajudar na sustentabilidade, a marca reutiliza todo o material que sobra para produzir novos produtos, como malas mais pequenas, acessórios para sapatilhas e bolsos para as malas onde “nenhum deles é igual”, uma vez que provêm desse aproveitamento do desperdício.
Eu acho que é um aproveitamento total de toda a matéria-prima, é assim que uma startup começa a tentar ser o mais sustentável possível.
Os consumidores deitam ao lixo mais roupa do que os próprios produtores. Só 15% das roupas usadas pelo consumidor são recicladas em contraposição com os 75% de roupas reutilizadas que são recicladas pelos próprios fabricantes. (dados Eco Friendly Habits). Os dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) relativos a 2019 revelam que foram recolhidas 185 mil toneladas de resíduos têxteis, o que diz respeito a 3,51% dos resíduos sólidos produzidos em Portugal.
A startup não faz uma produção excessiva dos seus produtos e funciona consoante as encomendas para que também não exista “muita coisa perdida em armazém”. Todos os seus fornecedores possuem um certificado emitido pelo grupo Leather Group e, embora nem todas as matérias-primas sejam produzidas em Portugal, toda a produção das malas é totalmente nacional.
Com uma escala de produção pequena e com um reduzido número de pessoas a trabalhar, as máquinas apenas são utilizadas para o corte de alças uma vez que a precisão do corte assim o exige, de resto, todo o restante processo é feito de forma “handmade” recorrendo apenas a máquinas com um instrumento “porque sem isso não se consegue, é preciso o martelo”.
A marca aposta ainda noutros materiais amigos do ambiente, como o biocouro. Este material passa por um tratamento que lhe permite ser mais sustentável e que, no momento da sua degradação, não deixe qualquer vestígio. Numa das suas coleções a startup utilizou matérias-primas vegan vindas de garrafas de plástico recicladas. Daniela destaca que a aposta na área correu bem e que teve uma boa aceitação, mas a longo prazo “recebemos referências de que não dura tanto e que manchou.” Esta matéria-prima ainda é muito recente no mercado e ainda não foram realizados muitos testes e, desta forma, ainda há riscos a correr na sua produção.
“Comprar menos mas comprar com qualidade”
A sustentabilidade no mundo da moda também se estendeu ao calçado. A Shoevenir, que tal como o nome indica, se destina à venda de calçado, foi criada em 2019 pelos amigos Gonçalo e Miguel. Embora a ideia da sustentabilidade não estivesse presente desde o início, a dupla concordou que seria o melhor passo a dar, “percebemos que podíamos atuar nesse campo e que havia muita oferta de materiais sustentáveis e passou a ser só senso comum”, conta o co-fundador Gonçalo Marques.
A startup não utiliza nenhum produto de origem animal e, utiliza na sua maioria materiais “eco-friendly”, como a cortiça, que é utilizada para fazer as palmilhas das sapatilhas, uma sola 100% reciclável e, o poliéster que é utilizado para a parte exterior da sapatilha é totalmente feito de garrafas de plástico reciclado, tal como explica Gonçalo “as fibras de poliéster reciclado que está no exterior da sapatilha vêm de cadáveres de plástico que entram numa máquina que as tritura, gera o fio e esse fio depois é convertido no poliéster.”
A marca apenas produz aquilo que lhes é pedido e, para tentar atenuar o seu impacto ecológico, planta uma árvore por cada produto vendido. Com uma posição no mercado de “comprar menos mas comprar com qualidade”, a startup não quer “vender muitas Shoevenir, queremos que as Shoevenir durem”.
Acho que acima de tudo é um ativismo direto que enquanto marca acabamos por ter de consciencializar as pessoas e incentivar a pensar um bocadinho antes de comprar, comprar menos e comprar melhor.
Segundo a ONU, são enviadas para os aterros sanitários cerca de 21 biliões de toneladas de têxteis por ano. A composição dos tecidos nestas peças são de difícil degradação e podem permanecer no nosso ecossistema por tempo indefinido, de acordo com a H Sarah Trading – Gestão e Reciclagem de têxteis, quando estes materiais são encaminhados de forma devida, 95% destes são passíveis de reciclagem. |
Apesar de não estarem a 100% envolvidos no processo de produção, uma vez que não pertencem à área da indústria, os criadores reforçam que optaram por escolher fábricas que “tinham mais sorrisos na cara”. O trabalho é realizado por diversas fábricas mas o contacto mais direto é mantido com a fábrica que faz a montagem da sapatilha, onde existe uma grande produção por manufatura “aquilo passa por uma série de postos de montagem que têm mão humana, que molda a sapatilha e monta-a”. Nesta fábrica a maioria dos trabalhadores são mulheres.
“Sabemos que temos margem para melhorar, estamos agora a começar e vamos continuar a trabalhar nesse sentido, até ter um produto mais sustentável.
Os dois criadores salientam que o processo de recolha dos materiais é feito por fornecedores que estão certificados e que garantem que todos os materiais que são utilizados são sustentáveis.
A nova coleção lançada recentemente alia o turismo, a arte e a sustentabilidade. A palmilha da sapatilha é ilustrada com um desenho de cinco cidades portuguesas à escolha e, embora a startup conte com várias parcerias, a dupla de jovens empreendedores destaca a parceria com os artistas e o seu papel de destaque na criação do produto, que “têm a capacidade de reproduzir uma obra inspirada num lugar e, é uma parte importante do sucesso do produto”.
Madeira | Fotografia cedida pelos entrevistados
Porto | Fotografia cedida pelos entrevistados
Algarve | Fotografia cedida pelos entrevistados
“O consumo de produtos sustentáveis é mais uma responsabilidade das empresas”
Os efeitos nocivos que a fast fashion tem em termos ambientais iniciam-se muito antes do começo da produção das peças. Por ano, a indústria de fast fashion liberta cerca de 1,2 biliões de toneladas de carbono para a atmosfera, cerca de 400% mais do que as peças comuns.
As peças desta indústria são feitas maioritariamente de poliéster e de algodão, ambos nocivos para os nossos oceanos. O poliéster é produzido através do petróleo e é uma fonte de microplásticos, que com a lavagem vão diretamente para o mar. O cultivo do algodão utiliza grandes quantidades de água assim como de fertilizantes e pesticidas que são nocivos para os rios e mares. A indústria da moda é responsável por 10% da poluição ambiental, sendo o segundo maior poluidor industrial, ultrapassando as emissões causadas pelos transportes aéreos. (Dados Earth.org)
O stress e pressão causados pela pandemia também trouxeram ao país uma nova marca de roupa sustentável, a Nutch. Para uma das co-fundadoras, Margarida Trindade, a criação da marca foi como um hobby para desanuviar a cabeça da pressão que sofria no trabalho no início da pandemia.
A Nutch é uma marca de roupa desportiva sustentável para mulheres, que surgiu a meio do primeiro confinamento, em março de 2020. Durante o confinamento uma grande parte das pessoas começou a praticar desporto e, como na altura as criadoras não tinham conhecimento de nenhuma marca desportiva portuguesa, viram aí o impulso para lançarem a sua própria marca.
A marca vende sobretudo peças coloridas e todas elas são feitas com materiais sustentáveis, como o algodão orgânico e o náilon regenerado, do seu fornecedor ECONYL, que “é feito de plástico recolhido dos oceanos e de aterros e é regenerado neste fio”.
Cultivo de algodão orgânico O algodão orgânico é cultivado sem o uso de fertilizantes e agrotóxicos, como os pesticidas. A sua produção utiliza menos 71% de água, tem um menor impacto na qualidade do ar e tem consequências muito mais positivas para o solo. Fonte: Apparel Branders |
A preocupação de utilizar sempre materiais ecológicos também se estende à sustentabilidade da sua produção. As peças são todas feitas à mão num atelier em Lisboa, o que permite que haja um maior aproveitamento do tecido. Como a equipa de produção é pequena e a quantidade de peças não é exorbitante há um maior aproveitamento do tecido, “conseguimos aproveitar muito mais o tecido, pôr os moldes em posições mais estratégicas de forma a rentabilizar mais o tecido”, explica Margarida.
A sustentabilidade desta marca toca também em questões de reaproveitamento. Com os tecidos que sobram das peças é sempre produzido um scrunchie que é oferecido ao cliente na compra de uma peça de náilon. O tecido é “sempre utilizado até ao último”, e a marca utiliza os restos da produção dos scrunchies para “prender as etiquetas”.
Acho que o consumo de produtos sustentáveis é mais uma responsabilidade das empresas entregarem os seus produtos já ao cliente, do que ser o cliente a fazer esse esforço, a ir procurar
A marca recentemente introduziu o algodão orgânico na produção de t-shirts e pretende no futuro juntar à sua linha sweatshirts feitas do mesmo material. O objetivo será manter o fabrico de roupa desportiva através do náilon e, introduzir na marca outros artigos feitos deste novo material, “há muitos complementos que se podem fazer em algodão orgânico, o algodão é muito versátil, dá para muita coisa.”
Olá! Sou a Inês Santos e tenho 20 anos. Estudo Ciências da Comunicação na vertente de jornalismo. Sempre fui apaixonada por comunicação e vi no jornalismo uma forma de seguir essa paixão. Colaboro na editoria "Atualidade" na plataforma #infomedia.