Cooperativa de Valpaços alerta para o abandono dos olivais, se a aposta não for a qualidade do azeite
- Rui Ribeiro
- 09/01/2022
- Atualidade Portugal
Pagar melhor aos olivicultores, para que consigam produzir com qualidade é a solução apontada pelo chefe da Secretaria da cooperativa, de forma a impedir o abandono dos olivais. Isto porque comparado com o Alentejo, a região de Trás-os-Montes tem uma produção dez vezes menor por hectare.
[Texto de Rui Ribeiro]
“Com a agricultura intensiva praticada no Alentejo, os custos de produção nos olivais são menores, o que origina um resultado económico mais positivo que na região transmontana”. José Ventura, chefe da secretaria da Cooperativa de Olivicultores de Valpaços, afirma que “se não apostarem na qualidade, os olivais vão ser abandonados”. “É preciso pagar o melhor possível aos agricultores”, pois desde a apanha até à colheita, os resultados “são sempre menores” e a qualidade tem de ser a aposta forte da região situada no norte do país.
Já Daniella Cavaleiro, filha do dono do Lagar de Azeite “Poço do Velho” atenta na desertificação do solo, como problema na quantidade de pessoas a optar pela apanha da azeitona e espera que “os jovens vejam potencial na olivicultura”. No entanto, acredita que em Trás-os-Montes, “a prática não deixará de existir, apenas evoluirá”.
Qualidade do azeite ainda pode ser melhorada
A producente do Lagar de azeite afirma que a qualidade pode ser melhorada com “o estudo das variedades e acertar as quantidades utilizadas, para aprimorar o resultado final”. Outras maneiras que “poderão ser uma mais-valia”, na opinião da produtora de azeite, passam também pela “sensibilização do agricultor no tratamento das oliveiras e pela antecipação da apanha da azeitona”. Também o dirigente da secretaria da cooperativa sente que a qualidade pode aumentar, “apesar de o azeite ser de muito bom nível”, começando com o produtor a “limpar bem as oliveiras, para não haver pragas” e “fazer tratamentos que não interfiram com a qualidade do azeite”.
A mudança de paradigma nos azeites de Trás-os-Montes, no ponto de vista das duas entidades, resultou numa melhoria significativa no atributo, pois “dão origem a um melhor azeite”. Os olivicultores ainda não têm aceitado bem esta ideia, mas a produtora do “Poço Velho” acredita que irão conseguir incentivar, de forma a garantir “um melhor produto”. Apanhar mais cedo a azeitona “previne o aparecimento de defeitos no azeite” e, para o chefe da Secretaria, resulta numa “maior durabilidade”, por não haver nenhum químico a conservar e, portanto, “quanto mais sobre o verde for apanhado, maior a durabilidade”.
Mudança de extração do quente para o frio foi “ponto-chave” para a qualidade
Antigamente, o controlo do azeite era menor, na ótica de Ventura e o “maior inimigo da gordura é o calor”, refere Daniella. A temperatura ideal, afirmam as duas fontes, é em “temperaturas entre os 25 e os 30 graus”, de modo a “não se perderem qualidades do azeite”. Com a adição da água é necessário que “as pastas fiquem húmidas”, acrescenta o dirigente. A filha do dono do Lagar aponta que o processo tradicional (a quente) requer que a “azeitona esteja num estado de maturação elevado com junção de água também a temperaturas mais altas”, resultando em “condições desfavoráveis”.
Para este tipo de extração, garantem os dois entrevistados que a modernização das máquinas traz mais vantagens para a qualidade do azeite, onde a velocidade, a capacidade e a qualidade são maiores, quando “comparados com os métodos tradicionais”. “Quanto mais rápido o produto for colhido, for transportado para a cooperativa e ser transformado, melhor é o produto final”, garante o principal secretário da Cooperativa.
[Zona de extração na Cooperativa de Olivicultores de Valpaços/Autoria própria]
Temperaturas altas no verão e baixas no inverno afastam pragas na azeitona transmontana
Com as temperaturas muito altas no verão e os invernos muito frios, Ventura e Daniella asseguram que, normalmente, não há ataques de pragas que possam interferir com a qualidade. Poderá ser em anos atípicos, “mas nunca a um ponto de ser devastador para a indústria”, afirmam. No entanto, para Ventura, é preciso “haver controlo” de forma a poder evitar as doenças. No entanto, o problema está na traça “por ser precoce e aparecer antes de o fruto estar maduro”, pelo que aconselha os olivicultores a estarem atentos. Daniella alerta para outro tipo de doenças que possam trazer problemas para a quantidade de azeitona produzida e para a duração das oliveiras.
Já na opinião do olivicultor Manuel Gonçalves, com o aquecimento global, “o inverno vem mais tardio” e as pragas de insetos, que antes eram inexistentes, agora aparecem em maior número. A inexistência de pragas era vista “há 20 anos atrás” e, neste momento, o olivicultor considera que a mosca da azeitona e o cancro da oliveira têm afetado mais os olivais, devido ao facto de “os invernos serem mais tardios”.
[Cancro da oliveira/Autoria própria]
Há 20 anos que olivais crescem em Valpaços
Para Ventura, o número de olivicultores “não tem aumentado muito”, mas sim os olivais, de forma a aumentar a produção. Com a falta de mão obra, os olivicultores têm optado por estender os olivais “devido aos incentivos que tem havido para se fazer estes investimentos”. Segundo o relatório de contas da Cooperativa de Olivicultores de Valpaços, o número de sócios tem aumentado desde 2016, tendo, também, aumentado em 2021, segundo o dirigente da Secretaria.
No “Poço do Velho”, Daniella confirma que o número tem diminuído, “pelo menos no setor privado”, mas que a “quantidade produzida tem aumentado”. Confessa que essa diminuição poderá trazer “consequências a longo prazo”, nomeadamente, “a perda da cultura ligada à apanha da azeitona”, criando-se “mais um negócio agronómico exclusivamente ligado ao lucro”, o que leva o azeite transmontano “a algo banal”.
Principais diferenças do azeite transmontano estão no “microclima e nos olivais tradicionais“
Para as duas entidades, o olival tradicional é o que mais caracteriza o azeite transmontano, diferenciando do olival intensivo praticado no Alentejo. O clima também é “um fator significativo”, nas suas opiniões, pelas temperaturas altas no verão e baixas no inverno, onde, na perspetiva de Daniella Cavaleiro, “as azeitonas se encontram bem desenvolvidas” e “num estado saudável”. Para a produtora, ao contrário das outras regiões, a azeitona transmontana preserva-se benigna “por muito mais tempo, amadurecendo de forma mais lenta”. Na ótica de José Ventura, o azeite distingue-se dos restantes por serem mais frutados, “com atributos muito altos nos azeites frutados, amargos e picantes”.
Também na ótica do olivicultor Manuel, o clima e os métodos tradicionais praticados nos olivais transmontanos, são os fatores que diferenciam a azeitona de Trás-os-Montes das restantes.
Os resultados da Cooperativa de 2020/2021 mostraram que a produção de azeitona foi cerca de 12 mil toneladas, de onde foram extraídos aproximadamente 1,9 milhões de litros de azeite virgem. Este ano, é esperado um valor recorde de 150 mil toneladas nacionais, com o Alentejo a ser responsável por 85%.
O chefe da secretaria da Cooperativa valpacense afirma que o azeite produzido em Valpaços, muitas vezes, é exportado para países estrangeiros para “arranjar outros azeites”. A procura é, sobretudo, por Espanha e Itália, com o objetivo de, segundo o entrevistado, “compor outros azeites que não tenham tantos atributos”. Daniella considera que a procura dos países estrangeiros “aumentou exponencialmente”, com os “avanços científicos e nutricionais” que o azeite português tem sofrido.
Aumento da produção de 2021 esteve relacionado com o clima e os cuidados dos olivicultores
Manuel Gonçalves considerou este ano como um dos melhores a nível de produção de azeitona. O olivicultor valpacense, que apanhou onze mil e quinhentos quilos este ano, alegou que os principais fatores foram “o clima, a modernização dos agricultores no tratamento das oliveiras e apanha da azeitona”, especialização que têm vindo a ter nesta prática agrícola e o aumento dos olivais, que tem sido aposta forte dos olivicultores transmontanos.
O olivicultor acredita que este aumento vai permanecer por haver olivais que, neste momento, “estão numa fase que não produzem por serem muito novos, mas que no futuro vão ser demasiado produtivos em azeitona” devido à aposta forte na plantação de oliveiras.
A modernização das máquinas agrícolas, na perspetiva de Manuel, “melhora sempre a apanha, porque a mão de obra é escassa”. “A mecanização permite, com pouca mão de obra, apanhar grandes quantidades de azeitona e “com o aumento das plantações, a modernização torna-se fundamental”, reitera o residente de Valpaços.
O produtor de azeitona assegura que o enfraquecimento do solo não é um problema para os olivicultores transmontanos, pois “não há existência de práticas intensivas nos olivais”, no entanto alerta para a necessidade de haver “compensações no solo” para não haver riscos de o fragilizar.
Setor da restauração reconhece melhoria na qualidade
O dono do restaurante “Guarany”, situado no Porto e o proprietário do restaurante “Cidade Nova”, localizado em Valpaços, asseguram que a qualidade do azeite e azeitonas portuguesas tem aumentado e que os clientes, cada vez mais, procuram estes dois produtos por “terem um grande impacto na gastronomia lusa”. Sílvio Gomes, do restaurante valpacense, faz uso do azeite “Rosmaninho”, por ser o azeite da sua residência, enquanto que no restaurante “Guarany”, por uma questão de negócio, o azeite usado é o “Vale d`Arca”, situado no Alentejo. O dono do restaurante transmontano admite que o preço se tem mantido e que não acredita que vá aumentar tão cedo, mas no restaurante portuense há a preocupação que o preço do azeite venha a ser aumentado no próximo mês, o que poderá levar a custos maiores ao setor da restauração. Quanto à acessibilidade do preço, os dois restaurantes entendem que o preço é demasiado acessível à restauração e sociedade, comparado ao “trabalho que exige a apanha da azeitona”. No que toca ao futuro da qualidade da azeitona e azeite português, os dois estabelecimentos acreditam numa “melhoria significativa anual”, principalmente “por ser um setor muito produtivo para Portugal” e que permite “aumentar as exportações” para países estrangeiros, no ponto de vista do proprietário do restaurante da cidade invicta.
Agricultura intensiva tende a piorar de ano para ano
Alexandra Serra, especialista na área do ambiente, apercebe-se que, cada vez mais, “há a procura de aumentar os olivais e de implementar sistemas de irrigação”. Mais no interior, “a existência de regadios e a criação de albufeiras” para aumentar a produção, irá levar “a uma homogeneidade na ocupação do solo”, levando ao maior uso de agricultura intensiva, com o “maior predomínio de monoculturas”.
Com o aumento da produção da azeitona, a trabalhadora da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR Norte), sente que poderá levar a uma desvalorização do preço do produto, bem como a “um aumento da produção de resíduos que se tornam agressivos para o solo e para a água”. No interior, os métodos intensivos praticados poderão levar, no ponto de vista da ambientalista, a um “desequilíbrio do solo”, com “a perda da capacidade da natureza para se restabelecer”. “O solo apenas produz uma quantidade pequena de vegetais, quebrando um conjunto que é completo”, defende Alexandra. “O objetivo principal passa a ser só a produção, sendo intensiva”. Para além disso, verifica que a agricultura intensiva é praticada de igual forma pelo país, no sentido de o solo “só produzir uma espécie de vegetal, as oliveiras, o que faz com que o solo todo perca as componentes minerais que precisa”.
Para a defensora do ambiente, a modernização das máquinas agrícolas são “o principal fator”, por permitirem o “cultivo em grande escala” de apenas “um determinado vegetal. “Ajudam no aumento da área, a produzir a mesma coisa, com muita mais rapidez e simplicidade”, considera a funcionária da Instituição Pública. Com isto, sente que os olivicultores deveriam “ter limites máximos de produção e extensão dos olivais”.
Maior fiscalização sobre a apanha noturna
Alexandra Serra concorda com a medida sancionatória do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) contra a apanha noturna mecanizada da azeitona, de modo a evitar a perturbação e imortalidade das aves. O problema deve atingir, pelo menos, entre 70 mil e 100 mil aves em território nacional, o que a ambientalista considera serem uma “parte grande e importante da fauna”, “principalmente aves e mamíferos que estão ativos à noite, como morcegos e aves de rapina noturnas”.
“Uma melhor sustentabilidade e não prejudicar os seres vivos, para evitar a propagação de doenças na produção”, são conselhos que Alexandra deixa para os olivicultores, de forma a “escapar ao enfraquecimento dos solos e degradação da biodiversidade”.
Mesmo com os problemas deixados, a perita do ambiente acredita que a agricultura intensiva poderá ser menos impactante com o passar dos anos, “tentando que não seja tão intensivo e conciliando com a existência dos seres vivos, para uma melhor preparação para o que aí vem”.
Rui Ribeiro, 22 anos, natural da Senhora da Hora. Atualmente no terceiro ano do curso de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto. Tendo os avós combatido na Guerra Colonial, por Portugal, ganhou curiosidade em tudo o que envolve o tema "guerra", onde tem como objetivo chegar a repórter desse ramo.