Covid-19: Que impacto terá na vida de um jogador de futebol não profissional?

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Covid-19: Que impacto terá na vida de um jogador de futebol não profissional?

[ Texto de Fábio Andrade e David Borges ]

Encontramos em Melres, Gondomar um emblema, o Melres Desporto e Cultura, que no mês passado de outubro foi assolado por um surto de Covid-19. Encontramos um grupo que apesar das suas dificuldades e da sua humildade, um grupo de trabalho de “gente boa “, sempre alegres e com disposição de dar uma felicidade às gentes locais.  

Passada a recuperação e este tempo após fomos tentar perceber como é a recuperação, pois ainda é tudo uma indefinição em torno dos pós contágio. Os atletas abordados responderam às seguintes questões: “Quais foram as dificuldades sentidas?” e “Tem receio que num futuro próximo possa vir a ter problemas que afetem o resto da temporada? “

André Cunha, 26 anos

“Na primeira semana senti algumas dificuldades respiratórias, mais cansaço do que o normal. Na retoma dos treinos principalmente nas primeiras duas semanas até voltar á forma em que estava senti muita dificuldade e mais dores musculares, o que acabou por dificultar a minha ação no jogo após a recuperação do plantel. Acabamos por sentir um enorme cansaço, basicamente foi como se estivéssemos outra vez na pré-época.”

“O único que receio que tenho é haver uma nova infeção que me deixe com mazelas que a primeira infeção não deixou. Sabemos que a prática de desporto ajuda muito a nível da nossa saúde, mas também tem o seu lado negativo, neste caso estamos mais sujeitos a contrair problemas cardiovasculares como por exemplo.”

André Cunha ; Imagem cedida pelo André Cunha

 Vítor Santos, 24 anos

“Nas duas primeiras semanas após recuperar do covid senti uma dificuldade física incrível, dores muito fortes a nível muscular, dificuldade respiratória, 100 metros parecia 10 km.

Relativamente a segunda pergunta, sim, ainda hoje em dia existe semanas que se tivermos 1 treino mais forte sinto uma dificuldade tremenda em recuperar fisicamente, fico com dores nos gémeos e na zona lombar, a dormir tenho várias vezes cãibras (não sei se é assim que se escreve) coisa que antes não acontecia.”

Vítor Santos na esquerda da imagem em disputa de bola ; Imagem cedida pelo Vítor Santos

A pandemia também se tornou numa nova “dor de cabeça” para as equipas técnicas, abordando o treinado-ajunto do Melres DC com a questão: “Como foi preparar uma equipa ao fim de X em isolamento, os problemas que tiveram e o quanto dura está a ser a temporada e também que impacto poderão vir a ter num futuro próximo?”

Rúben Rocha

“Preparar uma equipa após isolamento nunca é fácil porque temos sempre muitas incógnitas uma delas é com que forma física se vão apresentar os jogadores após o isolamento, como sabem para quem pratica desporto regularmente, estar parado de 10 a 14 dias e após uma invenção como o covid-19 nunca sabemos em que forma é que os jogadores vão retornar a atividade física se será normal se terão dificuldades e depois existe a outra agravante que cada jogador tem organismos diferentes e dão respostas diferentes mas nunca é fácil porque após um isolamento tivemos que adequar o nosso método de treinos fazer basicamente uma “mini pré época” para que os índices físicos voltassem ao normal.

Quanto há questão relativamente a esta época, está temporada está a ser relativamente dura que mais uma vez o covid está a afetar e nunca sabemos com que jogadores e que podemos contar, podemos estar a trabalhar com o grupo completo como de um dia para o outro podemos ficar sem alguns jogadores, alguns deles podem ser bastante preponderantes na nossa caminhada como existe em casa grupo mas também por outro lado sabemos que temos jogadores capazes de aparecer e colmatar essas ausências. Num futuro próximo eu penso que ainda é muito cedo para falar, porque o vírus apesar de se ter instalado na nossa vida em 2019 ainda falta um longo caminho a percorrer pela ciência, em relação ao que este pode provocar ao nível da saúde.”

Rúben Rocha, treinador-ajunto do Melres DC ; Imagem cedida pelo Rúben Rocha

Recolhemos a opinião do cardiologista Prof. Dr. Hélder Dores do Hospital da Luz onde em podcast ” hospital da luz ” refere que :

“As complicações são transversais a todos os doentes que estiverem infetados, ou seja, não é por uma pessoa ser atleta que vai ter mais ou menos complicações ou que vai ter uma complicação específica.

O problema é que algumas dessas complicações podem associar-se em maior risco, quando se pratica exercício. Há complicações cardíacas, respiratórias, neurológicas, psiquiátricas e outras, mas aquelas que são mais relevantes na prática desportiva são sobretudo as complicações cardíacas. Porquê? Porque aquilo que nos assusta mais quando avaliamos atletas é, de facto, o risco de morte súbita.

Infelizmente, mais de 90% destas situações ocorrem por doenças cardíacas e uma das complicações da Covid-19 é a miocardite aguda, uma inflamação do miocárdio, que já é conhecida por outras infeções virais, mas que aqui, como temos um maior número de infetados, tornou-se mais predominante.

Importa também salientar que, apesar de tudo, esta é uma complicação rara. E o diagnóstico é muitas vezes difícil. Temos de ter uma grande suspeita clínica e é muito relevante termos essa suspeita porque a praticar desporto na fase aguda desta inflamação miocárdica pode, de facto, levar a arritmias graves. Aliás, após este diagnóstico, e uma vez que a miocardite tem implicações na prática desportiva, esta deve ser suspensa durante 3 a 6 meses, devendo ser retomada apenas e só se não existirem complicações ou sequelas desta infeção.”

Relativamente à parte física e à grande questão que é o futuro do atleta:

” Apesar de esta doença ter pouco mais de um ano, na prática já se consegue perceber que tipo de complicações existem, que as queixas se mantêm durante alguns meses, e que, por isso, a retoma da atividade física regular deve ser muito mais cuidadosa e vigiada.

Seja como for, é importante nunca esquecer que não podemos ser alarmistas. A mensagem deve ser sempre: a prática de exercício físico é fundamental para a nossa vida.

Posto isto, quem apresenta sintomas mais persistentes, deve procurar ajuda e ser avaliado em consulta específica. Essa avaliação dará, só por si, mais segurança ao atleta, para manutenção da sua prática desportiva.

Perante sinais de alarme, a avaliação deve ser mais urgente.

Finalmente, quanto ao ritmo do play no retorno à competição e à prática desportiva mais intensa, é fundamental que não comecem os treinos com a dose de exercício’ que era feita, antes da infeção. Tem que haver um aumento progressivo e moderado das cargas de treino. Na prática, é como se existisse uma pré-época.

É que, além do risco de complicações associadas à Covid-19, depois uma paragem mais prolongada, por causa da fase aguda, ao retomar um exercício muito intenso pode estar a aumentar-se o risco, por exemplo, de complicações musculoesqueléticas.

Finalmente, e porque a pandemia ainda não acabou, as pessoas podem e devem retomar a prática desportiva, mas mantendo sempre as recomendações preconizadas pela Direção-Geral de Saúde, nomeadamente de isolamento e distanciamento social.”

Num recente estudo realizado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa foi revelado que a paragem devido à pandemia de covid-19 aumentou os níveis de ansiedade e baixou os de felicidade nos atletas nacionais.

Segundo, Liliana Pitacho, docente universitária que assina a investigação, juntamente com Patrícia Palma e Pedro Correia, foram diagnosticados “níveis de stress bastante altos”, com uma percentagem “acima dos 50% com stress patológico”, isto significa, que estes níveis ao permanecerem altos, podem trazer consequências para a saúde.

Ao invés, existem perturbações de sono numa percentagem significativa dos quase 1.500 inquiridos para este estudo, acima de 40%, com um número “realmente preocupante” de “perceção de diminuição de felicidade que os atletas tiveram nesta interrupção”, entre março e o verão de 2020, dependendo da modalidade, quando se foi dando, de forma faseada, a retoma em alguns desportos.

“Temos 75% dos participantes com quebra acentuada, estão muito mais infelizes do que estavam, ou moderadamente mais infelizes. Em contrapartida, não há subidas no nível de felicidade durante a paragem. Temos quebras, e grandes, e essa é que é a preocupação, porque a felicidade pode ser vista como um fator protetor em situações adversas”, revela a investigadora.

“Apenas 13% dos clubes dispõem de apoio psicológico para os seus atletas, o que é muito pouco. Percebo a questão financeira, mas tem de ser um esforço conjunto de clubes, entidades estatais, federações, [avaliar] o que pode ser feito e que medidas podem ser disponibilizadas, quer na formação quer na competição”, reforça.

Ao “Sábado” Pedro Carvalho, especialista em nutrição desportiva, frisa que a paragem competitiva forçará os atletas a alterarem o seu plano alimentar e que a perda de massa muscular deverá ser o foco de preocupação.

A acompanhar vários atletas profissionais e amadores, o nutricionista explica que as recomendações que deu passam por “manter a ingestão de proteína e suplementos que estavam a fazer”, acrescentando que pode ser “interessante” introduzir outra suplementação que ajude a que o sistema imunitário não se deteriore, dando como exemplo a vitamina D, “já que vamos ter menos exposição ao sol”, e o ómega 3, “visto que nos próximos tempos pode vir a ser mais difícil consumir peixe fresco”.