Andebol em Portugal: Quais são as diferenças entre o feminino e o masculino?
- Francisco Fraga Moreira
- 15/06/2021
- Desporto Geração Z Multimédia Portugal
[Texto de Diogo Araújo e Francisco Moreira] São oito da noite. O treino da equipa feminina de andebol do Colégio de Gaia, detentora do Campeonato Nacional, Taça de Portugal e Supertaça, está prestes a começar. Ao entrar no pavilhão, na Rua Pádua Correia, em Vila Nova de Gaia, já se ouve o barulho ensurdecedor das solas das sapatilhas e das bolas a bater no chão. Tudo indica que as atletas estão a iniciar o aquecimento. À entrada, existe uma mesa com álcool gel, para as pessoas poderem desinfetar as mãos, antes de entrar no recinto desportivo e utilizar o material. Antes do início do treino, as jogadoras têm um período de descontração, onde aproveitam para fazer um pequeno jogo de futsal. Segundo uma das atletas, este momento de lazer é habitual, pelo menos três vezes por semana.

Bebiana Sabino tem 34 anos e é pivô na equipa do Colégio de Gaia. Ao longo da carreira passou por clubes como o Alfenense e o União da Bela, situados no distrito do Porto. Na época 2001/2002 mudou-se para Vila Nova de Gaia, para jogar na equipa do Colégio. Em 2006, teve a primeira experiência fora do continente e rumou ao arquipélago da Madeira, para representar o Madeira SAD. Em 2013 regressou ao Colégio de Gaia, onde permanece até aos dias de hoje. Atualmente, é a capitã da seleção nacional de andebol feminino e uma das maiores figuras da modalidade em Portugal. Sabino é ainda professora e investigadora sobre a desigualdade de género no desporto.

Como ponto de partida, Bebiana considera que “temos que mudar as mentalidades e a nossa construção cultural tem que alterar para permitir uma melhoria do desporto feminino, desde o ponto de vista das oportunidades de prática como de visibilidade.” Para as mentalidades serem alteradas, na opinião da atleta “não nos podemos centrar só no desporto porque a desigualdade de género está presente em muitas vertentes da sociedade e as pessoas têm que percepcionar que o desporto é global e que não pode provocar discriminação ou uma segregação.”
“Em alguns países a âncora são os atletas do género masculino, em que promovem o género feminino. Hoje em dia os projetos apoiam se no facto do atleta ser seguido e ser um exemplo e pode contribuir para a mudança de mentalidades.” – disse Sabino
Quando abordada sobre os incentivos necessários para a evolução do andebol feminino em Portugal, a pivô não hesita em referir que “o apoio das organizações macro tem de ser superior, se de facto o objetivo é a evolução do desporto e do andebol feminino.” Por sua vez, conclui ainda que os “organismos nacionais e a federação precisam de um planeamento estratégico definido para a evolução do desporto feminino, não esquecendo toda a comunicação social que é importante na promoção do desporto feminino.”
“Para transmitir um jogo de andebol feminino é preciso pagar, enquanto que para transmitir um jogo de andebol masculino há quem pague para o fazer.”, neste caso os patrocinadores. – revelou Bebiana.
Por fim, conclui dizendo que “temos que assumir que ser atleta tem que ser uma profissão. Culturalmente ainda não está enraizado que uma mulher possa ser uma atleta e os clubes em Portugal não tem capacidade para dar essa profissionalização.”
“Tem de partir da educação de casa e a escola também tem um papel importante na educação para a cidadania. São os dois principais pólos para mudar as mentalidades.” – confidenciou a atleta

Beatriz Figueiredo tem 20 anos e é lateral esquerda. Neste momento representa a equipa do Colégio de Gaia. Começou a carreira no Clube Jovem Almeida Garrett e jogou, mais recentemente, na Associação Recreativa e Cultural de Alpendorada.
Nervosa e um pouco inquieta, Beatriz começa por defender a igualdade salarial entre homens e mulheres. A jovem de 20 anos diz que “no desporto devia haver essa igualdade, porque nós temos as mesmas ambições, despendemos do nosso tempo e lá está, queremos apoios para o fazer da melhor maneira”. Quando perguntada sobre a possibilidade de viver unicamente dos rendimentos do andebol feminino em comparação com o escalão masculino, em Portugal, a atleta responde num tom sarcástico: “Não! Sinceramente não. No caso do andebol masculino, equipas da primeira divisão do fundo da tabela, há sempre apoios aos atletas, nem que seja para pagar a gasolina. No caso do andebol feminino, mesmo as equipas que estão nos primeiros cinco lugares, poucas são as que têm apoios e muitas vezes até acabam por ter de investir para conseguirem jogar.”
Beatriz diz que “há muitos mais apoios para o masculino do que para o feminino e os media também podiam contribuir para isso, no sentido em que se houvesse mais propaganda do desporto feminino iria haver mais apoios e melhores condições para as atletas.” Na opinião da jogadora, esta propaganda passa por transmitir mais jogos de andebol feminino em canal aberto para que esta modalidade tenha maior visibilidade.

Isabel Araújo chega com alguma pressa ao treino, uma vez que está atrasada e ainda tem de comer. A atleta de 23 anos que sempre jogou como central ou ponta no Colégio de Gaia acredita também que os órgãos de comunicação social são o melhor meio de impulsar o desporto feminino em Portugal: “Em primeiro lugar acho que podia partir dos social media. Acho que devia haver uma maior percentagem de jornais e televisões a promover o desporto feminino em geral.” A jovem jogadora refere ainda ser a favor da criação de mais equipas femininas, de diversas modalidades, pelos clubes de maior dimensão em Portugal, para que estas passem a ter um maior interesse do público português.

Ana Catarina Ferreira tem 21 anos e é guarda-redes do Colégio de Gaia. A jovem natural de São João da Madeira já representou a AD Sanjoanense, o CP Valongo Vouga e o Arsenal de Canelas.
A defender as redes da baliza Gaiense, Catarina começa por dizer que “os portugueses deviam abrir mais a mente e ser mais recetivos ao desporto feminino em geral, vendo, apoiando e financiando.” A jogadora de 21 anos diz que a transmissão televisiva pode ter um grande impacto no desporto feminino, dando a conhecer modalidades que aos olhares do público são inexistentes ou pouco conhecidas, e que têm até bons resultados a nível nacional. Catarina refere ainda que, este ano, já dois jogos de andebol feminino foram transmitidos na televisão (no canal 11), mas que “ainda estamos muito longe de conseguir a visibilidade e o reconhecimento que queremos.”, concluiu.
“Não há como viver com os rendimentos que temos do desporto feminino. No masculino, eles são quase todos profissionais e ganham para cima de 800 euros por mês. Nós temos equipas no andebol feminino que não ganham nada e andam por amor à camisola” – Catarina Ferreira

Isabel Cardoso está concentrada e faz uma grande defesa. A jovem atleta de 23 anos é natural de Leiria. Iniciou a carreira na Sociedade Instrução Recreio 1º de Maio, onde jogou até 2018. Nesse ano mudou-se para Vila Nova de Gaia e ingressou na equipa do Colégio, onde joga atualmente como guarda-redes.
Segundo a jogadora, o crescimento da modalidade passa não só pela transmissão televisiva, mas também pela divulgação das conquistas nas redes sociais, que a atleta diz ser fundamental para existir um maior apoio por parte do público e para atrair patrocinadores, que possam investir no andebol feminino: “dá logo outra visibilidade, que lá está, o masculino tem e o feminino não, nem de sombras.”
Isabel diz que ainda existe muito o estigma da existência de desportos diferentes para rapazes e para raparigas: “as meninas vão logo para o ballet ou para desportos mais bonitos (…), quando temos um filho rapaz é logo futebol, é logo basket, uma menina não, tem brincar com as bonecas”. Posto isto, a guarda redes acredita que isto é muito culpa dos pais, uma vez que têm um papel importante na educação dos filhos para o desporto, para além disso, a jogadora considera que “também tem de começar na escola.”
Na opinião de Cardoso, a igualdade salarial entre o género masculino e feminino no andebol, não é possível ainda, mas acredita que seria o mais correto e afirma: “Podiam começar a lutar por isso, eu acho que era o mais justo, porque nós não começamos a melhorar a nossa competitividade do dia para a noite”.
“É verdade que a competição masculina é muito melhor que a feminina, mas eles têm motivações que nós não temos. Eles não trabalham. A maior parte deles só joga andebol. Nós temos de conciliar o andebol com a vida estudantil e com a vida profissional e nem sempre é possível” – Isabel Cardoso

Jorge Manuel Brito Tormenta tem 69 anos e é presidente da equipa de andebol do Colégio de Gaia. Quando chegou ao pavilhão já passava da hora do treino, mas ainda não tinha iniciado e por isso conseguimos falar mesmo no centro do terreno de jogo, onde se sente mais a mística desportiva. Tormenta optou pela carreira no andebol feminino, uma vez que era professor no Colégio de Gaia, antes do 25 de abril e sentiu que havia a necessidade de lutar pela igualdade de género: “O andebol feminino teve como principal preocupação uma resposta à igualdade de género. As raparigas, a seguir ao 25 de abril, eram novidade na escola, porque era uma escola predominantemente masculina e passou a ser mista, e enquanto professor de educação física, na altura, havia que encontrar um equilíbrio e o andebol enquadrava-se perfeitamente nas instalações.”
Na opinião de Tormenta, transmitir os jogos na televisão em canal aberto “seria uma ótima ideia”, no entanto o dirigente diz que “é difícil”. Jorge explica que “é difícil porque muitas vezes as próprias televisões têm relutância em considerar o desporto feminino, num desporto em patamar de igualdade com o masculino.”
O presidente ainda vai mais longe quando diz que existem dois grandes focos que vão contra o andebol feminino: “Um é o futebol que seca tudo à sua volta e outro é a própria masculinidade dos dirigentes que tem uma certa relutância em ver as mulheres a sair de casa”. Para além disto, ainda diz: “Nós sabemos que os jornalistas nunca vêm ver o nosso jogo, mas nós fazemos a notícia e enviamos para os órgãos de comunicação social e tentamos que eles pelo menos publiquem alguma coisa.”
Fica de salientar o apoio que a Câmara de Gaia tem dado à equipa, especialmente no que toca às deslocações, visto que jogam com equipas de todo o território nacional e até mesmo fora do continente, principalmente desde a chegada de Eduardo Vitor Rodrigues à presidência do Conselho: “desde que entrou este novo presidente passamos a ter um reconhecimento importante no papel do desporto.” – rematou Jorge Tormenta.
Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável

São 17 os objetivos que se integram na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Estes objetivos têm como propósito contornar os desafios que o mundo vive, sejam estes económicos, sociais ou ambientais. Para saber mais e conhecer todos os 17 Objetivos, clica aqui.
Esta reportagem, que aborda as desigualdades sociais entre género no andebol em Portugal, relaciona-se com o Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) número cinco, que procura alcançar a igualdade entre o sexo feminino e o sexo masculino. Este ODS tem como objetivo acabar com a discriminação contra a mulher, eliminar a violência e as práticas nocivas contra mulheres, reconhecer o trabalho das mulheres tanto no seio familiar como no profissional, promover a igualdade de oportunidades no trabalho, entre outras.
Desigualdades sociais no desporto: dados estatísticos

Segundo um estudo realizado em 2015 pelo European Institute for Gender Equality (EIGE), “os dados do relatório sobre as mulheres no poder e na tomada de decisão para a Presidência luxemburguesa do Conselho da União Europeia, mostram que, a nível europeu, em média, as mulheres ocupam 14% dos cargos de decisão nas confederações continentais dos desportos olímpicos na Europa.” Isto significa que a percentagem está ainda muito abaixo daquilo que se consideraria igualdade.

Segundo o mesmo estudo realizado pela EIGE, Portugal situa-se sensivelmente a meio do gráfico, com uma percentagem de cerca de 14% no que toca à proporção de mulheres, no conjunto dos cargos de decisão nas federações desportivas nacionais. Este gráfico varia “entre 3% na Polónia e 43% na Suécia.”