“Devíamos apostar na qualidade e na competência das mulheres jornalistas no Desporto”
- Diogo Costa
- 01/01/2022
- Atualidade Desporto
O mundo do jornalismo desportivo tem sido dominado pelos homens, e onde as mulheres ainda parecem ser consideradas como outsiders.
[Texto de Diogo Costa]
Apesar do paradigma vigente, tem havido algumas mudanças com a inclusão de alguns jornalistas do género feminino no mundo desportivo. De acordo com as jornalistas Marta Mixão e Sónia Sul, em entrevista sobre o que era o jornalismo até ao 25 de Abril de 1974 , as jornalistas afirmam que a profissão era efetuada, sobretudo, por homens. Desde então que a profissão tornou-se mais expansiva, onde as mulheres começam a surgir neste meio, o que não deixou de apontar para uma predominância masculina em cargos de direção em áreas como o desporto (Subtil, 2000; Fernandes, 2008).
Discurso de ódio no jornalismo desportivo
O discurso de ódio no jornalismo desportivo tem sido mais frequente no ambiente online, através, sobretudo, nas redes sociais. É um fenómeno que tem tido um crescimento nas sociedades, onde a normalização de discursos discriminatórios é um problema claramente identificado. No que toca ao futebol, as notícias e opiniões geram bastante discordância entre adeptos e alguns ataques, muitas vezes, se transportam para a realidade física.
As redes sociais têm tido um papel muito importante no crescimento das forças populistas. Nos últimos anos, temos assistido a uma discriminação social, nomeadamente nas redes sociais acerca deste tema, com várias palavras insultuosas para as jornalistas. Existem vários exemplos, como é o caso de Sofia Oliveira, comentadora do Canal 11, que foi intimidada por José Augusto Faria, treinador dos Sub-23 do Leixões, onde deixou uma frase polémica depois de ter perdido a Liga Revelação para o Estoril. A frase “o futebol tem de ser dos homens do futebol” criou imensa polémica com a alusão de que as mulheres não têm lugar no mundo desportivo, nomeadamente no futebol. As redes sociais invadiram-se de mensagens de força para a jornalista, contrastando com os diversos insultos que o treinador recebeu após estas declarações. Mensagens como “venho aqui em nome de todas as Sofias, educadamente, mandar este homem do futebol à m***” e “Custa-me a perceber como é que um treinador futebol de 34 anos de idade tem esta mentalidade. O futebol é para quem gosta de futebol. Não importa o género” foram divulgadas em grande número nas redes sociais, onde se gerou uma grande onda de descontentamento em relação às declarações do treinador e uma onda de apoio à jornalista em causa.
Rita Latas foi a primeira mulher a narrar um jogo da Primeira Liga
Rita Latas jogou futebol durante alguns anos, mas acabou por pousar as chuteiras aos 23 anos, após a sua decisão de integrar o mundo do jornalismo desportivo. A jornalista passou ainda pela ABOLA TV e Bola na Rede. Hoje é uma das jornalistas mais conceituadas da Sport TV, e no ano passado, tornou-se a primeira mulher a narrar um jogo de futebol da Primeira Liga em Portugal, um jogo que pôs frente a frente o Belenenses SAD e o Sporting Clube de Braga.
Rita Latas, em entrevista à ualmedia, refere que está a viver um sonho, a partir do momento em que entrou no mundo do jornalismo desportivo sempre sonhou chegar à Sport TV por ser o maior canal de desporto em Portugal, e que está muito feliz na estação televisiva.
A jornalista diz ainda que quer continuar a afirmar-se na Sport TV, continuar a fazer e a crescer nas narrações e a realizar reportagem de pista, que é algo de que gosta muito. Rita afirma que tem o sonho de trabalhar numa entidade europeia como a UEFA ou a FIFA para ter uma experiência diferente fora de Portugal. Sabe que ainda pode evoluir mais e, quando estiver já mais firmada e também quando for mais madura profissionalmente, pensar noutros objetivos.
Rita Latas recebeu, por parte da Associação dos Jornalistas de Desporto (CNID), o prémio Vítor Santos como Jornalista Revelação 2020, por ter sido a primeira jornalista do sexo feminino a narrar jogos de futebol na televisão nacional. Um prémio que demonstra o trabalho efetuado por Rita nos últimos anos, algo que Mário Cagica, comentador desportivo da Eleven Sports e Rádio Observador e diretor-geral do Bola Na Rede, enaltece a atribuição deste prémio. “Antes de mais tenho de dizer que é uma jornalista de excelência do nosso meio e que está, finalmente, a receber o devido reconhecimento”.
Mário revela a felicidade da jornalista com quem trabalhou anteriormente, e que conseguiu arrecadar este prémio. “A Rita foi minha colega n’A Bola TV e esteve comigo no Bola na Rede. Revelou competências acima da média e tal capacidade para superar desafios e obstáculos.”

O triste episódio entre Rita Latas e Jorge Jesus
No ano passado, a jornalista passou por um episódio desagradável provocado pelo treinador do Benfica, Jorge Jesus, o qual fez comentários discriminatórios, afirmando que Rita Latas não percebia de futebol. A jornalista comentou com Jorge Jesus, na flash interview, que ficava a ideia de que a qualidade de jogo da equipa ainda não estava ao seu melhor nível, e Jorge Jesus responde de forma discriminatória com uma clara alusão ao género feminino: “Também é natural porque você não sabe o que é muita qualidade sobre futebol”.
Mário Cagica fala da discriminação e sobre Rita Latas
De acordo com Mário Cagica, o jornalismo português ainda não está no patamar ideal de igualdade, mas existe um crescimento e esse fator acaba por ser positivo. Afirma ainda que é muito importante que se continue a valorizar este crescimento e a contribuir para que esse número vá aumentando, apostando sem medos na qualidade e na competência das mulheres jornalistas de Desporto. Abordando ainda a desigualdade existente no ramo, o jornalista diz que é notório a masculinização, embora existam cada vez mais portas abertas, o que é sinal dos tempos e da mudança. Mário fala de Rita Latas como um excelente exemplo disso mesmo “fico muito feliz por vê-la crescer e quebrar barreiras no mundo do jornalismo desportivo”.
“Caso exista qualidade e competência, todos têm o direito a mostrar o seu trabalho”
Andreia Araújo, 22 anos e recém-licenciada, é hoje jornalista do Bola na Rede e está a concluir o mestrado de Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Ela explica ter crescido em dois ambientes, o jornalístico e o desportivo, falando ter tido “familiares ligados ao jornalismo durante anos, portanto o bichinho foi genético”. Começou a cobrir jogos de todas as competições nacionais e do campeonato nacional de seniores. A jovem jornalista afirma já ter vivido alguns eventos relacionados com a desigualdade de género. Andreia refere que faz muita confusão estar numa conferência de imprensa e ser a única mulher presente na sala. Já sentiu muitas vezes que foi olhada de uma forma que considerou desagradável por colegas de profissão e não se sentiu confortável com isso. Sobre o acesso das mulheres aos patamares mais elevados do jornalismo desportivo, refere que acredita muito na qualidade e competência de cada um. “Acredito que exista desigualdade de género neste meio, no entanto ,acredito também, que cada um chegue ao seu lugar pela competência que tem na sua área, mas continua a fazer confusão ter painéis inteiros só de homens, quando há mulheres que demonstram capacidade de fazer o mesmo trabalho ou até melhores”.
“A Rita Latas é uma inspiração para mim”
Andreia Araújo fala de Rita Latas como uma fonte de inspiração, espera um dia chegar onde ela chegou e que se sentiu injustiçada com o episódio com Jorge Jesus. “Foi um episódio lamentável “. Andreia fala da polémica de Rita Latas como um “abre-olhos” para a comunicação social, e que deviam estar mais atentos ao género feminino, que tem sido deixado de parte neste meio.