CUIDADORES: “O MEU MAIOR MEDO É DEIXAR DE CONSEGUIR SER CUIDADORA”

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CUIDADORES: “O MEU MAIOR MEDO É DEIXAR DE CONSEGUIR SER CUIDADORA”

O papel de cuidadora é muito importante, essas pessoas por vezes deixam de viver a sua vida para cuidar de quem mais precisa. Temos dois testemunhos de mulheres que praticamente são cuidadores a vida toda, fazendo por amor aos seus.  (Texto por Ana Silva e Ana Araújo)

Ser cuidador é algo de extrema importância, é cuidar de quem precisa, Lara Bourdain é cuidadora por amor à progenitora, há 15 anos viu a sua vida mudar por completo, quando a sua mãe começou a revelar os primeiros sintomas, começando assim a ser mais dependente dela. Há cerca de 5 anos foi descoberto o diagnostico, uma doença rara chamada Huntington, é uma doença autossómica que pode aparecer em homens e mulheres entre os 35 e os 40 anos de idade, dependendo do estado de gravidade que causa demência e coreia. O tipo de tratamentos que existe são antipsicóticos ou outro tipo de medicação que ajuda a aliviar os sintomas, mas não existe cura.

Tal como nos disse Lara “Esta doença abrange três grandes áreas, abrange a parte cognitiva em que as pessoas ficam mais lentas no pensamento, na comunicação, abrange a parte motora, tem a parte comportamental, na minha mãe esta sempre foi a mais presente, a minha mãe tinha a sensação de que todos lhe queriam fazer mal, não conseguia sair de casa com medo do que poderia acontecer na rua, portanto estas são as grandes três áreas  desta doença.” Esta doença sendo generativa, a sua mãe vai piorando ao longo do tempo e nunca se sabe o dia de amanhã, nunca se sabe se o pior pode acontecer daqui a um mês, um dia ou um ano e Lara afirma que isto é realmente o pior, ver a sua mãe “a cair” de dia para dia.

Sintomas de Huntington
Os músculos podem contrair-se breve e rapidamente
As pessoas podem caminhar de modo exageradamente alegre, como se fossem um fantoche
Podem fazer caretas, flexionar membros e piscar frequentemente
Os movimentos são lentos e descoordenados
O corpo todo é afetado, com dificuldade a caminhar, comer, falar, vestir-se, sentar
Não controlam os seus impulsos e muitas vezes perdem o controlo
Perda de memória

O primeiro impacto que as famílias têm ao lidarem com este tipo de doenças que não são tão conhecidas, é pesquisarem informações na internet e daí conhecem algumas associações onde pedem ajuda, esclarecem todas as dúvidas e têm todo o tipo de informação sobre determinada doença. Lara foi uma dessas pessoas que encontrou um site de uma associação chamado “Associação Portuguesa dos Doentes de Huntington” e enviou um e-mail a pedir esclarecimentos e marcou uma reunião onde a associação prestou todo o tipo de ajuda e apoio.

Associações que tratam doentes com Huntington
Associação Portuguesa dos doentes de Huntington
Associação de Esclerose Tuberosa em Portugal
Doenças raras em Portugal

As famílias quando vão ao hospital sentem que muitas vezes os médicos não têm a compaixão de dar as informações dos diagnósticos aos seus pacientes e aos seus familiares, dai haver um pouco de indignação por não existir os mesmos cuidados que as associações oferecem. Muitas famílias precisam de ajuda para aprender a lidar com estes casos e algum tratamento psicológico.

No caso específico desta cuidadora, ela sente que não existem qualquer sensibilidade por parte dos médicos, mas disse “consigo compreender porque eles lidam com estas doenças todos os dias e isto para eles é só mais um dia de trabalho, mas há o outro lado e quem esta deste lado são pessoas com sentimentos.”

Quando se recebe um diagnostico, principalmente de uma doença pouco conhecida vem todo um medo e dúvidas com esse mesmo diagnostico, Lara disse que “estamos a falar de uma doença rara, mas podíamos estar a falar de outra coisa qualquer de um cancro por exemplo, mas são doenças que precisamos de atenção, é mesmo essa a palavra atenção, precisamos de alguém que nos explique.” Afirmando que não sentiu isso por parte dos médicos.

Em termos de apoios financeiros, quase que nem existe porque esta família não tem ajuda nenhuma e o que acontece a maioria das vezes é arcarem com todo o tipo de despesa, seja os tratamentos, os materiais, hospitais, clínicas, entre outros. Quando pedem ajuda estão à espera de uma resposta imediata e positiva e o que surge é não terem condições para ajudar ou os equipamentos demorarem muito tempo. Lara explica que teve de comprar a cadeira de rodas para a mãe, porque o pedido demorava muito tempo a ser aceite e um banco para a banheira. Contudo, a medicação é oferecida e é levantada no hospital e têm um aparelho que ajuda na respiração, no entanto essa máquina é emprestada e mal acabe o tratamento têm de ser devolvida. Lara está consciente que têm de comprar uma cama articulada, pois não têm apoios nenhuns.

Segundo o site da Segurança Social, existem dois tipos de cuidadores, o cuidador informal principal, que é aquele que presta cuidados permanentes à pessoa cuidada e o cuidador não principal, que consiste naquele acompanha e cuida da pessoa cuidada de forma regular, mas não permanente, ou seja, que tem uma atividade profissional. Em declarações Nélida Aguiar apontou, “Todos sabemos que existem milhares de cuidadores em Portugal e têm muito poucos apoios, apesar de enfrentarem enormes desafios, não só económicos, sociais, emocionais, e a verdade é que o estatuto não veio dar resposta a estes problemas.”

Tendo a necessidade de manter um emprego, Lara é uma cuidadora não principal, os apoios para este tipo de cuidadores ainda está por definir logo, esta filha não tens quaisquer apoios.

Atualmente a sociedade ainda não está preparada para lidar com doenças raras e quem sabe isso muito bem é esta filha e a sua mãe, por já terem passado por diversos momentos em que foram abordadas por pessoas que faziam comentários menos agradáveis e para não se sujeitarem a isso, a mãe passou a sair de casa cada vez menos. Assim evitava que as pessoas falassem da sua saúde e do seu aspeto, Lara aforma que “A sociedade não compreende de todo a doença, a minha mãe enquanto ainda saia as pessoas chegavam a olhar para ela de lado”.  

Para a Lara ou para qualquer tipo de cuidadora aquilo que se sente é o medo e o receio de não serem suficientes ou capazes de lidar com a doença. Há a angústia de ver a mãe a sofrer a cada dia que passa, o tempo não ajudar e há dias de muita luta por não saber o que se fazer. A rotina é sempre a mesma, acordar, dar banho, dar de comer, ajudar com o que é necessário, apoiar e certificar que está tudo bem. O maior medo de Lara é deixar de ser cuidadora da mãe, apesar de ter a noção que esse dia eventualmente vai chegar. Para ela o pior que pode acontecer é algum órgão importante deixar de funcionar ” tenho muito medo que um dos músculos mais importantes, os pulmões ou o coração deixem de funcionar.”

Fotografia cedida por Lara Bourdain

Em Portugal existem quase 1,4 milhões de cuidadores, segundo um inquerido nacional feito pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, o número de cuidadores informais em Portugal é mais elevado do que os 8% a 10% que se estimava, impulsionado durante a pandemia por causa do fecho de respostas sociais este numero aumentou.

Neste mesmo inquérito, percebeu-se que quem cuida são sobretudo mulheres ocupando 64% e com idades entre os 25 e os 54 anos, a maioria desta mulheres são cuidadoras a tempo inteiro.

Carminda Gonçalves também nos dá o seu testemunho como cuidadora, ela é mãe do Tiago que tem 11 anos, aos 14 meses foi diagnosticado com a doença rara Klippel Trenaunay e um Linfedema. É uma doença caracterizada pela presença da tríade, ou seja, há manchas “cor-de-vinho”, malformações venosas ou veias varicosas e hipertrofia óssea. Como em Portugal não havia muitas condições, Tiago foi diagnosticado nos Estados Unidos e acompanhado na clínica Foldi na Alemanha, onde a mãe aprendeu a fazer drenagem linfática manual, sendo assim a própria a fazer os tratamentos.

O Tiago faz uma vida normal, no entanto Carminda está sempre atenta aos sinais que possam surgir, como por exemplo se ele andar de bicicleta tem de ter cuidado para não cair, certo tipos de brincadeiras têm de ser supervisionados porque não pode andar às pancadas e isso limita um pouco a sua infância. Precisa de usar meias de compressão juntamente com duas peças, uma espécie de luva para os dedos para fazer pressão no peito e usa uma meia própria até à virilha. A mãe certifica-se que está sempre bem colocada e esticada, porque a pele não pode ficar com nenhuma ruga e verifica todos os dias se é necessário cuidados extras.

Carminda afirma que o seu filho já sofreu comentários negativos a respeito do seu aspeto, porque é uma doença visível por ter uma perna mais curta e inchada do que a outra e ter uma mancha “cor-de-vinho”. Acontece muito na rua, na natação, na escola, inclusive usa um sapato que tem uma compensação maior devido à diferença do tamanho da perna e muitas vezes os colegas insultam-no e agridem-no. Nesses casos o Tiago ignora ou responde explicando qual é a sua doença.

Para Carminda e Tiago, o papel da associação foi super importante pois estabeleceram laços com pessoas que sofriam da mesma doença. Num dos acampamentos que foi, conheceu uma menina que era federada em basquete e ele nesse dia ficou a saber que mesmo tendo limitações pode ser o que quiser e a mãe afirma ter sido bom e diz “ele achava sempre que não era possível ser federada e jogou com ela várias partidas e ficou impressionado porque descobriu que afinal era mesmo possível, pode fazer tudo o que quiser, mas com alguns limites e foi bom ele ver isso.”, foi uma lição e uma aprendizagem para ambos. Carminda também explicou que houve uns tempos em que o Tiago se vestia todo com cores escuras e desde esse dia que passou a vestir-se só de cores alegres, porque viu aquelas crianças todas vestidas de verde, amarelo, cor-de-rosa, tons claros.

Fotografia cedida por Carminda Gonçalves

A mãe do Tiago quando soube da doença teve um impacto negativo, pois o médico não foi solidário e não deu certezas de nada, nem indicou as consequências que tinha e disse que a melhor solução seria amputar a perna. Carminda recusou e falou com o pediatra do seu filho, que após uma pesquisa encaminhou-a para Boston para ter certezas de tudo. Foi aí que teve todo o tipo de informação e onde conseguiu esclarecer todas as suas dúvidas.

Em termos financeiros, o Tiago nos Estados Unidos não teve qualquer tipo de ajuda, ou seja, a família assumiu todas as despesas, incluindo transporte, tratamento, clínica, exceto a hospedagem porque ficaram na casa de um amigo. Na Alemanha, foi um pouco diferente porque o Estado contribuiu com ajuda monetária para os tratamentos e hospedagem porque ficaram 3 semanas, no entanto para isso acontecer Carminda teve de preencher um formulário. Não existe nenhuma medicação, precisa é de usar uma compreensão elástica que não são comparticipadas e têm de trocar de 6 em 6 meses por causa do seu crescimento e a própria elasticidade não dura mais do que 5 meses, isso tem um custo de mais de 300 euros, sendo que precisa de dois pares, o custo é superior a 600 euros.

O Tiago têm um atestado multiusos de 62% com incapacidade definitiva, no entanto poderá trabalhar normalmente, sendo que há exceções como a carreira de militar, exigir muito tempo de pé, sítios onde a temperatura é muito quente ou muito fria por ser influenciado pela temperatura.

Sendo mãe, o seu maior medo passa por acontecer acidentes que ele tenha hemorragias, como andar de bicicleta que pode cair ou ser atropelado e ter de ir para o hospital porque poderá ser grave. Já aconteceu pequenos acidentes em que o Tiago teve de ir ao hospital e os médicos não conseguirem ajudar por não saberem o tipo de doença que ele sofre. Sempre que vão de férias, têm de escolher bem o sítio para onde vão e se por perto há algum tipo de hospital para que caso haja algum imprevisto o Tiago conseguir ser socorrido de imediato.

Tal como Lara, Carminda também não tem qualquer tipo de apoio financeiro, tendo também o estatuto de cuidador não principal.

É importante que a família se una e que haja o máximo de organização, visto que o papel de quem cuida não é fácil por terem os seus próprios trabalhos e ainda assim ter de ajudar as pessoas que estão doentes. Cada caso é um caso e há sempre situações mais graves que as outras, mas o que as pessoas têm em comum é a dependência de ter sempre alguém disponível e apto para ajudar.

INFO: ASSOCIAÇÕES QUE AJUDAM TANTO OS DOENTES COMO OS CUIDADORES
TOGETHER IN SMA
FEDRA
DOENÇAS RARAS EM PORTUGAL
ALIANÇA PORTUGUESA DE ASSOCIAÇÕES DAS DOENÇAS RARAS
ASSOCIAÇÃO NACIONAL CUIDADORES INFORMAIS
MOVIMENTO CUIDAR DOS CUIDADORES INFORMAIS
ASSOCIAÇÃO CUIDADORES
Ana Silva

Ana Silva, 25 anos. Natural de Braga mas apaixonada pela cidade do Porto, frequenta o 3ºano do curso de Ciências da Comunicação, no ramo de Jornalismo na Universidade Lusófona do Porto.