“É essencial o acompanhamento psicológico”, garante ex-ginasta de elite
As atletas portuguesas de ginástica acrobática do Acro Clube da Maia (ACM) têm conquistado várias medalhas a nível nacional, europeu e mundial. Ana Rita, Beatriz, Carolina, Eduarda, Eugénia, Filipa, Joana, familiares e treinadores, falam em que medida é que ser atleta de alta competição poderá ter impacto na saúde mental.
[Texto de Ana Gomes e Ana Jorge]
O estatuto de alta competição, nesta modalidade, implica que as atletas sejam jovens, para serem capazes de atingir níveis de exigência física mais elevados. Porém, segundo algumas atletas, quanto mais jovens, menos maturas e menos capazes de lidar com os problemas psicológicos. Filipa Patrocínio pisa a plataforma de treinos há 14 anos e carrega 2 medalhas de bronze, conquistadas no campeonato europeu. A ginasta afirma que, agora, aos 20 anos e com o peso que todas as conquistas e desgostos consegue lidar melhor com a pressão e frustração – “no meu caso, foi mais difícil e exigente na fase da adolescência por ser mais nova e menos matura e, consequentemente, menos capaz de lidar com os problemas psicológicos. Conseguir lidar com a pressão e com a defraudação das expectativas é algo que se aprende fazer com a experiência”. Joana Patrocínio, ex-atleta de ginástica acrobática, campeã mundial de ranking em 2016 e irmã de Filipa Patrocínio também concorda que a idade é determinante na forma como as atletas lidam com as situações, dizendo que “no caso da ginástica, que acaba por ser uma modalidade precoce, acredito que o acompanhamento psicológico é ainda mais necessário, devido à elevada exigência pedida em idades tão novas”.
Lourenço França é treinador de ginástica acrobática e diretor técnico do ACM e admite que sempre teve preocupação e sensibilidade com a saúde mental das suas atletas e declara que “o bem-estar psicológico é essencial não só no alto rendimento, mas em todas as facetas da vida. O “Mental Balance” é só uma das partes da tríade do treino que preconizamos no Acro Clube da Maia: Equilíbrio Físico, Mental e Emocional”.
O treinador de várias atletas medalhadas conta que tenta sempre ter atenção ao que diz às suas atletas e que evita “deixar que as emoções do momento influenciem o meu discurso”. Para além disto, Lourenço crê, por “experiência própria e autoanálise”, que a idade é um fator determinante na forma como consegue controlar as sensações que provoca nas ginastas – “é mais fácil agora do que, por exemplo, quando comecei a minha carreira há quase 30 anos”.
Joana Patrocínio deixou de praticar ginástica acrobática, mas não abandona a modalidade, sendo, atualmente, a chefe das redes sociais da ginástica acrobática, em Portugal. Joana declara que, quando o psicológico de uma atleta não está a 100%, “o stress, o cansaço, a frustração e a falha tornam-se ainda mais acentuados”. A ex-ginasta reconhece que, enquanto atletas, ficam de tal forma submersas nos treinos, que acabam por se esquecer, por algumas horas, do dia-a-dia.
Estas atletas de alta competição do ACM treinam todos os dias, exceto ao domingo, cerca de 5/6 horas por dia, havendo alturas do ano em que fazem treinos duas vezes ao dia, que contabilizam um total de 8 horas por dia.
Em 2014, quando Ana Rita Teixeira entrou pela primeira vez num pavilhão de treinos ia trémula e com pouca ou nenhuma confiança. Hoje, com 17 anos é a atual campeã do mundo e caminha de forma primorosa, não parecendo a mesma pessoa. Ana Rita reconhece que a ginástica acrobática é uma modalidade desportiva que requer extrema concentração e foco porque “os exercícios que fazemos são de elevada dificuldade e qualquer erro, por mais pequeno que seja, pode ser muito perigoso”.
As atletas consideram que, para haver concentração, é necessária uma boa organização entre treinos e estudos, de forma a conseguirem descansar o tempo necessário. Beatriz Carneiro tem 20 anos e o seu físico de atleta é o retrato das várias horas que treina por dia. A ginasta já conquistou diversas medalhas a nível nacional e internacional, entre elas um segundo lugar no campeonato do mundo, em 2020. Beatriz confessa que “nós treinámos tanto ao ponto de os elementos que executamos ficarem em modo “automático”, porém a mente é o que controla como nós vamos reagir à pressão da competição, como vamos encarar a competição e gerir todas as emoções, sendo esta fundamental para determinar o nosso sucesso, ou não, nela.” Como diz Joana Pinto, ginasta de 13 anos, as provas são, apenas, 2 minutos e meio em que é colocado em causa o trabalho que desenvolveram durante muitos anos.
No geral, as ginastas consideram que, para além de um grande esforço físico, a modalidade também exige um grande esforço mental em prol do sucesso nas competições. As atletas, para além do desporto, têm de se aplicar nos estudos, o que faz com que fiquem ainda mais cansadas, tanto fisicamente, como psicologicamente. O tempo que cada atleta tem para disfrutar da companhia dos amigos e da família fica escasso no meio de tantas horas ocupadas com treinos. Beatriz Carneiro conta que, por vezes, é obrigada “a dizer que não” a alguns momentos em família ou com amigos. Beatriz acrescenta, ainda, que o mais importante para que se consiga “ter tempo para tudo” é a organização, a atleta acrescenta, ainda, que “apesar de não ter muito tempo para extras, não sinto que isso deixa a minha vida triste. Gosto dela assim mesmo e é uma escolha que eu tomo por mim mesma e que aceito todos os dias”.
“Vale tudo a pena”
Filipa Patrocínio
Apesar de as atletas se privarem de algumas atividades típicas dos jovens adolescentes, Filipa Patrocínio não sente que está em desvantagem perante as pessoas com a mesma idade e afirma que “nós também fazemos muita coisa que os outros jovens não fazem e ganhamos muito, tanto a nível pessoal, como desportivo. Vale tudo a pena”.
Eduarda Portela tem 17 anos e escolheu o caminho da ginástica quando tinha 7. Até hoje, foi campeã Mundial em 2016 e, também ela, sente que não está em desvantagem perante os outros jovens e confessa que, quando decidiu seguir este rumo, já sabia que iria ter de abdicar de algumas coisas.
Beatriz Carneiro considera-se uma pessoa capaz de lidar com a pressão imposta pelo desporto que pratica, mas reconhece que, por vezes, durante as provas, fica “um bocado mais nervosa”, contudo, tenta dar sempre o seu melhor e abstrair-se dos pensamentos negativos, acrescentando que “a pressão” nem sempre é algo prejudicial, “um pouco de pressão é sempre bom quando queremos alcançar grandes objetivos, mas não sinto que o faça em exagero, de modo a ficar afetada por ela”.
Em contrapartida, Eduarda Portela confessa que não sabe lidar com a pressão e que, apesar de tentar manter sempre a calma, por vezes não aguenta e fica desmotivada. Também Carolina Carneiro, de 17 anos e irmã de Beatriz Carneiro, conta com vários títulos a nível distrital e reconhece que impõe demasiada pressão nas atividades que desempenha, devido ao receio que tem de falhar – “penso que, se falhar alguma coisa, a culpa é minha”.
Relativamente às expectativas que cada atleta impõe na carreira, Ana Rita Teixeira explica que tem sempre expectativas altas, porque ambiciona “chegar ao topo”. A atleta revela, ainda, que, quando alguma coisa não corre como o esperado, fica triste, mas tenta que isso não afete nem a carreira, nem o desempenho em competições futuras.
Na perspetiva de Beatriz, “para se conseguir alcançar o sucesso no desporto, tem que existir equilíbrio entre saúde física e mental”. A ginasta confessa, ainda, que o mais importante é sentir-se bem com ela própria, tanto a nível físico, como psicológico e emocional e tenta pedir ajuda quando necessita, “para não deixar tudo só para mim”. Do mesmo modo, Ana Rita Teixeira tenta gerir a vida de forma a ter controlo entre o físico e o psicológico, “separo alguns momentos para fazer o que mais gosto, ou mesmo para não fazer nada”. A atleta acredita que estes hábitos são importantes e a ajudam a conseguir manter o equilíbrio emocional.
O primeiro contacto com Eugénia Campinho foi feito no dia 27 de dezembro de 2021. O #infomedia insistiu e Eugénia acabou por responder dia 5 de janeiro de 2022, mais de uma semana depois do primeiro contacto – “peço desculpa pela demora, respondi o mais rápido possível tendo em conta que tenho tido dificuldade em conciliar os treinos com o meu tempo livre”. Quando questionada sobre o poder da mente, a ginasta de 16 anos e com algumas medalhas nacionais concordou que a condição psicológica afeta a física e confessou que existiu uma altura em que esteve em baixo a nível psicológico, sofreu “crises de ansiedade” e expõe que “ sem dúvida, isso afetou a minha performance e não consegui atingir certos patamares”.
A mãe das ginastas Beatriz e Carolina Carneiro defende que é necessário o acompanhamento psicológico nas atletas de alta competição, visto que “se a atleta não estiver bem psicologicamente, dificilmente conseguirá ter uma boa performance”. Sendo da mesma opinião, a irmã de Filipa Patrocínio, Joana Patrocínio, crê que “se uma atleta não está bem psicologicamente, toda a sua preparação e performance são afetadas negativamente”. A ex-atleta acrescenta, ainda, que “é essencial o acompanhamento psicológico”, e explica que, quando competia, fazia terapia psicológica, de modo a ultrapassar medos e inseguranças.
Devido à pressão e ao cansaço, as ginastas admitem que há momentos em que desistir passa a ser uma opção, mas “depois reflito sobre todo o progresso que tenho tido e consigo ver que sou capaz de ultrapassar tudo”, conta a atual campeã do mundo, Ana Rita Teixeira.
Beatriz Carneiro expõe que, na sua perspetiva, acompanhamento psicológico é essencial, “mas, infelizmente, não há muito dentro da ginástica”. No geral, as atletas confessam que sentem a necessidade de procurar ajuda psicológica e que não existe apoio “nem por parte da federação, nem, normalmente, por parte dos clubes. Não temos um especialista que esteja disponível para nos ajudar nestes aspetos”, conta a atleta de 20 anos.
Ana Rita Teixeira reforça que o acompanhamento psicológico é extremamente importante, “principalmente nas atletas mais novas, dado que, por vezes, não sabem como lidar com a falta de tempo para estudar e para estar com quem mais gostam e, nesse caso, um psicólogo deverá conseguir ajudar a organizar o tempo e as tarefas”. Por outro lado, Carolina Carneiro defende que a ginástica acrobática é uma modalidade desportiva extremamente exigente e que, por esse motivo, “não acho que qualquer pessoa consegue praticá-la, porque depende da forma como cada um consegue lidar com os problemas”.
Em geral, todas as atletas acreditam que a condição psicológica regula a física e Beatriz Carneiro exemplifica dizendo: “se uma atleta não conseguir dormir porque está demasiado preocupada e pressionada, no dia seguinte, isso, provavelmente, trar-lhe-á consequências negativas na sua prestação, devido à falta de descanso.” Por outro lado, Ana Rita Teixeira dá o exemplo da falta de confiança e garra, dizendo que esta pode afetar negativamente o desempenho nas competições.
Todos os entrevistados admitem que há vários fatores que podem influenciar a prestação de cada atleta, tanto em treinos, como em competições. O treinador do ACM exemplifica estas situações, dizendo que “uma época de exames, uma semana de testes, o aproximar de uma competição importante ou um problema familiar são alguns dos cenários capazes de destabilizar a performance de uma atleta”. De forma a reforçar a importância do equilíbrio mental, Lourenço França concorda que “tem de haver tempo para tudo e têm de existir momentos para “levantar o tampo da panela”, que, muitas vezes, está a acumular pressão”.
“O psicológico eleva ou derruba.”
Lourenço França
Lourenço concorda com a perspetiva das suas atletas e, citando António Variações – cantor e compositor português – afirma que “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”.
O treinador utiliza, ainda, como exemplo para a importância do equilíbrio mental, o caso de Simone Biles nos últimos Jogos Olímpicos, em Tóquio. A atleta americana, reconhecida como a melhor ginasta do mundo, desistiu da competição devido a um ataque de ansiedade e denunciou a enorme pressão que as estrelas do desporto sofrem. O treinador termina concordando que “o psicológico e o emocional têm um efeito sobre o físico que é avassalador, determinante e decisivo em tudo o que fazemos”, acrescentando que “o psicológico eleva ou derruba”.
“Os problemas voltarão assim que pisarmos o chão lá fora, é certo, mas aqui dentro estamos seguros, no nosso mundinho bom.”
Lourenço França
Quando questionado sobre a sua forma de agir perante uma situação em que uma atleta demonstra não estar em boa condição psicológica, Lourenço começa por tentar perceber os motivos. Se estes forem externos ao desporto, “o que, felizmente, acontece na maioria das vezes, tentamos que o treino seja a descompressão, seja o escape e seja um mundo à parte dos problemas”. O treinador reconhece, ainda, que “os problemas voltarão assim que pisarmos o chão lá fora, é certo, mas aqui dentro estamos seguros, no nosso mundinho bom”. Lourenço termina afirmando que os treinos são uma realidade alternativa e terapêutica, tanto para treinadores, como para atletas.
A segurança presente no abraço de um treinador orgulhoso faz-se sentir através de uma simples fotografia.
Aos olhos das atletas e de Lourenço França, a principal necessidade para que uma atleta conquiste o sucesso é o amor pelo que faz – “o amor arrasta tudo o resto. Traz consigo a vontade de querer mais, de querer despender mais horas e de querer fazer sempre melhor. Sem amor pouco se consegue e com amor tudo se torna possível.” Para além disto, em geral, todos acreditam que é imprescindível o foco, a dedicação, o trabalho, a resiliência para aguentar o regime de treino exigente e a capacidade de conciliação da vida académica com a vida desportiva.
Sou a Ana Jorge e tenho 21 anos. Atualmente, frequento a licenciatura de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto e trabalho como manequim profissional na Best Models SA. Para o meu futuro, ambiciono trabalhar em entretenimento televisivo, em rádio e em representação.