Em plena pandemia, Liga aprova ‘vacina’ contra insólitos no futebol português

Voltar
Escreva o que procura e prima Enter
Em plena pandemia, Liga aprova ‘vacina’ contra insólitos no futebol português

Já está em vigor a medida que pretende reforçar a integridade das competições profissionais da modalidade em Portugal.

[Texto de Vitória Costa]

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) aprovou, no passado dia 21 de dezembro, a alteração dos regulamentos que impede que um jogo se realize caso cada uma das equipas não disponha de, no mínimo, 13 jogadores, incluindo um guarda-redes.

O que estava em causa era o aditamento do artigo 46.º-A ao regulamento das competições organizadas pela LPFP e que diz respeito ao regime de adiamento de jogos. A medida foi votada em assembleia geral extraordinária, no auditório João Aranha, na sede da Liga Portugal – designação adotada pela LPFP para fins comunicacionais –, no Porto. A proposta foi ratificada pela maioria das sociedades desportivas presentes na reunião – à qual faltaram o FC Vizela e o CD Nacional – com um voto contra e dois nulos. A medida, que entrou em vigor no dia seguinte à aprovação, vem revogar a anterior regra que permitia que uma equipa fosse a jogo com apenas sete jogadores.

Tendo em consideração o atual contexto pandémico, e de acordo com o segundo ponto do artigo, a “inaptidão para jogar tem de ser atestada” por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS) sempre que se verifique algum caso positivo de SARS-CoV-2 e/ou seja indicado isolamento profilático a qualquer elemento do plantel.

Estão também previstas no regulamento outras questões de saúde, como possíveis situações de “surto de outra doença contagiosa” e circunstâncias relacionadas com a ocorrência de lesão ou “doença por outras causas”. Perante este tipo de casos, a declaração da eventual incapacidade para competir é da responsabilidade, respetivamente, de um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou do médico do clube em questão, com confirmação de um homólogo do SNS.

A incapacidade pode ainda ser decretada pela própria Liga Portugal “através do registo de sanções do jogador, no caso de cumprimento de sanção disciplinar de suspensão”. É também ao organismo que tutela o futebol profissional, neste caso o Presidente e um Diretor Executivo, que compete a decisão de adiamento de qualquer jogo, como consta do ponto três do recém-aprovado artigo.

Artigo 46.º-A
Regime de adiamento de jogos

1. Sem prejuízo do regime previsto no artigo anterior, deve ser determinado o adiamento de um jogo sempre que um clube não tenha, comprovadamente, um mínimo de 13 jogadores (dos quais, pelo menos, um seja guarda-redes) aptos a jogar.
2. A inaptidão para jogar tem de ser atestada até ao início do jogo, pelas seguintes entidades ou pessoas:
a) Direção-Geral de Saúde, no caso de despiste positivo de SARS-CoV-2 e/ou isolamento profilático de jogadores do plantel;
b) médico do Serviço Nacional de Saúde, no caso de surto de outra doença contagiosa, vírica ou bacteriana, que determine incapacidade para jogar;
c) médico do clube, no caso de lesão ou doença por outras causas, a confirmar por médico do SNS em atestado assinado e com a sua vinheta, entregue à Liga Portugal no prazo de 24h;
d) Liga Portugal, através do registo de sanções do jogador, no caso de cumprimento de sanção disciplinar de suspensão.
3. A decisão de adiamento é da competência do Presidente da Liga Portugal e de um Diretor Executivo.
4. O jogo adiado ao abrigo do presente regime será reagendado para data a definir por acordo dos clubes nos dois dias úteis seguintes ao da data inicial do jogo ou, na sua falta, nos termos do n.º2 do artigo 44.º
5. Em qualquer dos casos, o reagendamento do jogo:
a) deve obedecer aos requisitos do n.º 5 do artigo 44.º;
b) deve ser feito para o período compreendido entre o 5.º e o 15.º dias, contados da cessação da inaptidão generalizada do plantel;
c) não pode ser feito para data posterior ao fim de semana seguinte à data oficial da última jornada dos campeonatos organizados pela Liga Portugal

A intenção de proceder à alteração dos regulamentos havia sido divulgada no dia 3 de dezembro, depois de uma reunião entre as principais entidades responsáveis pelo futebol profissional em Portugal. A deliberação foi expressa num comunicado conjunto das várias instituições presentes na reunião, como: a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), a LPFP, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), a Associação Nacional de Médicos de Futebol (AMEF) e a Mesa do Plenário das Associações Distritais e Regionais de Futebol, atualmente constituída pelas Associações de Futebol de Vila Real, Ponta Delgada e Setúbal. “A Comissão Executiva da Liga Portugal deve criar de imediato os mecanismos legais aplicáveis para que nenhum jogo de futebol se inicie em qualquer competição com um número inferior a 13 atletas, incluindo um guarda-redes” pode ler-se.

Num artigo de opinião intitulado “Trabalho contínuo”, publicado no jornal Record a 8 de dezembro, Helena Pires, Diretora Executiva da LPFP, admite que “a atual conjuntura pandémica trouxe um dos maiores desafios de sempre à indústria do Futebol Profissional” e que, neste sentido, “a harmonização de protocolos tem sido uma prioridade constante”. Para além disso, afirma Helena Pires, “a proposta de alteração do número mínimo de jogadores por equipa passar a 13 — 11 titulares e mais dois suplentes — ou seja, a alteração ao Artigo 46 do Regulamento de Competições passará a ser uma realidade o mais brevemente possível”. O propósito fundamental desta medida é “salvaguardar a integridade das competições que necessitam, igualmente, de estabilidade e uniformidade das várias normas”.

Percebemos, naturalmente, que a saúde pública não tem preço – e corroboramos por inteiro esta posição -, mas estas decisões representam situações que fogem ao protocolo sanitário previamente estabelecido e que permitiu garantir a estabilidade das competições.

Helena Pires

Num outro artigo de opinião, com o título “Corrigir e evoluir”, publicado a 10 de dezembro no Jornal de Notícias, Tiago Madureira, também Diretor Executivo da Liga Portugal, revela que “a Liga Portugal, em articulação estreita com clubes e diversos parceiros institucionais, tem avaliado as diferentes estratégias de empoderamento regulamentar do organizador das competições, para que o mesmo possa responder de forma mais eficiente à necessidade de adiamentos de jogos por insuficiência de jogadores num plantel, especialmente durante este contexto marcado pela Covid-19”. Considera ainda que esta alteração de regulamentos “é uma medida que, assim seja aprovada pelos clubes, representará um passo no sentido da estabilidade das competições, cujos desafios levantados pela compressão de calendários é crescente a cada ano”.

A polémica que motiva a mudança

Os eventos ocorridos no dia 27 de novembro, no Estádio Nacional do Jamor, no jogo entre a Belenenses Futebol SAD (B-SAD) e o Sport Lisboa e Benfica (SL Benfica), a contar para a 12ª jornada da Liga Portugal bwin, instalaram a polémica no futebol português. O insólito deveu-se ao facto de os visitados terem entrado em campo com apenas nove jogadores, devido a um surto de Covid-19 que afetou o plantel, a equipa técnica e o staff do clube.

Após o término precoce da partida, aos 48 minutos – motivado pelo facto de a B-SAD ter ficado reduzida a seis unidades, deixando de apresentar o número mínimo de futebolistas imposto, à data em questão, para a continuidade da partida –, o SJPF publicou um artigo no qual solicitou uma revisão dos regulamentos a aplicáveis em contexto de surto, por entender que o jogo “não dignificou nem o futebol português nem os seus protagonistas”. A instituição defendeu que “independentemente do que está protocolado para situações como esta, existem valores que são mais importantes do que qualquer competição ou exigência de calendário, nomeadamente a saúde dos atletas e a integridade da competição”. No comunicado, a entidade refere ainda que “tivemos tempo suficiente em contexto de pandemia para aprender a conviver com surtos que tornam impraticável a realização de um jogo nestas condições”, reforçando a exigência de “bom senso”, bem como “o estabelecimento de um modo de proceder digno e capaz de evitar barbaridades como a que aconteceu esta noite”.

Também o Presidente do mesmo sindicato declarou, num artigo de opinião denominado “Pior era difícil”, publicado no jornal Record no dia 29 de novembro, que o controverso encontro “fica marcado por um conjunto de inacreditáveis decisões, um assassinato da integridade e da ética desportiva, e uma especial preocupação de cada envolvido em demarcar-se de responsabilidades, sem prejuízo do regulamento e protocolo em vigor”. Joaquim Evangelista afirmou também que “clarificar a esfera de ação de cada um e dar nota do que se fez de diferente, como se a pandemia nunca tivesse obrigado a decisões que alteram os critérios inicialmente estabelecidas, é muito pouco”. E deixou ainda uma interrogação: “se este não era um caso para convocar circunstâncias de força maior para impedir a realização do jogo, e recorrer aos pontos de contacto que Liga e Federação construíram nestes quase dois anos de crise pandémica para, em conjunto, ser resolvido este impasse, o que será preciso acontecer?”.

Isto já não é sobre o caso que nos envergonha, é sobre a forma como o futebol se comporta perante problemas que seriam facilmente resolvidos se o bom senso e a articulação institucional verdadeiramente funcionassem.

Joaquim Evangelista

Quem, igualmente, não deixou de se pronunciar sobre o sucedido foi o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, que solicitou esclarecimentos imediatos à Liga Portugal. Na sequência do requerimento, João Paulo Rebelo convocou Pedro Proença, Presidente da entidade que organiza as competições profissionais de futebol, para uma reunião, que ocorreu a 29 de dezembro, com o objetivo de “monitorizar e acautelar a preparação, a segurança e a previsibilidade dos próximos eventos desportivos”, conforme esclareceu a secretaria de estado competente, numa nota à comunicação social, disponibilizada após o encontro.

De acordo com o gabinete liderado por João Paulo Rebelo, a reunião serviu “não só para que fossem prestadas as informações disponíveis, nesta data, mas também para perspetivar a forma como a Liga Portugal está a enquadrar a realização dos próximos encontros da I Liga”, garantindo que “foi ainda sensibilizada para a necessidade de todas as partes envolvidas anteciparem todos os cenários sobre os quais a evolução da pandemia venha a impactar, garantindo que são tomadas as medidas necessárias e devidas, com previsibilidade, minimizando os riscos associados à propagação do vírus em contexto desportivo”.

Futebol e Covid-19: adaptação constante

A polémica partida entre a B-SAD e o SL Benfica foi apelidada por muitos como “o jogo da vergonha”, ou também, “a página mais negra do futebol português”, e demonstrou a insuficiente adaptação dos regulamentos ao contexto atual, fator que permitiu a realização do insólito jogo, afetando a credibilidade das competições profissionais da modalidade além-fronteiras.

À semelhança de praticamente todas as áreas da sociedade, também o desporto – e, em particular, o futebol – teve a necessidade de se adaptar às circunstâncias impostas pela pandemia de Covid-19, porém, neste setor, as alterações adotadas não se limitaram apenas ao cumprimento dos protocolos sanitários que apelam, por exemplo, à etiqueta respiratória e ao distanciamento social.

Assim sendo, as mudanças implicadas pelo vírus SARS-CoV-2 levaram também a implicações diretas no funcionamento dos próprios jogos, como é o caso da medida aprovada pelo Interntional Football Association Board (IFAB) que passou a permitir a realização de cinco substituições por jogo – em vez das habituais três –, ainda que só possam ser efetuadas em três momentos da partida, para evitar quebrar o ritmo do encontro.

A norma autorizada pelo organismo que regulamenta o futebol mundial, atualmente de caráter temporário e com duração prevista até 31 de dezembro de 2022, tem por objetivo salvaguardar a integridade física dos jogadores, em virtude do maior desgaste físico a que os atletas estão sujeitos nas atuais circunstâncias e foi adotada pelas entidades responsáveis pela modalidade em Portugal.

A entrada em vigor, praticamente imediata – ação permitida ao abrigo do decreto-lei n.º 18-A/2020 –, do aditamento do artigo 46.º-A ao regulamento das competições da LPFP, segundo o qual nenhum jogo pode começar sem que ambas as equipas apresentem o ‘clássico’ 11 inicial completo, juntamente com dois jogadores suplentes, é, deste modo, mais um importante passo neste complexo processo de evolução e adaptação constantes, necessário para garantir uma competição saudável a todos os níveis e para todos os intervenientes.

Decreto-Lei n.º 18-A/2020 de 23 de abril
Estabelece as medidas excecionais e temporárias na área do desporto, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
(…)
Artigo 3.º
Alterações a regulamentos de federações desportivas

A aprovação de alterações a qualquer regulamento de federações desportivas que visem dar resposta a constrangimentos causados pela emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 podem, excecionalmente, produzir efeitos durante as épocas desportivas em curso, considerando-se decorrentes de imposição legal, para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 34.º do RJFD*.

*RJFD: Regime Jurídico das Federações Desportivas 
Vitória Costa

Sou a Vitória Costa, tenho 20 anos e sou natural de Barcelos. Neste momento, frequento o terceiro e último ano da licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto, no ramo de Comunicação e Jornalismo. Sou colaboradora na editoria de Desporto da plataforma #infomedia e tenho como objetivo trabalhar em qualquer vertente da comunicação no contexto desportivo, aliando, assim, duas das minhas grandes paixões.