Fact-checking: “Devemos sempre questionar.”
[Por Catarina Preda e Inês Conde]
Maria José Brites é investigadora em literacia dos media e do jornalismo, professora na ULP, vice-presidente do CICANT [Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias] e diretora do Mestrado em Literacia dos Media e da Informação e Cidadania Digital. É, ainda coordenadora do projeto DiciEduca – Centros de Delinquência Juvenil com competências digitais e cívicas. A investigadora e ex-jornalista foi umas das convidadas da VI conferência anual Jornalismo Frankenstein (11 de Maio) sob o tema Fake News ou Cidadania Digital.
Como é que se detetam estas fontes de desinformação?
Pensando na pergunta que faz, portanto, isso obedece às regras naturais de segurança que cada pessoa tem no Facebook. Se tenho um amigo que publica uma informação que é falsa, e se eu – eventualmente, deteto isso posso, por exemplo, dizer: “-olha se calhar deverias retirar esse post porque ele tem esta informação errada.-” Ou, podia falar-lhe em privado. Se não é um amigo muito próximo, e pertence ao conjunto imenso de desconhecidos que nós temos no Facebook e se achar, por exemplo, que aquela informação é ofensiva, o próprio Facebook permite que nós denunciemos a situação.
De que forma é que os media podem lutar contra a desinformação em redes sociais como: Twitter, Facebook, por exemplo?
Às vezes a desinformação vem também por parte dos media tradicionais, por isso é que a situação é muito complexa. Nós, às vezes, temos uma ideia binária de que esta tal desinformação, ou notícias falsas, é algo que acontece nas redes sociais, às vezes não. Eu costumo dar sempre este exemplo que é um clássico: o Vasco Granja que era uma pessoa muito popular na televisão portuguesa do século XX morreu e depois passado uns anos, houve um jornal de referência que voltou a publicar a sua morte. Portanto, há vários exemplos de notícias que não estavam corretas, desde os jornais às redes sociais. A desinformação, ou desordens informativas, não tem apenas um local e, por isso, é que esta situação é muito difícil. Nós somos parte do problema e da solução, todos nós, porque por muito informados que estejamos, por vezes, pisamos o risco, porque não damos por ela, ou porque quisemos partilhar alguma coisa com pressa.
Os media tradicionais têm aqui um papel muito importante que é, por exemplo, fazer um jornalismo de qualidade, mesmo quando não estamos a falar de jornalismo no sentido tradicional. As diferentes empresas mediáticas que atuam, também, nessa área devem ter essa preocupação, a desinformação pode vir de vários lados. Além disso, também há uma regulação e os diferentes espaços e atores sociais que estão implicados nestas áreas: a escola, os cidadãos, os média noticiosos, o Ministério da Educação ao nível da DGE [Direção Geral da Educação] têm feito, também, um trabalho muito importante de promoção da literacia para os média.
Porque é que as Fake News circulam de uma forma viral, quando comparadas com as notícias/informação divulgadas por órgãos de comunicação social que se baseiam em factos verificados?
Não sei se circulam mais rápido ou menos rápido, sinceramente não sei.
Evidentemente que, nas redes sociais, o que é publicado circula de um modo mais rápido do que aquilo que é publicado num jornal diário. Estou a dar esse exemplo pois têm uma tiragem bastante reduzida, de um modo geral nos impressos diários podemos ter, eventualmente, uma circulação mais limitada. As redes sociais possuem um mecanismo de tornar a informação, ou aquilo que é publicado, seja informação jornalística ou não, viral, e esse mecanismo é que pode permitir e facilitar, muitas vezes, que tudo tenha uma velocidade que nós não conseguimos controlar e retificar.
Agora, se a desinformação corre mais depressa do que a informação, eu não tenho essa imagem assim tão pessimista.
Num mundo digital, como é que os leitores/cibernautas podem filtrar as notícias?
Além de algumas formas que existem, já há alguns exemplos e até alguns projetos de investigação nesta área, por exemplo ao nível da própria deteção de fact-checking.
Os próprios mecanismos que algumas redes sociais nos apresentam e que, também, identificam, ou não, a credibilidade da informação. E, depois, a esse nível há um conjunto de regras, ou boas práticas, que permitem a que nós vamos desenvolvendo alguns mecanismos, para melhor ultrapassarmos essa ratoeira de confiar numa informação que não está correta. Por exemplo, quando é invulgar demais; quando está a ser partilhado apenas por uma fonte; quando o site está escrito em mau inglês ou mau português e quando o mesmo não está devidamente atualizado e não percebemos muito bem quem são os autores.
Se virmos uma informação que vem de um media informativo profissional e virmos uma informação completamente oposta num sítio que nós não conseguimos fazer a triagem da credibilidade, não tenho dúvida nenhuma que devemos confiar na primeira possibilidade embora sendo sempre críticos.
Há uma autora americana, a Renee Hobbs, que diz “devemos sempre questionar” e não é questionar por questionar -mas sim porque devemos olhar para aquilo que está à nossa frente e questionar sobre alguns daqueles aspectos que identifiquei há pouco. É essencial perceber quem divulgou essa informação e se existe algum interesse na partilha da mesma. O interesse pode muitas vezes ser um clickbait.
Já existe uma definição para Fake News, mas como é que, no seu entendimento deveria ser a definição deste conceito?
Eu não gosto particularmente do conceito de fake news. Não é que não use por vezes, mas o termo fake news desagrada-me, particularmente, porque acho que ele habitualmente aponta-nos em direções erradas e contraditórias que não nos permitem chegar a grande lados.
Fake news? O que é isso? Quando nós falamos em notícias, feitas por jornalistas e profissionais nós vamos pensar na definição de fake news por aí. Então eu acho que é tremendamente injusto para a ideia de notícia e para a ideia do que é um trabalho de um jornalista porque, então, parece que nós estamos a dizer que aquilo é falso. Se formos pensar, por exemplo, o que são as fake news para o Trump? São notícias bem feitas, contextualizadas e verificadas, mas que simplesmente podem dizer algo com o qual ele não concorda, podendo esta ser também uma definição de fake news. Aliás, vemos que o termo entra na agenda através daí, porque se formos à história —nomeadamente história do jornalismo— dava-vos aqui imensos exemplos de que o jornalismo e até de forma intencional — e nomeadamente questões políticas—na época do Yellow Jornalism em que o termo poderia ter sido aplicado. Mas ele entra, de facto, na agenda e hoje muitos identificam esse termo por causa do Trump e na verdade aquilo que ele identifica como fake news nós podemos ver que não o são, portanto eu não gosto particularmente do termo. Eu gosto muito de utilizar o termo desordens informativas, é também utilizado por outros autores, nomeadamente a Divina Frau-Meigs e a Elizabeth World. Eu acho que é uma designação mais feliz, porque acho que ela inclui tudo isto que nós falamos e mais um par de coisas, é muito diverso e permite um debate mais rigoroso.
Editora e colaboradora do #infomedia. Natural de Santa Maria da Feira, comunicadora desde sempre e (quase) jornalista por opção.