Francisco Oliveira: a surdez não foi uma barreira para o sucesso

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Francisco Oliveira: a surdez não foi uma barreira para o sucesso

Filho da ria e do mar, João Francisco Mateus Oliveira nasceu em Ovar e desde cedo tem vindo a protagonizar momentos marcantes dentro do basquetebol português. O que distingue este atleta de outros é a sua condição auditiva. “Sou um rapaz com surdez severa, diagnosticado aos meus dois anos de idade.” Atualmente com 24 anos, Francisco Oliveira atua no plantel do Illiabum, em Ílhavo, município de Aveiro. Contudo, durante praticamente toda a sua carreira, pertenceu à Associação Desportiva Ovarense, equipa da sua terra, e foi lá que arrecadou grande parte dos ensinamentos que leva consigo. Mesmo sendo jovem, o atleta demonstra conseguir ser um exemplo para outros jogadores e até mesmo para futuros atletas que passem por desafios semelhantes. “Quando olho para trás, diziam que a probabilidade de eu levar uma vida normal devido à surdez não iria ser possível, e atualmente posso dizer o contrário.”

A infância é uma fase marcante na vida de qualquer jovem, já que é nesta era que são proporcionadas as bases necessárias para que se consiga seguir, no futuro, uma vida em sociedade. A infância de Francisco foi preenchida com períodos que lhe fizeram obter esses mesmos ensinamentos e suportes.

Ele recorda-se de vivenciar momentos recheados de felicidade, contanto sempre com a presença da sua família, dos seus colegas de equipa e dos seus amigos. Com um diagnóstico que foi definido tarde, o atleta passou por tempos onde necessitou de ter aulas de ensino especial e contou sempre com o apoio da sua mãe, mulher esta que detetou certas peculiaridades no filho que fizeram com que fosse averiguar a situação.

“A minha mãe pegava em mim todos os dias para termos uma aula de ensino especial. Este acompanhamento que tive proporcionou-me ser quem eu sou hoje”, refere Francisco no que diz respeito ao acompanhamento que lhe foi dado.

Atleta Francisco Oliveira, em representação do Illiabum

Mesmo que tenha nascido com surdez severa, Francisco Oliveira afirma que os seus pais sempre lhe deram, para além dos cuidados necessários, o conforto e as bases essenciais para conseguir levar uma vida considerada normal nas dinâmicas diárias, algo que os médicos não davam como garantido.

“Quando olho para trás, diziam que a probabilidade de eu levar uma vida normal devido à surdez não iria ser possível, e atualmente posso dizer o contrário. O basquetebol é uma arma fundamental e ele ajudou-me muito a crescer neste aspeto, já que auxilia bastante no desenvolvimento de uma criança e até para se desenvolver em sociedade.” Francisco valoriza bastante o trabalho feito pelos pais, e reforça: “Antes de eu acreditar que era possível, já havia quem acreditasse”.

O basquetebol como ferramenta educativa

Desde muito cedo, o basquetebol esteve inserido no meio familiar de Francisco. O atleta sempre acompanhou de perto a modalidade já que o seu pai teria sido jogador e teria feito história naquele que viria a ser o seu clube de coração no futuro. a Ovarense. “O meu pai sempre jogou basquetebol desde miúdo.”

O trajeto percorrido dentro do mundo do basquetebol por parte do se pai foi notório e essa foi a grande inspiração que Francisco teve para albergar no futuro uma equipa deste tipo de modalidade. “Teve um bom trajeto, já que foi a primeira equipa da Ovarense a ganhar um título nacional para a formação. Por volta dos 20 anos parou de jogar a nível profissional, mas continuou a praticar o desporto.”

Outra força motivacional que fez o atleta Francisco Oliveira olhar para esta questão do desporto com outros olhos foi o facto do seu pai ter sido campeão nacional em sub-14, em sub-16 e quando alcançou o escalão sub-18 foi vice-campeão. Para além disso, também conquistou títulos no campeonato nacional pelas seleções. No presente, o pai de Francisco treina jovens que praticam esta modalidade e, mesmo assim, continua a ser uma inspiração para o filho. “O basquetebol é uma arma fundamental e ele ajudou-me muito a crescer”, admite.

Atleta Francisco Oliveira, em representação do Illiabum

Francisco começou a jogar pela equipa da sua terra aos cinco anos pela Ovarense. Esta foi uma fase crucial para o desenvolvimento dentro e fora da modalidade do atleta, já que era algo que não era dado como garantido. “Há muita gente que, independentemente de ser surda ou não, se fecha, que não são eles próprios e bloqueiam.” Esta prática desportiva coletiva foi fundamental para que houvesse uma progressão no seu quotidiano. “O desporto foi algo que me proporcionou uma melhor qualidade de vida”, diz Francisco. Quando chegou aos sub-13, o atleta foi convocado pela primeira vez em representação da Seleção de Aveiro onde foi jogar a Paços de Ferreira, jogo esse que não se esquece e que diz ter “corrido bem.” A integração de Francisco neste tipo de torneios fez com que despertasse nele um espírito competitivo que, até à altura, era pouco sentido pelo atleta. Já pelos sub-14 a sua equipa chegou à fase final, mas só conseguiu garantir o quarto lugar.

Desde que que ingressou na equipa de sub-16, Francisco Oliveira joga todos os jogos pela equipa B, mas começa a sentir o gosto do que é estar na equipa A ao ir realizando alguns treinos com a eles. Esta oportunidade surge de “um treinador que escolhia quem analisava a treinar nessa equipa consoante o que via no ano anterior, em sub-14”, diz.

O jovem atleta realça a importante desta época na sua jornada desportiva, já que o seu treinador era excelente a motivar todos os atletas por agir de forma igual com todos e não diferenciando ninguém, tanto nos treinos como nos jogos. “No primeiro ano em sub-18 integro a equipa A e nesse ano somos campeões distritais”, refere o jovem atleta ao descrever onde começou a sentir a transição daquilo que viria a ser no futuro uma carreira profissional.

Esse ponto de viragem foi essencialmente marcado pela presença do início ao fim de Francisco Oliveira na equipa A da Ovarense, sendo ele o atleta mais novo do plantel. Após a vitória a nível distrital, a equipa parte rumo à taça nacional e o atleta sublinha que os números falam por si. “Fiz a minha melhor fase final a nível de números e depois desta etapa sou chamado para ir à seleção nacional, onde fiz um estágio em Albufeira.” É neste estágio que Francisco Oliveira tem o privilégio de conhecer e de trabalhar com Neemias Queta, referência no mundo do basquetebol por jogar atualmente pelos Boston Celtics, na NBA, e que também se encontrava pela primeira vez num estágio pela seleção a nível nacional. O segundo ano em sub-18 termina e a equipa alvinegra acaba por conseguir ganhar a taça num confronto considerado de maior acessibilidade.

Ao conseguir jogar profissionalmente “é um sinal de que afinal é possível”

Logo após o talento do jovem saltar à vista de treinadores e de adeptos, foi destacado para começar a integrar a equipa sénior da Ovarense. “Esta pertence ao escalão máximo do basquetebol português. Integro a equipa principal da minha terra, terra essa onde nasci e cresci, e isso dá-me um tremendo sentimento de orgulho.” Este é um ponto de viragem importante na vida do atleta. “Só alguns é que são escolhidos em muitos, e eu dou muito valor a isso. Ouço diversas vezes dizer que quem quer jogar basquetebol não consegue e eu ao conseguir lá chegar é um sinal de que afinal é possível.” A entrada neste patamar foi essencial para que Francisco Oliveira crescesse dentro das quatro linhas, enquanto pessoa, jogador e profissional na modalidade. “Ouço diversas vezes dizer que quem quer jogar basquetebol não consegue e eu ao conseguir lá chegar é um sinal de que afinal é possível”.

Atleta Francisco Oliveira, em representação do Illiabum

A importância do trabalho coletivo e do treino individual

A mudança para a competição a nível profissional é marcada pela alteração da postura das equipas. “Em sub-14, sub-16 e sub-18 foi havendo uma evolução da maneira em que eles lidavam comigo e eu de lidar com eles e, sobretudo, a questão de comunicar”, afirma Francisco. O basquetebol é um desporto que exige bastante comunicação e é necessário que os atletas criem mecanismos para resolver estes tipos de entraves. Uma equipa coesa, como a que levou na sua formação, foi essencial para essa evolução. “O que antes era um trabalho coletivo, a nível sénior passa a ser algo individual. Temos de absorver um todo em nós mesmos. Todos devem fazer bem as suas funções”

Quando Francisco Oliveira começou a integrar a equipa sénior, este mecanismo perdeu-se: “Na equipa sénior não se sente tanto isso, porque também lidamos com jogadores estrangeiros, que têm uma mentalidade diferente em relação a esse problema. Não são todos, mas alguns.”. O atleta percorreu o caminho da sua formação maioritariamente com a mesma equipa. Um trabalho que já vinha a ser desenvolvido há anos foi melhorando a nível de cuidados em relação ao seu problema. “Este é um aspeto onde se notam diferenças entre as competições séniores e as restantes.”. Na ótica do atleta: “O que antes era um trabalho coletivo, a nível sénior passa a ser algo individual. Temos de absorver um todo em nós mesmos. Todos devem fazer bem as suas funções.”. Francisco ao alcançar o patamar profissional perde os antigos parceiros de equipa e, essencialmente, o espiro de entreajuda no que diz respeito à questão de não existir um mecanismo que auxilie a sua comunicação. Um exemplo claro disso é quando o treinador necessita de partilhar táticas e informações no decorrer de um jogo. “O treinador às vezes quer chamar-me dentro de campo e eu muitas vezes nem ouço, ou seja, isso cria uma barreira de comunicação mesmo não sendo culpa dele”, reflete Francisco. Por outro lado, mesmo que tenha problemas a nível auditivo, o atleta foi desenvolvendo uma maior capacidade de aprimorar outros sentidos, tais como a sua sensibilidade tátil, o seu olfato e a sua visão. Também devido à tecnologia avançada de aparelhos auditivos que se têm vindo a desenvolver no últimos anos, o atleta consegue atualmente ter uma audição relativamente boa.

Francisco deixa uma mensagem: “Guiem-se pelas pessoas que vos ajudam a trabalhar naquilo que realmente precisam. Se o estão a fazer por ti, essas pessoas devem ter algo de bom nelas.”. O jovem atleta sempre teve a capacidade de se abstrair de dúvidas e receios que podiam vir a ser criados na sua cabeça e seguiu em frente na conquista do seu sonho. A barreira de Francisco seria a surdez, mas existe por Portugal e pelo mundo fora imensos jovens que não conseguem quebrar esses limites que impingem em si, por críticas sociais ou mesmo por receito pessoal. A história de vida do atleta Francisco Oliveira é uma prova de superação no que diz respeito ao seu diagnóstico, e uma grande fonte de encorajamento para que aqueles que sintam que não conseguem ou que não têm capacidades para seguir um caminho que tanto anseiam.