Goreti Ferraz: “A escola deixou de ser um espaço de felicidade e passou a ser um espaço absolutamente burocrático”
- Ines Pinheiro
- 07/06/2023
- Atualidade
Professora e dirigente a tempo inteiro no Sindicato dos Professores da Zona Norte, Goreti Ferraz destaca a crescente desvalorização do papel do professor e os obstáculos na entrada da carreira.
Goreti Ferraz nunca teve qualquer dúvida sobre aquilo que gostaria de exercer pelo resto da vida. De semblante relaxado, a professora de Educação Física não deixa de sublinhar que, apesar da sua resposta “parecer um bocadinho cliché”, esta aptidão aparentava estar-lhe “quase no sangue”.
Essa vocação despertou quando era mais jovem, começando a dar explicações aos mais novos como forma de ganhar dinheiro e, aos 17 anos, Goreti tornou-se treinadora do Boavista como monitora voluntária – estabelecendo aí a sua paixão pelo desporto. Fez a sua licenciatura na Escola Superior de Educação no Porto e o mestrado na FADEUP (Faculdade de Desporto da Universidade do Porto).
Com mais de 20 anos de carreira, já mais de dez mil alunos passaram pela supervisão de Goreti Ferraz. Uma vez que vive na mesma área em que ensinou, a professora continua a encontrar os seus antigos alunos aleatoriamente, acabando por receber “a avaliação mais real e mais substantiva” do seu trabalho. “A verdade é que mais tarde eles procuram-nos e nós procurámo-los, e há feedback realmente daquilo que nós podemos ter significado para os alunos” comenta a professora, ressaltando que este contacto a “enche de orgulho”.
No entanto, Goreti Ferraz já não exerce a sua profissão de professora, estando destacada agora a tempo inteiro no Sindicato dos Professores da Zona Norte (SPZN), que pertence à Federação Nacional da Educação (FNE). O SPZN foi criado poucos dias após a Revolução de abril, a 29 de abril de 1974, tornando-se o primeiro sindicato livre de professores no próprio edifício do Secretariado para a Mocidade Portuguesa, ocupado pelo Movimento da Juventude Trabalhadora.
Ela sempre se considerou “muito contestatária”, então a sua integração no sindicato nunca foi algo surpreendente. Desde o momento em que começou a trabalhar, sindicalizou-se no SPZN, participando ativamente nas suas iniciativas, e há dez anos foi convidada para integrar as listas na direção distrital. Depois, esteve a tempo parcial como dirigente, encontrando-se “com um pé na escola e um pé no sindicato” devido ao seu amor pelo ensino. Agora, com seis anos a tempo inteiro no sindicato, a professora admite que aceitou o convite justamente para “colaborar para que realmente o sistema educativo português no seu todo melhore”.
Remete ainda que, profissionalmente, “a primeira decisão que a pessoa deve tomar é sindicalizar-se”, já que é aquela a organização que a pode representar.
“Façam ouvir a sua voz, porque são estes grupos que os representam e negoceiam por eles. Nós podemos ter a nossa voz nas redes sociais, nos blogues, em todos esses movimentos, mas a verdade é que quem negoceia, quem é parceiro das entidades patronais, no nosso caso o Ministério da Educação, são os sindicatos. E a nossa participação deve ser ativa.”
Goreti Ferraz
Apesar de ser uma atividade que lhe agrada, Ferraz admite que tem “saudades do ginásio”, mas não propriamente da escola em si. “Tem tudo a ver com o que está instalado no nosso país. A escola deixou de ser um espaço de felicidade e passou a ser um espaço absolutamente burocrático”, explica a professora. “Está desvalorizado o seu papel e o papel dos docentes, portanto a partir daí torna-se mais difícil nos sentirmos motivados”. Apesar de já não estar a lecionar, a atividade que exerce fornece-lhe contacto direto com os professores e as próprias escolas e esta posição revela-lhe ainda melhor que “a desvalorização da cadeira docente tem sido uma constante nestes últimos anos”.
A desvalorização salarial é um dos pontos mais abordados em relação às dificuldades na carreira. Quando Goreti Ferraz começou a exercer no escalão de entrada em 1991, este correspondia a quatro salários mínimos. Porém, neste momento, um professor nessa mesma situação não chega nem a dois salários mínimos de vencimento. Logo, argumenta a professora, “há toda uma desvalorização e isso reflete-se em toda a carreira, nas expectativas criadas, no poder de compra que perdes e, portanto, os problemas começam-se a agudizar”. O próprio aumento do salário mínimo português não é o que está em jogo, mas sim elementos como o descrédito por parte do Governo e a eliminação da progressão de carreira com os congelamentos salariais.
A falta de professores e o envelhecimento do corpo docente são, recentemente, alguns dos problemas mais referidos em relação à educação. Ferraz aponta para a idade da reforma como um dos fatores, já que em pouco tempo passou de 60 para 66 anos e seis meses, o que significa que “houve um gap durante uns anos em que não houve aposentações porque ninguém tinha praticamente a idade”. Por isso mesmo, existiu um grande número de professores a aposentarem-se neste ano – 2401, de acordo com o Jornal de Notícias (JN). “Não existem professores na carreira novos”, declara a professora, sublinhando que o professor mais velho ainda a concurso já tinha 60 anos de idade, “porque também houve esse tempo todo sem aposentações”.
Goreti assume que foi “felizarda” na sua carreira como professora, pois conseguiu entrar nos quadros logo no seu segundo ano a lecionar. Já atualmente, com as alterações nos contratos, “os professores não só não entram para um lugar de quadro, entram para um lugar QZP (Quadros de Zona Pedagógica) sendo que as distâncias entre os pontos mais afastados dessa área geográfica distam quase 300 quilómetros”. Ainda, além de serem muitas vezes atribuídos horários incompletos, estes professores deslocam-se grandes distâncias para trabalharem através de contratos temporários, em que “os seus salários são claramente baixos e não há qualquer ajuda à deslocalização”.
De acordo com a professora, a decrescente atratividade da profissão para os mais jovens prende-se não só a estas questões da carreira, mas, também, a maneira que esta é percepcionada socialmente. “Os professores são desvalorizados, não há reconhecimento da sua importância e do papel que têm na sociedade no desenvolvimento dos jovens”. Acrescenta, ainda, que “há uma grande carga burocrática, os vencimentos não são atrativos neste momento, portanto não há grandes expectativas” por parte das novas gerações. Além de ser uma profissão exigente e, muitas vezes, rebaixada pela sociedade, “as condições de entrada para a carreira e do concurso cada vez são mais difíceis”.
É essencial que as condições laborais dos professores portugueses sejam reconhecidas e consequentemente melhoradas, nota a sindicalista, para contribuir para uma sociedade mais preparada.