Homem de ânimo inovador: José Marques da Silva, quem foi e como moldou Porto
“De que forma os edifícios, os museus e até as casas portuenses, representam estruturas ligadas à sua figura”
No dia 21 de dezembro, a poucos dias de terminar o ano 2020, a Fundação Instituto Arquitecto José Marques da Silva (FIMS), abriu as suas portas para narrar detalhes sobre a sua história, a sua missão e até a sua nova gestão durante a pandemia.
O vice-presidente da FIMS, Luís Urbano, depois de uma reunião com outros arquitetos e curadores da exposição “Mais que Arquitectura”, fica na sala maior, senta-se numa das cadeiras disponíveis para a exposição e começa a falar do prestigiado arquiteto Marques da Silva.
Classifica-o como um arquiteto e professor inovador, um pintor de aguarelas durante as viagens, mas sobretudo como um representante exemplar de transição arquitetónica, conjugando dois estilos: a tradição clássica e o modelo moderno, diz o vice-presidente, sorrindo.
Explica que José Marques da Silva inicia a sua formação como arquiteto na Academia Portuense de Belas-Artes, onde foi aluno de António Geraldes da Silva Sardinha, João Marques de Oliveira e António Soares dos Reis.
Relata que consegue também estudar no estrangeiro, em Paris, sendo aluno de Victor Laloux, representante naqueles anos da arte de Belle Époque. É por esta razão que os edifícios projetados por Marques da Silva revelam uma cultura que procura aliar aos valores de tradição clássica aos esquemas de composição funcional, adaptados à vida moderna e garantindo-lhes a presença decorativa.
A arte da Belle Époque é revolucionária pela sua variedade de estilos diferentes, desde o neo-bizantino, o neo-gótico, classicismo, Art Nouveau, até Art Déco e caraterizada pela sua decoração luxuosa, que envolve o uso imaginativo de materiais novos e tradicionais, como: ferro, vidro laminado, azulejos coloridos e concreto armado.
Portanto, pensar que José Marques da Silva foi quem moldou na maior parte Porto, no início do século XX, torna-se evidente pelas grandes e famosas obras como desta cidade.
Algumas das suas obras importantes
No dia do Natal de 2020, o sol está resplandecente sobre a cidade invicta.
O que é que sabemos desta cidade? Em 2017 foi nomeada como melhor destino europeu, tendo competido com outras grandes cidades como Londres, Roma e Berlim.
O Porto é um dos destinos turísticos mais antigos da Europa e beneficia de uma localização geográfica privilegiada, com o Rio Douro, perto do Oceano Atlântico e com uma gastronomia apreciada por todos.
O que é que faz esta cidade tão deslumbrante além do turismo, do imponente rio Douro e as suas pontes? A sua arquitetura vintage e moderna.
Estação de São Bento
Situada no centro histórico da cidade, a estação ferroviária de são bento entrou ao serviço, de forma provisória, no dia 8 de Novembro de 1896, só tendo sido oficialmente inaugurada em 5 de Outubro de 1916.
O arquiteto teve de desenvolver várias versões de projeto, submetendo-se aos ditames de comissões sucessivas, até à sua aprovação final e construção.
Caraterizada por um estilo tradicional como os arcos e aspetos inovadores como os vidros laminados amarelos e os azulejos, é um símbolo desta cidade.
Avenida Aliados
Aberta há cem anos, como nova “sala de visitas”, a Avenida dos Aliados ostenta claramente o traço do arquiteto português.
Este lugar é uma imagem arquitetónica de referências franco-flamengas nos edifícios, que até agora representam a parte cosmopolita da cidade.
O arranque desta avenida é demarcado por dois edifícios monumentais marcados por uma extraordinária filigrana decorativa.
Prédio do Joaquim Pinto Leite
Na atualidade, a sede do BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria).
Esta construção, aproveita as potencialidades oferecidas pela nova tecnologia construtiva do betão armado (pequeno objeto plástico ou metálico destinado a assinalar a espessura de recobrimento durante a execução de um elemento estrutural).
O Quarteirão VI, a sede do jornal de notícias
Expressando um contra-projeto em relação às linhas dominantes que se foram instalando na Avenida, o edifício procura representar os valores distintos de uma instituição de significado nacional.
As fachadas procuram encontrar um ritmo denso de progressão, com a intenção de caracterizar o todo do espaço público, transformando-o na sala de visitas da cidade.
Jardins e Casa de Serralves
Esta construção foi uma das últimas obras do arquiteto, terminada em 1943. Situada na Rua Dom João de Castro, o projeto partiu solicitado pelo conde de Vizela, com a intenção de ampliar a velha moradia da família.
A construção é composta por uma casa com capela, um parque de grandes dimensões, zonas agrícolas e edifícios anexos.
A influência artística neste caso é caracterizada pela Art Déco (um pastiche de muitos estilos diferentes, modernos com luminárias e móveis de base simples).
Marques da Silva acompanhou o projeto até ao fim, mas foi o resultado também do contributo de vários arquitetos e decoradores franceses: Émile-Jacques Ruhlmann, Charles Siclis, Jacques Gréber e Alfred Porteneuve.
Teatro São João
O Teatro é uma massa monumental, uma caixa de grande formato pousada na plataforma geológica da Batalha com a inteligência suficiente para criar continuidades com as construções vizinhas.
Espelha os sistemas de contradições entre a herança académica e as transformações sociais do século que se iniciava.
A agilidade de compromisso de Marques da Silva continua no formato da sala, entre as tradições italiana, portuguesa e francesa.
Casa São Roque
A casa no século XIX, pertenceu à família de Maria Virgínia de Castro, que em 1888 se casou com António Ramos Pinto, um dos mais conhecidos produtores e exportadores de vinho do Porto.
O edifício mantém hoje o seu original estilo eclético, introduzido com a remodelação de Marques da Silva, que se inspirou nos historicismos franceses do século XIX e na art nouveau belga.
Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular
O monumento é do tipo comemorativo, composto por um pedestal de 45 metros e rodeado de grupos escultóricos, nos quais a figura feminina é fortemente presente.
Na parte de cima temos um leão (símbolo da bandeira de Inglaterra, que enviou soldados para apoiar os portugueses na sua vitória) sobre uma águia que derruba (símbolo do império de Napoleão).
Pelas obras analisadas torna-se evidente que o contributo do arquiteto Marques da Silva foi muito extenso, portanto a questão que surge é como a Fundação consegue analisar e promover este património arquitetónico.
Sobre a missão da Fundação, o vice presidente comenta:
“Esta, brevemente, é a promoção científica, cultural, formativa e artística, no específico do património arquitetónico do Marques da Silva”.
A Fundação -diz- foi criada no ano 2009 por descendentes do arquiteto, entre estes a sua filha arquiteta, Maria José Marques da Silva Martins, que deixaram o património às figuras gestoras da cidade do Porto para a divulgação.
Para ampliar este trabalho, relata: “Considerou-se também o valor investigativo, promovendo a análise da documentação ligada aos contextos arquitetónicos e urbanísticos portuenses e portugueses”. Acrescenta- “Portanto são, na atualidade, muitos os arquitetos, investigadores e estudantes de doutoramento, que trabalham juntos nesta atividade”.
“Neste ano a faculdade FAUP tem um acordo investigativo com a Fundação que vai incorporar cerca de 20 estudantes”- conta o arquiteto.
A Fundação, menciona, teve colaborações sobretudo com universidades, mas também com museus mais pequenos, com finalidades similares. Especifica que no campo cultural a vertente cooperativa é importante, porque muitos mecanismos, incluem contextos internacionais como a tradução de documentos, o transporte, etc.
Uma novidade deste lugar, foi o plano inicial de abrir as portas ao público em março, mas a pandemia chegou, e consequentemente aproveitaram para fazer uma higienização profunda dos espaços e digitalizar mais de 7 mil documentos. Oficialmente abriram no mês de outubro e desde então oferecem exposições, conferências, e visitas guiadas aos seus visitantes.
“Ficamos maravilhados com o número de pessoas interessadas, nos últimos dois meses acolhemos mais de 1000, claro alguns apaixonados pelo valor arquitetónico, capazes de perceber melhor os conceitos técnicos das obras e os outros curiosos pelo nosso trabalho de divulgação artística, já que fizemos tanta publicidade através dos jornais e da rádio”- comenta Luís Urbano.
A área da cultura, diz, foi a mais afetada, poderia dizer-se que é uma heresia porque como é que o património cultural vai recuperar a sua economia? É um incógnito neste momento.
Muito provavelmente apenas as pessoas possam sair, vão querer viajar e ir para à praia, não aos museus. Mas estamos certos que agora se dará mais importância aos espaços públicos, à qualidade das ruas, às atividades nas áreas livres e portanto ao facto de ter mais cuidado das paisagens e das áreas verdes.
Sobre os projetos futuros pela Fundação o Luís Urbano indica que querem acrescentar o espaço, portanto construir um novo edifício, já projetado pelo arquiteto Álvaro Siza (o mais premiado arquiteto português de sempre e ganhador do prémio Pritzker, também conhecido como prémio Nobel).
E comenta que querem manter, pelos ótimos resultados, as portas abertas ao público.
“Por esta razão achamos que, a arte arquitetónica em comparação das outras artes, é absorvida quotidianamente por todos: nas ruas, nas cidades onde moramos ou que visitamos até nas nossas casas” – conclui a entrevista.
Mas o que é o que acham outros especialistas nesta área?
A opinião de arquitetos atuais:
Na fria manhã do dia 14 de janeiro, 2021 às horas 9:00, Eliseu Manuel Vieira Gonçalves, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) prepara-se para uma entrevista no zoom.
Contactado porque no ano 2015 apresentou uma tese de doutoramento sobre a “Habitação Popular no Porto, 1899-1933”, sustenta que o arquiteto português, naqueles anos teve realizado projetos também na periferia do Porto, que estava a ser reestruturada por causa da peste bubónica que afetava sobretudo essa área.
A periferia, explica, era caracterizada por casas de pouca qualidade arquitetónica: o chão no mesmo nível do solo, provocando muita humidade, de facto uma das ideias era criar um desnível para formar uma caixa de ar e eliminar assim a humidade, (um problema que continua a existir em algumas casas portuenses ainda hoje).
O Marques da Silva que tinha estudado em Paris frequentou, também, a Exposição Universal da Habitação Operária no ano 1889. Por esta razão tinha conhecimentos sobre o assunto e consequentemente participou à transformação do Bairro Operário portuense.
Às dez horas conecta-se Eduardo Fernandes, ex-professor na FAUP e na atualidade professor na Universidade do Minho.
Fernandes escreveu no ano 2018 uma relação sobre a ampliação da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, projetada pelo Marques da Silva. Portanto conhece bem o seu estilo.
Comenta que tendo sido um arquiteto eclético, o José Marques da Silva, impressionava muito através das suas obras principalmente as mais modernas como a casa de Serralves, que é um exemplo de como o arquiteto adaptava-se às novas tendências artísticas e aos serviços que podia oferecer um edifício, criando assim estruturas funcionais.
Enquanto o professor Gonçalves opina que a figura do Marques da Silva continua a ser inspiradora porque a nível de design de espaços a sua arte parte duma matriz clássica que trabalhava ideias inovadoras.
Ao mesmo que a conjugação de materiais clássicos e inovadores naquela época como o betão armado e elementos tradicionais da arquitetura.
“As obras do arquiteto Marques da Silva são recorrentemente estudadas” – opina o professor.
Ambos professores concordam que com a obrigação de ficar muito tempo fechados em casa, as pessoas após da pandemia poderiam começar a apreciar mais os espaços das casas. Porque já não serão vistas como casas, mais também como um espaço de lazer, de trabalho e refúgio.
E que muito provavelmente os edifícios mais estudados nos próximos anos vão ser os hospedais e centros de saúde, para preparar melhor a cidade numa futura crise sanitária.