Jogadoras do Futebol Clube de Famalicão: passe a passe conquistando terreno
- Diogo Azevedo
- 30/06/2022
- Atualidade Desporto Fotografia Multimédia
O Futebol Clube de Famalicão feminino chegou pela primeira vez na história do clube à final da taça de Portugal. O investimento pelo clube é claro e coincide com o crescimento da modalidade no género feminino em Portugal.

“Orgulhar Famalicão inteiro do nosso feito “, é um dos objetivos que Bárbara Monteiro, mais conhecida como Babi , jogadora do Futebol Clube de Famalicão feminino já alcançou, assim como Regina Pereira, meio campista do emblema minhoto, que promete que tendo alcançado a final da taça de Portugal pela primeira vez na história do clube “a mentalidade tem que ser dar tudo para vencer”. Já Hélder Batista, diretor técnico, quer garantir também o terceiro lugar e o acesso às competições europeias.
São 11 horas no dia 27 de abril, no centro de estágio do Futebol Clube Famalicão, em Esmoriz, e o ambiente é de alegria e tranquilidade após a passagem à final da “prova rainha” do futebol português que seria disputada no dia 28 de maio no histórico Estádio Nacional do Jamor.
Depois de uns exercícios de recuperação no ginásio, as jogadoras do FC Famalicão já estão prontas para a primeira sessão de treino da semana, com foco já no próximo jogo da liga BPI.
É a primeira vez que o FC Famalicão está numa final da taça de Portugal, tanto a nível feminino como masculino e o treino foi merecedor do olhar atento do presidente da equipa minhota Jorge Silva. No percurso até lá, as minhotas tiveram de deixar para trás o Amora Futebol Clube, o RP Football Club, o Gil Vicente, o Lusitânia de Lourosa e o Varzim. Mas este feito histórico não teria também sido possível sem o investimento de Jorge Silva, que reforçou o clube com um plantel praticamente novo, tendo investido em várias jogadoras brasileiras e também contratado um treinador canarinho.
Segundo o site zerozero.pt, 40,9% da equipa de Famalicão é composta por jogadoras brasileiras.

Mas esta chegada do FC Famalicão à final da taça de Portugal advém também de um trabalho fora do plantel. As condições que o clube oferece às suas jogadoras permitem também que consigam realizar o seu trabalho da melhor maneira. As instalações em Esmoriz onde treinam as mais recém finalistas, são do nível de um clube grande de futebol europeu. “O Famalicão oferece-nos muitas condições que não são a realidade de muitos clubes do futebol feminino em Portugal, mesmo na primeira divisão” refere Babi. Com vários campos de futebol, balneários, ginásio e área de tratamento, estes fatores permitem que todas as semanas, pelas 11 horas, as jogadoras de Famalicão consigam dar início às suas sessões de treino. O departamento de marketing também promove a visibilidade do futebol feminino do Famalicão, com dois funcionários que acompanham todos os treinos e jogos com um conteúdo ativo nas redes sociais.
Babi

“As pessoas em Famalicão primam pela organização pela capacidade de antecipação e, portanto, querem estar preparadas para qualquer eventualidade”, refere o coordenador técnico Hélder Batista, que se encontra listado como treinador principal, pois “com este sucesso desportivo, tinham que preparar a certificação de candidatura à UEFA para disputa de provas europeias” e para tal precisavam de um treinador com mínimo nível 4 e lembraram-se de Hélder que já tinha passado por Famalicão como diretor técnico da certificação da academia para o primeiro processo de certificação que foi efetuado pelo clube em 2016. Apesar de estar inscrito como treinador principal, o ex-adjunto da B-SAD na primeira liga, não está inserido no processo de treino. “Vou só acompanhando acima de tudo o processo de certificação para já e, o fenómeno do futebol feminino, que é uma novidade também”, e é o brasileiro Jorge Barcellos que comanda as famalicenses apesar de ter apenas o nível 2.
Regina que está na sua primeira época no emblema do “Vila Nova”, oriunda do SC Braga diz que tem sido uma época bastante agradável. “Fui muito bem recebida desde o início por toda a estrutura e a nível futebolístico tenho me sentido muito bem.” E o sucesso desportivo do clube provem também de fatores como o balneário em que “o ambiente rapidamente foi se tornando muito agradável. Todas as jogadoras vieram com um grande propósito para aqui e apesar de ser um grupo bastante novo, toda a gente se deu muito bem e temos tido muita união tanto por dentro como fora do campo.” Babi diz mesmo que “é dos melhores grupos que nós já tivemos por onde eu passei, porque toda a gente se dá com toda a gente, toda a gente é unida, toda a gente puxa por toda a gente para cima”.
É esta união juntamente com o investimento e a organização do clube que tem levado o FC Famalicão feminino para a frente e é no dia 28 de maio, no Jamor que as azuis e brancas vão tentar colocar-se no expoente máximo do futebol nacional. Esta aposta coincide também com a evolução do futebol feminino em Portugal.
A evolução do futebol feminino em Portugal
“O futebol feminino em Portugal tem tido muito mais apoio”, alude Babi. “A entrada também de grandes clubes e o investimento, a entrada de jogadoras de outros países, têm ajudado muito no desenvolvimento do futebol feminino e agora vê-se muitas mais raparigas a praticar.”
Regina joga desde os 11 anos e afirma que há mais equipas atualmente. “Eu tinha que me tinha que deslocar bastantes quilómetros para poder jogar à bola, não tinha equipas por perto na minha zona e a nível de qualidade também tem se visto que com a vinda também de jogadoras estrangeiras, há 10 anos atrás nunca na vida pensaria que fosse possível, mas a evolução está aí.”
Já Hélder Batista, que está numa missão dentro do contexto do futebol feminino pela primeira vez, ficou surpreso positivamente pela situação atual em Portugal. “Nós temos neste momento, inclusive a Federação Portuguesa de Futebol satisfeita porque atingimos ou já ultrapassamos as 12000 atletas inscritas.”
A Federação Portuguesa de Futebol tem trabalhado muito para incentivar a prática da modalidade pelo género feminino e são vários os fatores que levam à evolução, como o “processo de certificação das academias de formação”, explica Hélder. E, depois, “com o incentivo ao futebol feminino junto das associações distritais, todas elas com cuidado de criarem campeonatos e a Federação, proporcionando desde logo campeonatos nacionais ou taças nacionais sub 17, sub 19, segunda divisão e primeira divisão.”
A primeira divisão tem o nome de Liga BPI, um sponsor de renome que garante alguma estabilidade e algum reconhecimento à própria liga, nota ainda Hélder. Depois, “a exposição do Canal 11 (canal da FPF) que veio efetivamente ser impulsionador de uma série de projetos aonde o futebol feminino se está inserido”.
“Eu jogo desde os meus 11 anos e nessa altura não havia a quantidade de equipas que há agora em que eu tinha que me tinha que deslocar bastantes quilómetros para poder jogar à bola”
Regina
Recorde de assistências no futebol feminino
A coincidir com esta ascendência vem o recente Sport Lisboa e Benfica contra o Sporting Clube de Portugal que consagrou as “águias” campeãs da Liga BPI no Estádio da Luz, batendo o recorde de espetadores num jogo de futebol feminino em Portugal com uma assistência de 14.221 pessoas superando o registo alcançado na época 2019/2020, quando, também no mesmo estádio, 12.812 espectadores assistiram ao dérbi lisboeta.
14.221 espectadores.
— B24 (@B24PT) May 8, 2022
Benfica – Sporting bateu o recorde de maior assistência num jogo de futebol feminino em Portugal ? pic.twitter.com/5gEPIBWymM
Já no Jamor espera-se uma grande onda de adeptos dos dois clubes, com a Federação Portuguesa de Futebol a promover o espetáculo com bilhetes pelo preço de 1 euro e a receita reverterá na totalidade para uma instituição solidária. E assim foi.
Em Barcelona, no Camp Nou, um novo recorde mundial de assistências no futebol feminino foi quebrado com 91.648 adeptos a assistir a equipa catalã contra as alemãs do Wolfsburgo, exatamente 23 dias depois do anterior recorde ter sido estabelecido.
O sentimento é que em Portugal o futebol feminino também está cada vez mais a ganhar audiências mas ainda distante de outros países tal como refere Regina. “Apesar de estarmos cada vez mais a ver adeptos nos jogos ou pelas transmissões televisivas, acho que ainda estamos um bocadinho atrás desses países, em que o futebol feminino é muito mais valorizado.” A média do emblema azul e branco tem um sonho: “acredito que que daqui a alguns anos também possamos ter um estádio cheio para ver uma equipa feminina.”
Hélder Batista por seu lado não acredita tanto nisso. “Não pela limitação de espaços, não pela limitação da espetacularidade, não pela questão de génio, porque já temos algumas jogadoras com genialidade e qualidade de jogo coletivo também mas por uma questão cultural onde nós(portugueses) gostamos muito de futebol, mas gostamos do futebol masculino, também acompanhamos e vamos acompanhando o futebol feminino, mas chegar a essas audiências vai ser, penso eu, difícil.”
Longo caminho
Ainda que o futebol feminino em Portugal esteja numa fase de evolução enorme, há várias nuances que não permitem estar ao mesmo nível do futebol feminino no resto do Mundo. “Em alguns países já está muito desenvolvido em termos de condições em termos de salário, em termos daquilo que oferecem às jogadoras e poderem ser todas profissionais já é uma grande ajuda para que a liga seja muito mais competitiva, indica Babi.
É “uma questão de mentalidades”, como explica Regina, afirmando que “estamos também a começar a abrir os olhos e os horizontes também às novas meninas que estão a aparecer. Antigamente não era bem visto uma menina a jogar futebol e agora já vemos pais a incentivar as filhas a entrar para este desporto”. A internacional portuguesa pede ainda para “apostar um bocadinho mais na formação todos os clubes, que já se vê alguns, mas acho que precisamos de mais” e “continuar a contribuir para que apareçam mais meninas e começar também com uma mentalidade mais aberta.”
Também de modo a incentivar a aposta do futebol feminino, a UEFA vai incluir no licenciamento para as competições europeias da época 2023/24 o incentivo a esta vertente sendo o seu incumprimento penalizado com multa. O diretor técnico do Famalicão vê isto de forma positiva estando “totalmente de acordo com todas as medidas, que sejam de incentivo a aumentar o numero de praticantes”, e a “uma melhor certificação de entidade formadora e do clube ou SAD em si”. Contudo, receia que o facto de se profissionalizar todos os escalões e todas as etapas e todos os géneros do futebol, de forma a que tenhamos um tratamento mercantilista, que é aquilo que assistimos hoje em termos de formação por parte das SAD e por parte das primeiras ligas masculinaa, que se venha a repercutir também no futebol feminino”. Apesar disso tem esperança que de forma bem trabalhada e com a centralização que se avizinha dos direitos televisivos “tudo possa ser congregante para estas medidas serem positivas” para o desenvolvimento de futebol feminino.
A mesma profissão mas condições diferentes
O futebol feminino, se me permites o paralelismo, eu diria que estará na década de 90 do futebol do género masculino”
Hélder Baptista
Com a visibilidade e o mediatismo que a modalidade feminina está a alcançar, tem-se diminuído cada vez mais as diferenças entre o futebol masculino e o feminino. Quando Hélder chegou ao mundo do futebol feminino ficou “agradavelmente surpreendido” com o respeito e o rigor por parte de todas as entidades. A “competência das equipas de arbitragem”, a “preparação das equipas de arbitragem, com muitas profissionais e semiprofissionais”, é um dos exemplos que o diretor desportivo enuncia. Em relação aos adeptos Hélder diz que estão mais consciencializados com “o comportamento, a intensidade e o tratamento das jogadoras” e têm um acompanhamento “muito positivo.”
A falta de investimento mesmo assim ainda é “nítida”. “O futebol feminino”, avança Hélder, “estará na década de 90 do futebol, do género masculino, ou seja, muito ainda, não com base nas SAD’s, tirando Sporting, Braga e Benfica, todos os outros clubes estão baseados em mecenas e investidores e presidentes de clube que tem algum carinho e algum cuidado junto da sua direção para terem outros projetos não só a formação, mas terem também o futebol feminino.”
Todas as jogadoras do Famalicão fazem do futebol a sua única fonte de rendimento, mas nem todas as equipas têm jogadoras profissionais, inclusive da primeira divisão feminina |
A diferença de salários é uma das principais desigualdades que Babi aponta. “Nós temos no fundo a mesma profissão, abdicamos do mesmo, temos que estar o mesmo dedicadas aqui ao futebol e então acaba por em termos monetários, as condições de treino e tudo, apesar de o Famalicão nos oferecer muitas condições que não são a realidade de muitos clubes do futebol feminino em Portugal(…)pelas condições, pelo aquilo que as jogadoras abdicam para estar aqui presentes que é o mesmo que o masculino e os salários são muito diferentes, por exemplo.”
“ Acho que aos pouquinhos estamos a conseguir conquistar o nosso espaço. Estamos a traçar o nosso caminho, seja no futebol ou em qualquer outra profissão e esperar que essas diferenças também comecem a ser mínimas”
– Regina
Contudo, Babi acredita ainda que o futebol feminino português conseguirá chegar a um patamar tão grande como o futebol masculino. “Claro que ainda há muitos passos para dar muita coisa para evoluir, mas temos que acreditar nisso”. É este sonho que também move as jogadoras e “é por isso também que nós trabalhamos todos os dias.”
Sou o Diogo Azevedo, tenho 20 anos e estudo ciências de comunicação no ramo do jornalismo. Apaixonado pelo desporto e por futebol, pretendo trabalhar um dia nessa área aproveitando o trabalho realizado ao longo destes anos dentro e fora da universidade.