José Pinto: “A psicologia em Portugal é muito diferente”
- Diana Cunha
- 02/01/2024
- #Social Atualidade
José Pinto trabalha há 19 anos na delegação da Cruz Vermelha em Matosinhos, onde desempenha um papel fundamental naquela que foi a primeira Casa de Abrigo a acolher vítimas de violência doméstica da zona norte e do país inteiro.
Em Portugal existem 174 delegações da Cruz Vermelha e José Pinto coordena uma dessas delegações. Para além de garantir os salários ao fim do mês, as suas responsabilidades passam por garantir que todos os serviços funcionam de forma sustentável e independente.
A Cruz Vermelha atua com base naquilo que a “sociedade doa”, assim como da ajuda de voluntários. José Pinto fala-nos que “o princípio do socorro é o princípio da segurança”, o seu objetivo é ajudar os que necessitam ao mesmo tempo em que tenta assegurar a segurança dos que socorrem.
Esta organização humanitária “foi criada em função de prestar auxílio aos feridos de guerra”. Quando retratamos a atual situação do mundo, José Pinto reflete: “Parece que regredimos 100 anos”. Até agora a Cruz Vermelha só foi capaz de enviar ajuda “a nível de alimentos, de medicação e de roupa”.
“Temos que ajudar, mas nunca pondo em causa a nossa segurança”
José Pinto
Formado em psicologia clínica e especializado em medicina legal, José Pinto explica a importância de conhecer “o perfil de todas as pessoas que trabalham cá para poder ajustá-los àquilo que é o funcionamento da cruz vermelha”.
A psicologia é uma base fundamental numa organização que convive diariamente com vítimas e pessoas em situações mais frágeis. Ao seus olhos a psicologia em Portugal é “muito diferente” em comparação com outros países, declara que “a base de qualquer licenciatura de psicologia deveria ser psicologia clínica, independentemente das especialização que vamos fazer” é necessário “ter uma base para identificar a etiologias dos problemas que as pessoas podem ter”.
A psicologia clínica tem um papel importante no que diz respeito ao funcionamento desta organização, sendo que “é fundamental um psicólogo ser dotado das competências necessárias do ponto de vista clínico e psicopatológico para entender as situações de intervenção de crise e catástrofe.”, assegura José Pinto.
Com um amplo número de delegações em Portugal, questionamo-nos se todas procuram enfrentar os mesmos desafios. “De uma forma transversal, todas as delegações tem um princípio base, uma missão única”, afirma José Pinto.
“Em Matosinhos, começamos a combater a violência doméstica e naturalmente ao longo destes últimos anos temos nos especializado e especificado nessa área com maior foco”, destaca. Esta é a principal área de atuação da delegação de Matosinhos, enquanto outras delegações direcionam os seus esforços para diferentes áreas, “cada uma delas depende do território onde estão instaladas, ou seja, depende do ADN de cada uma”. Por exemplo, em Vila do Conde, existe um maior foco no socorro pré-hospitalar, assim como existem delegações especializadas em questões relacionadas à migração.
“Quem pratica violência é sempre muito criativo”
O seu “percurso” na delegação iniciou-se quando integrou a Cruz Vermelha como o primeiro psicólogo na Casa de Abrigo. Este apoio, criado para vítimas de violência doméstica vai “desde o atendimento até ao acolhimento”, sendo sempre “informadas e acompanhadas do ponto de vista psicológico, ponto de vista social e jurídico”.
Cerca de seis mil casos foram registados no centro de Matosinhos desde que iniciaram este programa. A Cruz Vermelha procura “educar a sociedade” com vários projetos, como é o exemplo do “Caça Preconceitos”, realizado na Escola Secundária João Gonçalves Zarco em Matosinhos: “O objetivo é caçar os preconceitos e ao mesmo tempo, é sensibilizar e informar quais são os tais indicadores e sinais importantes a ter em consideração quando uma amiga ou amigo está a ser alvo de bullying, de violência no namoro ou até em casa”, explica.
“O procurar ajuda e aceitá-la, são os dois fatores fundamentais para o sucesso da recuperação de qualquer pessoa.”
José Pinto
Na delegação, também existe o programa RAP (Resposta de Acompanhamento Psicoterapêutico para crianças vítimas de violência doméstica). Cada criança é agora acompanhada de forma exclusiva por dois psicólogos. Esta abordagem representa uma mudança significativa, uma vez que, anteriormente, o apoio oferecido a crianças nessas situações envolvia a escolha do psicólogo em acompanhar a mãe ou a criança. No entanto, desde 2011, que houve uma transformação nessa abordagem, dado que as crianças passaram a ser reconhecidas não apenas como vítimas indiretas, mas sim como vítimas e testemunhas diretas de violência no ambiente familiar.
José Pinto conta-nos ainda que, brevemente, estará em funcionamento um serviço que se dedica à autonomização das vítimas após a saída de uma instituição. O apoio passa assim a ser “para lá do acolhimento”.
Para além de ser Psicólogo, também é professor convidado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS), onde adora dar aulas. Antes de integrar na Cruz Vermelha fez parte dos Médicos do Mundo em Lisboa, onde atuou como voluntário depois do tsunami na Indonésia em 2004. Participou também em missões humanitárias em África, prestando auxílio a vítimas da tempestade Idai, que assolou Moçambique em 2019.
“Foi uma experiência onde estivemos com outras instituições, outros organismos de todo o Mundo e trabalhamos todos em conjunto”, relata a sua experiência em Moçambique.
Além de desempenhar o papel de psicólogo, esteve envolvido na gestão hospitalar da maternidade, assim como contribuiu para a organização do material médico.
Questionado sobre perspectivas para o futuro, José Pinto afirma ser “um sujeito que acredita na esperança” e “nas pessoas que trabalham e são voluntárias da cruz vermelha”, para que juntos possam “diminuir o sofrimento de todos”.