Jovens voluntários combatem a solidão dos idosos através de um telefonema

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Jovens voluntários combatem a solidão dos idosos através de um telefonema

[Texto de: André Silva, Lourenço Hecker e Sara Silva]

A solidão dos idosos é uma realidade que se agravou com a pandemia. Para tentar enfrentar esse problema e acompanhar quem mais precisa, um grupo de voluntários em Abrantes, Santarém, decidiu criar o projeto “Adota um avô”.

Logotipo do projeto Adota um Avô, via Facebook

“A ideia é criar famílias, compostas por um jovem voluntário e um sénior que conversam ao telefone acerca dos mais diversos temas do dia a dia.” É assim que as voluntárias Teresa Valente, Margarida Farinha e Rita Santos falam-nos sobre o projeto “Adota um Avô”, criado para aliviar a solidão dos idosos e criar laços entre gerações, neste período tão atípico.

Enquanto psicóloga, Teresa Valente, cofundadora do projeto, sentia que havia muita ajuda com medicamentos e alimentação, mas que a saúde mental estava a ser esquecida. Foi então que em março de 2020, juntamente com o grupo  Pastoral Juvenil de Portalegre e Castelo Branco, do qual é integrante, avançou com o projeto. 

Inicialmente, a ideia desta iniciativa era incluir jovens com idades compreendidas entre os 16 e os  30 anos. No entanto, a psicóloga admite que foi “impossível recusar” os pedidos de  participação que foram surgindo desde o início do projeto, até dia 27 de novembro, data em que encerraram as inscrições de voluntários, abrangendo as mais diversas idades.

“Tivemos mães que queriam inscrever os seus filhos pequenos porque achavam que era uma  atividade para criar cidadania”, afirma Teresa Valente.

Bastaram apenas alguns meses para se aperceberem o quão urgente era acompanhar socialmente os idosos que estão em situações de isolamento. “Alguns idosos estão um bocado abandonados, vivem sozinhos e as famílias não os vêm visitar” afirmou a psicóloga.

Efetivamente, as voluntárias aperceberam-se, em primeira mão, que a solidão é uma realidade para muitos idosos, especialmente agora em tempos de pandemia. Em relação ao ano passado, o número de pessoas idosas a viver sozinhas, em Portugal, aumentou em 5,71%, segundo dados  da GNR. 

Os primeiros passos

“No início do projeto, eu [Teresa] e a irmã Fernanda Luz éramos as primeiras da equipa. Estávamos empenhadas em concretizar esta iniciativa”.  Teresa contactou a irmã Fernanda Luz, que faz parte da congregação das Salesianas de Abrantes, e é  diretora da Pastoral Juvenil da diocese de Portalegre e de Castelo Branco. Devido à sua  influência na comunidade de Abrantes, por já ter contacto com os séniores que frequentavam a eucaristia, a irmã rapidamente identificou aqueles que precisavam de companhia. 

Teresa Valente, co-fundadora do projeto Adota um Avô, fotografia cedida pela entrevistada

A psicóloga confessa que “o passo mais difícil foi conquistar a confiança dos idosos”, devido  à “estranha natureza do projeto” que se baseia em criar uma relação de amizade entre dois  desconhecidos, através de uma chamada. Foi neste sentido que a irmã Fernanda Luz teve um papel crucial.

Visto que já era conhecida entre a comunidade dos mais velhos, transmitiu-lhes confiança  para aderirem ao projeto.

Relativamente aos “netos” do projeto, ou seja, jovens voluntários, foi a partir da mediatização do projeto, graças a uma notícia publicada pela agência Lusa, que conseguiram alcançar duas jovens, uma em Benedita e outra em Setúbal. Elas mostraram logo interesse em implementar o projeto voluntário nas suas comunidades. Ainda assim, Teresa não deixa de admitir que inicialmente as expectativas  eram baixas. “O projeto era só para ficar em Abrantes”, até que alcançou uma maior dimensão. Efetivamente, não previram o interesse, tanto dos media como das restantes comunidades, que o projeto viria a gerar. 

Ainda assim, Teresa admite que a questão do “amigo conta ao amigo”, nas redes sociais, foi uma importante ferramenta de divulgação para alcançar mais netos. “Quando criamos as redes sociais, tivemos um boom de inscrições”, recorda. No final de mês de abril, já contavam com 28  famílias, ou seja 28 idosos e 28 jovens, e ainda uma lista de 40 voluntários em espera, maioritariamente do sexo feminino

“As mulheres dominam totalmente, desde os voluntários aos idosos.” Teresa afirma que, na primeira edição, só tinham avós [mulheres], com exceção de um senhor, com mais de 50 anos, que era filho de uma das avós participantes no projeto e quis entrar também. “Nós aceitamos claro, apesar de tudo não íamos deixar alguém ficar sem companhia. E foi um caso de muito sucesso”.

De “voluntária” a “neta”

Um outro caso de sucesso foi o de Margarida Farinha, uma das primeiras “netas” a entrar na iniciativa. No início, a voluntária sentia-se “um bocadinho reticente”, por ser a primeira  conversa e não saber o que esperar

“Nas três primeiras chamadas ela não sabia quem eu era. Eu tentava explicar-lhe: sou do  projeto da irmã, sou a sua neta adotada. Ainda assim, ela confundia-me como se eu fosse  mesmo neta de sangue. Foi engraçado”, recorda. Passadas as primeiras chamadas, a avó já reconhecia a “menina Margarida”, como passou a chamá-la.

Com o passar do tempo, os laços foram se fortalecendo entre avó e neta adotivas. Margarida recorda, com emoção, que a forma que a avó encontrou de lhe transmitir informações sobre a sua vida foi através de poemas que decorava, pois não sabia ler ou escrever. “Tivemos uma  chamada de meia hora em que ela me contou a história da vida dela através de um poema  que compôs e ao longo dos anos vai acrescentando versos. Eu acho isso incrível”. 

Apesar do projeto se destinar a ajudar os mais velhos, também os voluntários podem sair a ganhar. “Foi das experiências mais incríveis. Posso mesmo dizer que tenho uma terceira avó, é uma senhora super  querida!” enfatiza Margarida.

“No natal há uma onda de solidariedade, mas depois o natal passa e a solidão volta”. Foi com esta consideração que a jovem refletiu sobre a importância do apoio emocional aos mais velhos. Apesar de ter uma família numerosa, Margarida apercebe-se de que a idosa que acompanha ainda carece de apoio familiar.  

O mesmo não se aplica à Dona Violante, avó adotada de Teresa Valente. A voluntária  relembra que uma das vezes em que ligou à sua avó “ela estava com a família”. Foi então  que a filha atendeu o telefonema, “eu apresentei-me e a filha disse: ah, já sei, é a neta da  minha mãe. Ou seja, ela já falava sobre mim à família e apresentava-me como neta”  

Independentemente do contexto familiar de cada idoso, era completamente proibido o jovem  ter contacto físico com o avô, pois o projeto destina-se apenas à saúde mental. Contudo,  na eventualidade de o idoso pedir ajuda, o jovem devia contactar o responsável local para fornecer o que fosse necessário. Esta regra aplica-se por questões de segurança. 

“O facto de os idosos sentirem que alguém se preocupa com eles e que estão numa  comunidade que os recebe de braços abertos, isso foi muito importante para o sucesso do  projeto.”, esclareceu a co-fundadora.

Edição especial de Natal

Aproximando-se a época natalícia, era importante para estes jovens continuar a acompanhar  os mais velhos, neste ano atípico de pandemia. Desta forma, para poder chegar a mais  pessoas, surgiu a ideia de enviar postais de natal para os lares. “Queremos mostrar que neste natal, apesar de estarmos separados, estamos mais unidos que nunca”. 

Logotipo da edição de natal do projeto Adota um avô, via Facebook

É assim que vai resultar a segunda edição do projeto “Adota um avô”, em colaboração com  18 lares. Novamente, a cofundadora do projeto, Teresa Valente, confessa que as  expectativas foram ultrapassadas. “Pensávamos que 50 idosos era um número  maravilhoso…” Dia 27 de novembro as inscrições tiveram de fechar porque ultrapassaram as  1200 candidaturas de idosos para receber um postal.  

Esta foi a estratégia encontrada para alegrar os natais nos lares da forma mais segura e eficiente possível. Para assegurar que não haja qualquer forma de contágio, Rita Santos, uma das coordenadoras do projeto informou-nos que os postais tiveram de ser realizados até ao dia  11 de dezembro, de maneira que pudessem ficar em quarentena. “É só um miminho de natal,  não queremos de forma alguma que seja um foco de contágio”.

Com o sucesso que está a ter a edição especial de natal, “também abrimos a possibilidade  de as pessoas poderem enviar postais nos aniversários dos avós a partir de 2021 e também na Páscoa, para continuar a trazer um bocadinho de alegria”, conta-nos a Teresa.

E depois da pandemia?

Tanto a Teresa como os restantes voluntários já anseiam um convívio entre os “familiares”. “As expectativas estão muito altas, todos se querem conhecer uns aos outros”, mas as voluntárias não  sabem quando o poderão fazer em segurança, de forma a não comprometer a saúde de  nenhuma das partes.  

Embora para a edição de natal as inscrições já estejam fechadas, as pessoas podem  acompanhar os projetos futuros a partir das páginas de Instagram e Facebook.  

As colaboradoras relembram que qualquer pessoa é bem-vinda à iniciativa porque apesar de o projeto ter nascido a partir da diocese católica, “não é preciso acreditar em Deus para ajudar  o próximo”.