Laura Abel, uma bailarina parada pela pandemia: “é mais seguro ir a um espetáculo do que ao supermercado”
- Ana Fernandes
- 02/12/2020
- Arte e Culturas Atualidade Dança Saúde
O ano de 2020 foi para todos o ano de grandes mudanças, Laura Abel, uma bailarina profissional que viu o seu futuro a desmoronar com a chegada da pandemia, não foi exceção.
O setor Cultural foi um dos que sofreu mais com a pandemia e muitos artistas viram as suas vidas a andarem para trás, como foi o caso de Laura. A bailarina candidatou-se a alguns apoios que o Estado contribuiu para a Arte e para a Cultura e recebeu dois, o Fundo de Fomento Cultural e da Fundação Calouste Gulbernkian. Apesar de ter recebido esta ajuda, considera que o apoio aos artistas não é o suficiente, para comer, pagar contas e sobreviver “o governo só deu 0,1 ou 0,3% do orçamento para a cultura esquecem-se que nós artistas, temos de comer, pagar as contas… Isto é o nosso trabalho” desabafa.
“Se não tivesse a minha mãe e se já fosse 100% independente não sei como seria.”
Natural do Algarve, desde pequena que a paixão de Laura Abel é a ginástica rítmica. Sempre adorou dançar, mas a primeira vez que teve contacto direto foi aos 18 anos e define a dança como sendo “a minha casa”. É licenciada na Escola Superior de Dança, em Lisboa e é hoje, aos 24 anos, bailarina profissional.
Laura tinha uma rotina muito agitada e ativa devido à profissão que bailarina exige. Com o primeiro confinamento devido à covid-19 sentiu que estagnou. Percebeu que a situação “era mesmo séria” quando os espetáculos começaram a ser cancelados, sobretudo o que ia fazer na cidade da Guarda “ia ter um mês e meio a fazer espetáculos de terça a sábado para crianças e de repente cancelaram tudo e nem pagaram reengajamento”, além de terem cancelado os outros dois espetáculos também agendados – “era dinheiro com que eu estava a contar para viver”.
O regresso aos espetáculos
Descreve a sensação de voltar aos palcos como “se fosse a primeira vez que pisasse um palco”, para além da adrenalina que sentiu. No entanto, conta que apesar de estar a fazer o que realmente a faz feliz, nada estava igual ao que era dantes – “a sala estava mais vazia, mas é um vazio em termos de energia” – e o facto de o público estar de máscara é confuso – “ vês toda a gente com máscara e não consegues ver a reação das pessoas, se estão felizes ou irritadas” Para a artista, o facto de não puder observar o rosto do público causa-lhe muita tristeza, porque é uma realidade completamente diferente e tem noção de que veio para ficar durante algum tempo.
Em Portimão, o teatro onde Laura começou a fazer os primeiros espetáculos no mês de junho com a peça “A Loja dos Trapos”, está organizado de forma a que não haja ajuntamentos: os espetadores entram e saem por uma ordem específica, e sentam-se cadeira sim e cadeira não, com os assentos forrados a plástico que no final do espetáculo é retirado de forma a ser mais simples a desinfeção a que acrescem outras regras, como o uso da máscara e a desinfeção das mãos.
Para além do espetáculo que fez em Portimão, atuou noutro, em outubro com a companhia de Paulo Ribeiro, com quem tem trabalhado mais recentemente. Laura ia voltando aos poucos a atuar, mas a segunda vaga da pandemia acabou por trazer más notícias para a Cultura. Dois espetáculos que tinha agendados para o final do ano foram cancelados e também não há motivo para marcar “porque não vale a pena.” O recolher obrigatório que entrou em vigor a 9 de novembro e se prolonga até 23 de novembro, ou até mesmo, por tempo indeterminado, não ajudou neste setor – “se não há público, não há espetáculo”. A bailarina acredita que a Cultura não irá sobreviver a um novo confinamento, mesmo que seja “mais seguro ir a um espetáculo do que ao supermercado, mas é normal as pessoas terem medo”. Segundo a perspetiva de Laura, a pandemia não trouxe nada de bom à dança, até porque esta arte acaba sempre por ser colocada à parte e esquecida.
Durante os meses que esteve em casa percebeu que tinha duas hipóteses: “ou ficava em casa parada e passava o dia no sofá, ou então, tentava mexer-me.” Nos primeiros 15 dias de confinamento, tentou manter a rotina anterior, levantando-se cedo, praticava aulas online de ballet e ioga que algumas académias de dança disponibilizavam, tentando mexer-se e alongar-se ao máximo para o corpo não ressentir mais tarde, sublinhando a importância de não perder a forma e os estímulos corporais.
No início a motivação transcendia o que se estava a passar no Mundo em relação ao vírus, mas com o decorrer das semanas a desmotivação veio ao de cima, “acabei por largar tudo, menos os treinos online com o personal trainer ao final do dia.” Com o avançar da pandemia, psicologicamente foi-se ressentindo: era o querer mexer e ser produtiva, e o corpo e a mente a impedirem. “Isso deixava-me frustrada, foi horrível”, lembra, sublinhado que sentia que o corpo “tinha estagnado” porque não havia estímulos corporais e psicológicos novos e, por muito que tentasse evoluir sozinha não era produtivo como se estivesse no ativo a treinar e a ensaiar todos os dias, até porque não havia motivação para isso durante os meses de confinamento.
A jovem bailarina acredita que no futuro a cultura vai acabar por ser reinventada. Em relação ao seu futuro, com a chegada da pandemia a carreira profissional começou a “andar um bocadinho para trás” e confessa-se um pouco apreensiva.
A grande paixão de Laura irá ser sempre a dança, mas decidiu investir mais no futuro e começou a fazer o curso de Técnica de Especialista em Exercício Físico com a duração de um ano e meio. No final, pretende especializar-se e trabalhar na área de personal trainer. Imagina-se a conciliar a dança e a dar aulas no ginásio.