Letícia Silva: “Somos nós enquanto atletas quem tem de motivar as pessoas a sair do sofá e a assistir um jogo de futsal feminino”

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Letícia Silva: “Somos nós enquanto atletas quem tem de motivar as pessoas a sair do sofá e a assistir um jogo de futsal feminino”

Letícia Silva, atleta das camadas jovens do Novasemente Grupo Desportivo e Internacional sub-17 por Portugal afirma que são as atletas quem tem de incentivar os espectadores a assistir aos jogos de futsal feminino.

Letícia Silva a jogar
Foto cedida pela entrevistada

Em Portugal, onde o futsal é pouco reconhecido, Letícia optou pela modalidade contra a vontade da mãe que afirmava não ter disponibilidade para a levar aos treinos. “Quando eu andava na escola primária, no quarto ano, a Juventude de Gondomar estava a fazer captações. Na altura, eram só para os rapazes, mas eu disse à minha mãe que queria ir lá fazer um treino e acabei por ir, mas era sem compromisso, porque ela sempre disse que não tinha disponibilidade para me levar e trazer aos treinos. Mas na altura acabaram por me escolher e pressionaram muito a minha mãe até que ela acabou por ceder”.

Hoje em dia, quem outrora afirmava não ter disponibilidade para “andar para trás e para a frente” a levar a filha para treinos e jogos é quem mais se orgulha dos seus êxitos.

“Lembro-me que foi ela quem me deu a notícia quando fui pela primeira vez convocada para a seleção. Senti nos olhos dela o orgulho e na altura ela queria contar a toda a gente.”

Letícia
Treino da seleção – fotografia cedida pela entrevistada

No Novasemente Grupo Desportivo, Letícia Silva concretizou, aos 16 anos, o sonho de se estrear na Liga Placard Feminina, o principal escalão do futsal feminino em Portugal. Atualmente, com apenas 17 anos é internacional sub-19 por Portugal.

Foco e persistência

O tempo de paragem dos campeonatos devido à pandemia da Covid-19 fez mexer com o bichinho de “chegar ao topo” e a fixo começou a perceber que competir com as melhores poderia estar cada vez mais próximo.  O trabalho e a dedicação acabaram por ser recompensados, visto que no início da época passada recebeu a notícia de que o treinador David Lopes (antigo treinador da equipa sénior feminina do Novasemente) queria que fizesse a pré-época com as Seniores.

“Eu ainda era juvenil e senti que para além de ser uma oportunidade também estavam a confiar em mim, então eu não podia desiludir”

Letícia

Para Letícia treinar com as Seniores já era bom e tornou-se ainda melhor quando se estreou pela equipa principal, algo que no seu entender é “um sentimento que não se explica”.

O foco e a persistência são as qualidades que, na visão da atleta, a estão a fazer chegar longe. A mesma defende que para o sucesso em campo não basta apenas aquilo que se faz no treino: “O trabalho vem muito de casa desde a alimentação ao trabalho mental fora do treino”. A jogadora afirma que o desmazelo fora do pavilhão influencia o rendimento das atletas e faz com que, por vezes, não consigam dar tanto ao desporto.

Atleta com duas taças na mão a par das companheiras de equipa. Foto cedida pela entrevistada

No entender da fixo, Portugal está um pouco atrasado relativamente a outros países da Europa no que toca ao apreço pelo futsal feminino, uma vez que “em Espanha e em Itália já dão um valor diferente”. Contudo, a mesma considera que faz parte das jogadoras motivar os adeptos a vê-las jogar: “Somos nós enquanto atletas quem tem de motivar as pessoas a sair do sofá e a assistir um jogo de futsal feminino.”

O futsal feminino tem vindo a crescer, mas ainda está longe de ser equiparável ao masculino. “Quando fui a última vez à seleção, em novembro, os escalões femininos tiveram uma reunião com os escalões masculinos e eu expus isso. Disse que a diferença era notória e pedi a ajuda deles porque acho que para além de terem de ser as mulheres a fazer por serem reconhecidas também faz parte deles incentivar a querer ver o feminino e ajudar-nos nesse sentido.”

Treino da seleção. Foto cedida pela entrevistada

Fraca Remuneração

Em Portugal poucas são as jogadoras que conseguem viver apenas do futsal. Acabam por ser praticamente todas remuneradas, porém não conseguem auferir um salário que as sustente. Grande parte acaba por ter um segundo trabalho, ou procura seguir os estudos para poderem complementar o futsal com um futuro trabalho. A jogadora do Novasemente não foge há regra e considera que não pode haver descuidos nos estudos porque nunca se vai poder viver do futsal.

A fixo de 17 anos acabou o 11º ano com média de 19 no curso Científico-Humanístico de Línguas e Humanidades e procura mantê-la para conseguir entrar em psicologia no ensino superior. Haver maior reconhecimento podia dar a volta à situação e haver cada vez mais jogadoras a conseguir viver do desporto.

Festejar um golo com as colegas de equipa. Foto cedida pela entrevistada

Preconceito e assédio

O preconceito com o sexo feminino ainda é muito regular nos tempos que correm. Letícia sente-se sortuda, uma vez que nunca teve esse problema, já que quando ainda jogava com os rapazes sentia que eles a protegiam de tudo.

Quanto a assédio, a atleta refere um episódio caricato, posterior ao futsal federado, num dos torneios de verão em que participou. “O treinador que me convidou na altura para esse torneio pediu para falar comigo no final (…) ele levou-me até ao carro dele e, à medida que íamos falando, começou a ter atitudes mesmo desconfortáveis e a querer tocar-me intimamente”.

Futuramente a jovem atleta idealiza que o preconceito, a inferiorização e o assédio sejam extintos do desporto e espera que haja igualdade entre o masculino e o feminino, não só no futsal, mas no geral. A mesma deixa a mensagem para que o futsal feminino comece a ser mais apreciado, uma vez que, no seu entender, quando visto com atenção, é algo mágico.

*a mãe da entrevistada, que é menor, declara que permite a publicação do texto.