Assimetrias Regionais: Como é viver longe de tudo?
A Rede Urbana Nacional organiza-se segundo um desequilíbrio monocêntrico evidente, os grandes centros administrativos são reforçados e, cada vez mais, os restantes territórios esquecidos. Em Regoufe, Pedorido e na Aldeia da Pena conhecemos algumas das pessoas que, devido a uma organização demográfica desajustada, vivem à margem de recursos e serviços.
Portugal é um país com acentuadas lacunas urbanas. Para além de haverem poucas cidades de grande e média dimensão, a maioria localiza-se no litoral; no interior existem poucas cidades e, a maioria, são de pequena dimensão geográfica. A arquiteta Inês Miguel esclarece ao #infomedia que nos “maiores centros urbanos – como Lisboa e Porto – existe uma grande acessibilidade a serviços, produtos e transportes”, enquanto isso, as “periferias e zonas do interior” por norma “com menos dimensão geográfica” subsistem com uma tremenda “falta de oferta dos mesmos serviços antes mencionados, especialmente a nível de transportes públicos” destaca. Natacha Sá, também arquiteta, acrescenta que “existem bastantes áreas que são esquecidas e que, por conseguinte, acabam por desequilibrar o território em geral”, no seu parecer “devemos apoiar e lutar pela caracterização urbana num todo” e não apenas “dar importância a determinadas regiões”.
Macrocefalia Urbana: O que é? O conceito é utilizado para descrever a concentração económica, política, social e demográfica de um país em um ou vários centros urbanos. Esta distribuição nada homogénea está associada a um crescimento urbanístico desenfreado e pouco planeado. Consequentemente, os serviços e infraestruturas concentram-se nessas tais “grandes cidades” e a restante parcela de território é negligência, quase como se de uma marginalização se tratasse. |
Lisboa, enquanto capital, é também o maior centro administrativo e económico do país, ainda que, hoje em dia, o Porto também se tenha tornado uma cidade importante no panorama governamental português. Carolina Lemos, de 21 anos, é atualmente estudante de enfermagem na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, porém, grande parte do seu tempo livre é passado a mais de 250 quilómetros da capital, em Atalaia do Campo, no Fundão, distrito de Castelo Branco. A futura enfermeira garante que, o estilo de vida na grande cidade e na aldeia “são completamente diferentes”.
De acordo com o INE, Castelo Branco é uma das várias regiões que possuí uma taxa de crescimento negativa, nomeadamente, abaixo de – 1%. Enquanto que, em Lisboa, Carolina garante que “é tudo acessível, mesmo em termos de acesso a cuidados de saúde, infraestruturas ou até meios de transportes”, na aldeia “não há tanta variedade de transportes públicos, utilizam-se os autocarros, mas, mesmo na vila, até se recorre mais aos veículos próprios” devido à escassez de horários. Também a nível de hospitais, “o mais próximo fica a 40/45 minutos, isto em um caso de urgência ainda é muito tempo”. Para a generalidade, estas são algumas das condicionantes decisivas na hora de escolher onde viver.
Apesar de ser um meio pequeno e isolado, a estudante não nega que isso tem as suas vantagens. “Cada vez mais se fala sobre sustentabilidade e alimentação biológica. A verdade é que, no meio rural, nós próprios cultivamos, quase toda a gente tem a sua própria hortinha, é muito mais fácil ter um estilo de vida sustentável do que nas grandes cidades” confessa. A pandemia da COVID-19, na realidade, fez com que bastantes pessoas se mudassem para o interior, mas, ainda assim, os números continuam díspares. Como é natural, sendo que a maioria da população se concentra na região litoral, sobretudo na capital e na invicta, os planos de desenvolvimento regionais são sempre mais intensos nessas zonas, e a inércia urbana existente nas restantes regiões prevalece, ano após ano.
Regoufe, Arouca.
A aldeia sem COVID-19.
Perdida entre as Montanhas Mágicas da Serra da Freita, o caminho até à pequena aldeia de Regoufe é sinuoso, sobretudo para quem não está habituado às estradas municipais que conduzem até ao destino. Durante a 2.ª Guerra Mundial este local era conhecido pela exploração mineira de volfrâmio. Porém, desde que as minas fecharam, o movimento na região estagnou. Ultimamente a principal ação levada a cabo para dinamizar a zona foi a criação do percurso pedestre PR14. O trilho começa junto à capela de Regoufe e termina na inabitada aldeia de Drave.
← Estrada de acesso a Regoufe. Fotografia de Ana Luísa Capelo.
O aconselhado é estacionar o carro à entrada da aldeia. Também os telemóveis podem ficar por lá, já que não há rede. O atrelado cor de laranja é a única indicação, de que, à semelhança da aldeia vizinha, este sítio não é também inabitado. Existem apenas dois caminhos, o da direita conduz até a um café e um restaurante e o segundo, à esquerda, leva-nos até à Capela, situada junto à Ribeira de Regoufe. Serpenteando por entre as habitações, torna-se evidente a ruralidade da região.
Entrada de aldeia. Fotografia de Ana Luísa Capelo. →
Ao caminhar pelas pacatas ruas da aldeia, de longe a longe, galinhas ou cães cruzam o nosso caminho. Em Regoufe estes animais andam livres e saúdam todos os visitantes. Nos extensos campos que circundam a localidade é possível ver algumas pessoas a trabalhar a terra, tal como é habitual numa tarde solarenga de verão. Completamente isolados geograficamente e com uma população bastante envelhecida, a agricultura é uma das principais atividades dos que lá moram.
Fotografias de Ana Luísa Capelo.
“Vocês andam como manda a lei” afirma, um homem, apontando para as nossas máscaras. Após percorrer alguns dos caminhos empedernidos da aldeia, por fim, cruzamo-nos com o primeiro habitante. Manuel da Costa Martins tem 73 anos e orgulha-se de todo esse tempo ter sido passado em Regoufe, “só saí daqui uma vez”, prossegue, “quando fui para Angola, no tempo da Guerra, de resto, sempre vivi cá e nunca quis ir para outro sítio”. Curiosamente, esta é também uma das poucas localidades em Portugal onde ainda não houve um único caso de COVID-19, como começa por nos contar Manuel, claramente orgulhoso deste feito. “Aqui nem usamos máscara, nunca houve um único caso do vírus” explica, apoiado no seu ancinho enferrujado, “a gente vê na televisão e tem receio, mas cá estamos descansados, também somos poucos, poucos e fracos” brinca, “porque é só gente mais velha, crianças há poucas, muito poucas”.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
O Porto é o centro urbano mais perto de Regoufe e, ainda assim, é uma viagem de mais de 75 quilómetros de distância. “Estamos isolados” assume Manuel, à medida que a conversa se vai desenrolando. Conta que tem um carro, caso contrário seria impossível deslocar-se para onde quer que fosse devido à lacuna de transportes públicos, mas, sempre que necessita de ir com a viatura à revisão tem de se deslocar “até Castelo de Paiva”, que fica a uma hora de viagem da aldeia.
“Para irmos ao médico temos que ir até Arouca”, uma viagem de cerca de meia hora, “temos aqui em São Pedro do Sul também, mas demora mais ou menos o mesmo tempo”, explica que, para Arouca, “se vai mais depressa, a estrada é melhor, para São Pedro do Sul é muito pior”. Quando chegam a Arouca, se for um caso considerado grave, ainda há a necessidade de serem reencaminhados para o Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira. Mais uma viagem de 35 quilómetros que separa esta população do acesso a cuidados de saúde básicos.
A criação do caminho para Drave “começou a chamar muita gente” desabafa, mas, com os confinamentos sucessivos, esse fluxo turístico cessou. Acessível apenas a pé, esta “aldeia mágica”, como é conhecida, fica a 4 quilómetros de Regoufe. Perdeu o seu último habitante em 2009 e, desde aí, mais ninguém se mudou para lá. Tornou-se emblemática, não só, pelas casas de xisto – ainda que a maioria delas já esteja em ruínas, mas também pelas piscinas naturais formadas na Ribeira de Palhais.
Enquanto aponta para o horizonte, indica-nos que “para ir para Drave é por aquele caminho, ali além”, mas lamenta o estado do percurso. “Os incêndios deram cabo de tudo”, daí quase a totalidade do trajeto ser exposta ao sol, sem um único lugar de sombra para se refugiar durante a caminhada. “Não sei o que se está a passar, mas está a acontecer em todo o lado” começa por contar, enquanto recorda que, quando visitou outra aldeia arouquense, também sentiu que a região estava ao abandono, disseram-lhe que em Regoufe seria igual e “realmente está a acontecer o mesmo”.
À semelhança da maioria dos habitantes desta aldeia, Manuel também se dedicou, durante toda a sua vida, à agricultura, mas não nega que é um ofício injusto. Relembra que até chegou “a ir buscar maquinistas a outros sítios só para virem lavrar terra para mim”, de forma a que fosse possível aumentar a sua fração de terreno apto para cultivo. “Lavrei para aqui terreno…” profere melancolicamente, “só no lugar de Regoufe, fiz 100 hectares, em várias parcelas, olhe, foi-se tudo”. De um momento para o outro, o arouquense perdeu não só grande parte dos seus terrenos, mas também tudo o que tinha lá plantado, “e foi por causa dos incêndios, foi para aí há 4 anos” especifica, apesar deste ser um flagelo constante todos os anos na região. Relembra que depois “houve aquela lei de limpar os terrenos”, contudo, a realidade é que não possuem os meios necessários para limparem áreas tão extensas, “a gente não consegue, vêem os da câmara, mas já a tarde e más horas, já devia estar feito”. Localizadas em zonas rurais e apenas circundadas por vegetação, as aldeias portuguesas tornam-se bastante vulneráveis aos fogos, Regoufe é o exemplo disso.
Nos últimos anos a quantidade de incêndios intensificou-se. Segundo dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais, Portugal é o segundo país da UE mais afetado por este desastre natural, só no ano de 2020 arderam cerca de 61 mil hectares de terra.
Na memória de todos está ainda presente o desastre de Pedrógão Grande, um dos maiores incêndios do mundo no fatídico ano de 2017. Desde então que se fala sobre Planos de Recuperação e Apoios às Vitimas, mas, é importante perceber que tipo de ajudas, em concreto, é que esta iniciativas representam e quem é que abrangem. Como Manuel Martins explicou ao #infomedia, foi também em 2017 que as chamas rodearam Regoufe. Este incêndio de grandes dimensões começou em Vale de Cambra, mas rapidamente se alastrou pelos concelhos vizinhos de Arouca, Castelo de Paiva e Sever do Vouga. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) da região Norte desenvolveu estratégias de auxílio que visaram, teoricamente, os lesados por este flagelo.
Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional: Decreto-Lei n.º 104/2003 “As CCDR [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional] são serviços desconcentrados do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, dotados de autonomia administrativa e financeira, incumbidos de executar ao nível das respectivas áreas geográficas de atuação as políticas de ambiente, de ordenamento do território, de conservação da natureza e da biodiversidade, de utilização sustentável dos recursos naturais, de requalificação urbana, de planeamento estratégico regional e de apoio às autarquias locais e suas associações, tendo em vista o desenvolvimento regional integrado“. |
PROGRAMA DE APOIO À RECONSTRUÇÃO (PARHP)
“Visa a concessão de apoio às pessoas singulares e aos agregados familiares cujas habitações permanentes foram danificadas ou destruídas pelos incêndios de grandes dimensões que tiveram lugar, no dia 15 de outubro de 2017. Uma das medidas prioritárias é a concessão de apoio no domínio da habitação, em especial no que respeita à reparação dos danos e prejuízos sofridos nas habitações permanentes danificadas ou destruídas pelos incêndios” Fonte: CCDR Norte.
APOIO PARA EMPRESAS AFETADAS PELOS INCÊNDIOS
“As empresas cuja capacidade produtiva ficou diretamente afetada pelos incêndios podem candidatar-se ao Sistema de Apoio à Reposição da Competitividade e Capacidades Produtivas. Os apoios incidem sobre diferentes despesas, nomeadamente relativas à aquisição, instalação, transporte ou reparação de máquinas e equipamentos indispensáveis à reposição da capacidade produtiva” Fonte: CCDR Norte.
COMISSÃO PARA AVALIAÇÃO DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO (CPAPI)
“Avalia os pedidos de indemnização referentes a danos patrimoniais ou não patrimoniais resultantes dos incêndios ocorridos entre 17 e 24 de junho e 15 e 16 de outubro de 2017. Os pedidos de “Declaração comprovativa da condição de vítima” no tocante aos danos materiais excluindo os danos inerentes à atividade agrícola devem ser remetidos a esta CCDR-N” Fonte: CCDR Norte.
Apesar da variedade de apoios que esta Comissão Regional se comprometeu a criar e, efetivamente, levou a cabo, há pessoas que perderam os seus bens nos incêndios e não foram abrangidas por nenhum destes planos. Manuel Martins, por exemplo, ao ter perdido os terrenos agrícolas é, desde logo, excluído como beneficiário de uma indemnização porque a Comissão responsável (CPAPI) exclui quaisquer tipo de danos que estejam ligados à agricultura. Tendo em conta que este incêndio se alastrou por várias zonas rurais é necessário refletir se estes apoios, realmente, foram tão inclusivos quanto deveriam.
Por outro lado, o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), como forma de apoiar a recuperação agrícola, após os incêndios de 2017, atribuiu um montante global de 84 milhões de euros a 25 193 agricultores. Foram beneficiários não apenas produtores em grande escala que precisavam de restabelecer o seu potencial para continuar a fornecer grandes empresas de distribuição alimentar, mas também agricultores em menor escala que apenas declararam prejuízos entre os 1 053,31 e os 5 000,00 euros. Ainda que esta seja uma iniciativa altamente impulsionadora da reestruturação do setor, é necessário considerar os números. No ano de 2017 arderam, no total, 440 mil hectares em Portugal, todavia apenas 25 193 agricultores foram incluídos neste programa de ajuda económica (Fonte: Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas). Os restantes tiveram de arcar com as consequências.
Pedorido, Castelo de Paiva.
Declínio Evolucional.
A Freguesia de Pedorido, claramente, tem uma densidade populacional superior a Regoufe. Partindo desse pressuposto, assume-se que deveria ser um sítio com mais acessibilidades, serviços e infraestruturas, porém, tal não se faz notar. Maria Dias, de 48 anos, nasceu na aldeia de Pedorido e viveu lá durante toda a sua vida, atualmente trabalha no lar de idosos da freguesia. Assegura que, “já sentiu vontade de se mudar”, sobretudo porque ao “pensar em como a aldeia era há 10 anos trás e como está agora, continua tudo igual, aliás, algumas coisas pioraram, nem uma caixa multibanco temos aqui”.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
De entre as múltiplas carências deste local, destaca, claramente, a falta de transportes públicos, “a maioria da população é envelhecida, não tem carro e depois, como há poucos transportes, ficam muito limitados”. Antes da pandemia, apesar de os horários serem muito dispersos, admite que “ainda haviam vários autocarros, tanto para a vila [Castelo de Paiva], como para o Porto”. Porém, após os períodos de confinamento “suprimiram a maior parte dos horários, deixaram de existir simplesmente”, inclusive “chegou a haver uma altura em que nem sequer estavam a trabalhar”.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
Também esta zona, outrora, foi conhecida pela exploração mineira. Nas Minas do Pejão, como eram chamadas, procedia-se à extração de carvão. Estas chegaram a ser, inclusive, das minas mais rentáveis da região do Douro e foram as últimas deste minério a encerrar em Portugal. Manuela lembra que, nessa altura, ainda “havia um barco que fazia a travessia de Pedorido para Rio Mau”, na outra margem do Douro, “e, por causa disso, as pessoas tinham mais acesso a transportes públicos, lá há autocarros de 15 em 15 minutos”. Quando o complexo mineiro encerrou o fluxo de pessoas a viajar para a freguesia diminuiu e o barco deixou de fazer a viagem, “agora, quem quiser ir especificamente para lá
[Rio Mau] tem de ir até Entre Os Rios ou Crestuma, é cerca de meia hora de carro”, elucida.
Após o encerramento das minas o desenvolvimento na região estagnou. Rosendo Pereira, antigo operador de máquinas de extração na empresa carbonífera, relembra que, quando o local fechou, Pedorido ficou um deserto, “as pessoas tiveram de se desenrascar, para um lado ou para o outro, a vida continua – só não continuou para a região”. Ao todo, chegaram a trabalhar lá mais de três mil pessoas e nem todas eram da freguesia, “havia gente de Pedorido, Rio Mau, Melres, Lomba, Marco de Canaveses, Penafiel, de muitos sítios”, esclarece o antigo funcionário da empresa, “depois essas pessoas todas ficavam cá a morar, só iam a casa nos fins de semana e às vezes nem isso”. O número de habitantes da freguesia atingiu o seu pico em 1960, apogeu da atividade mineira na zona.
Fonte: INE, Instituto Nacional de Estatística.
A freguesia beneficiou bastante da prosperidade económica que as minas carboníferas trouxeram ao concelho. Rosendo afirma que tinham de tudo, “para a época, era um sítio desenvolvido”, só que “nem isso se manteve”. Conta que antes existiam, por exemplo, múltiplos espaços sociais e culturais “havia um centro de espetáculos, costumavam fazer lá peças de teatro e atividades para entreter as crianças, também tínhamos um cinema gratuito”. Hoje em dia, se desejar ir ao cinema, tem de se deslocar até Vila Nova de Gaia ou São João da Madeira, viagens de 33 e 31 quilómetros, respetivamente.
Havia também a “Cooperativa” que, na altura, era o correspondente a um hipermercado, “tinha tudo, vendia roupa, louça, tecidos e mercearia”, especifica Rosendo. Este espaço foi inteiramente fundado pelos trabalhadores na mina e, inicialmente, até era permitido que fizessem compras sem pagar na hora, “a conta era descontada do ordenado”. Dentro do complexo da empresa tinham ainda “piscina, para as pessoas irem no verão, um campo de ténis e um campo de futebol”, agora “está tudo abandonado”, sem qualquer tipo de manutenção por parte do proprietário privado que adquiriu a maior parte do complexo. A Câmara Municipal de Castelo de Paiva é detentora de apenas uma pequena parcela, nomeadamente do Poço de Germunde que, de acordo com alguns planos, iria tornar-se num quartel de Bombeiros para atender a população do “baixo concelho”. Até hoje, continua inutilizado, a deteriorar-se dia após dia. Segundo Manuela “há muitos planos e fala-se que vão fazer muita coisa, mas nunca sai do papel”.
Fotografias de Ana Luísa Capelo.
Vídeo realizado por Ana Luísa Capelo.
Para além de, na altura, terem vários serviços e infraestruturas por perto, também os cuidados médicos eram uma prioridade. O Hospital de Oliveira do Arda, antes denominado de Centro de Ação Social, foi inaugurado em 1952 na freguesia vizinha e “era um dos melhores hospitais de Aveiro, faziam lá cirurgias e tudo” relembra o antigo operador de máquinas. Agora, foi reduzido a um Centro de Saúde.
Madalena Sousa, de 76 anos, confirma que na altura das minas era “tudo muito diferente”, desde que a empresa encerrou “deixou de haver interesse na região” afirma. Para ela o que mais faz falta é realmente o acesso a cuidados de saúde, algo que outrora tinham à disposição. Esta situação é semelhante a de outras aldeias. Torna-se evidente que o próprio Sistema Nacional de Saúde é demasiado centralizado nas urbes, deixando as periferias desamparadas. Este acaba por ser um contra-senso pois, pela lógica, a população mais envelhecida terá uma maior necessidade de ter cuidados de saúde à disposição.
Quando há a necessidade de ir a um Hospital, os pedoridenses têm de deslocar até Santa Maria da Feira, a 31 quilómetros, ou a Penafiel, 37 quilómetros, estas são as duas Unidades mais perto. Para fazer exames, é a mesma coisa, o centro de saúde não providencia esse apoio médico, “costumamos ir lá para tomar uma injeção ou fazer um curativo, para isso dá” explica Madalena. Atualmente, está a ser seguida regularmente em oftalmologia no Hospital de Penafiel, mas tem muitas dificuldades em se deslocar até ao local devido à falta de um transporte próprio e à ausência de autocarros para lá. “Sou obrigada a ir de táxi”, conta, sem outras opções, recorre ao mesmo taxista há anos, “tenho que pagar 30€ de cada viagem, sempre que vou lá ainda tenho essa despesa extra, mas é isso ou ficar sem as consultas e piorar”.
Situações semelhantes a esta são comuns em Portugal, apesar dos esforços internacionais para reverter as disparidades sociais no Mundo. Foi neste sentido que a ONU criou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com meta de execução até o ano de 2030. É vital, todavia, refletir sobre a falta de assiduidade demonstrada quando se trata de relevar a importância e necessidade do cumprimento dos objetivos estipulados nesta agenda. A verdade é que enquanto que existe um Objetivo 11 que promove o direito a serviços, transportes e urbanização inclusiva, há também uma realidade rural, paralela mas bastante presente, em que os transportes públicos são limitados ou inexistentes e não há acesso a serviços ou infraestruturas básicas. O desequilíbrio acentua-se.
Os grandes centros urbanos expandem-se desenfreadamente e os planos de desenvolvimento continuam a focar-se nessas áreas. De acordo com o ODS 9 deve ser promovido um desenvolvimento económico regional equitativo, mas tal revela-se inexequível quando, a 9 anos do fim do prazo de execução, existem inúmeras localidades sem centros de saúde, mercados, bancos ou serviços públicos. A finalidade destas medidas, de forma geral, passa pela redução das desigualdades, a todos os níveis. O Objetivo 10, em particular, promove a igualdade de oportunidades e a inclusão social, porém, de acordo com os Censos 2011, em Portugal, 48% da população está concentrada nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto. A tendência é que, desde aí, o número tenha aumentado. Esta medida, perante a assimetria demográfica, torna-se uma utopia equitativa.
Aldeia da Pena, São Pedro do Sul.
(Quase) deserta.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
Chegar à Aldeia da Pena, só por si, já é um desafio. A estrada é íngreme, cheia de curvas e contracurvas, não possui qualquer segurança nas bermas e, apesar de ser de dois sentidos, há apenas espaço para um carro. A partir do momento em que começamos a descer a Serra de São Macário em direção à Pena, é possível ir vendo, no meio de um vale, o pequeno aglomerado de casas xisto do qual, cada vez, nos aproximamos mais. As ruas da aldeia são muito estreitas e os veículos têm, obrigatoriamente, de ser deixados no pequeno estacionamento à entrada da localidade.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
Também as caixas de correio dos habitantes são num pequeno compartimento em frente ao local designado para deixar os carros. Apesar de ter várias caixas, apenas duas estão ativas, já que, dos seis habitantes, quatro deles fazem parte da mesma família, marido e mulher com duas filhas. As outras duas pessoas são um casal de reformados.
Fotografia de Ana Luísa Capelo.
A aldeia está silenciosa, não se avista uma única pessoa. O #infomedia bateu a algumas portas, mas sem resposta. Viemos a saber depois que alguns dos habitantes não estavam no local e outros nem deram pela nossa presença. Contactamos mais tarde, através de telefone, a família de quatro pessoas que vive na localidade e que são também donos do único restaurante da aldeia que ainda está aberto, a Adega Típica da Pena.
Alfredo e Ana Brito contam que, antes de se mudarem para a Pena, viviam em Lisboa, “não somos naturais da aldeia, mas os meus avós e a minha mãe sim” explica Ana, desvendando que ambos já conheciam o local e tinham ligação à região, a mudança para lá “não foi um tiro no escuro”. Apesar das diferenças extremas entre a capital e esta pequena localidade, a proprietária do restaurante afirma que “neste momento, não me vejo noutro sítio”, passados cerca de 20 anos desde o dia em que trocaram a cidade pelo campo, a Pena já se tornou a sua casa. Ana diz que, infelizmente, neste momento “não existe nenhum projeto da autarquia que vise a aldeia”, mas não esconde que “gostaria que houvesse, principalmente a nível de acessos”, a estrada é perigosa e isso dificulta ainda mais as viagens entre localidades. Também, se os acessos fossem melhores, isso poderia significar uma promoção, ainda maior, da atividade turística. Durante a pandemia viram-se forçados a encerrar o estabelecimento mais do que uma vez, “o restaurante ficou fechado durante os dois confinamentos”, mas agora reabriram novamente e qualquer um que deseje visitar o espaço já o pode fazer.
Imagens retiradas da página Facebook do estabelecimento.
Para além dos que lá vivem, quem melhor conhece a aldeia são os seus visitantes assíduos. Na entrada da localidade vemos uma moldura com a seguinte frase “Valeu a pena vir à Pena”. A opinião de quem a visita vai precisamente de encontro ao slogan. “É como um refúgio da cidade, aliás, toda a zona da Freita é ótima para desanuviar e passear um bocadinho” conta Gonçalo Passos, um jovem engenheiro informático que, longe das tecnologias, é na Natureza que encontra a sua forma de se reconectar.
“Comecei a ir à Pena há algum tempo, no início ainda ia com os meus pais até” relata, “mas noto alguma diferença de antes para as últimas vezes que lá fui, quando a aldeia começou a ficar mais conhecida ainda não era tão turística, agora já há vários adereços que são estrategicamente escolhidos de forma a contribuir para a aura pitoresca que se criou do local”. Considera que este seja um bom sítio, por exemplo, para “almoçar, na Adega fazem pratos tradicionais portugueses e é um bom restaurante” ou “simplesmente caminhar pelas ruas”, recorda, de forma efusiva, que “até já aconteceu estar a passear por lá e, de repente, ver animais soltos na rua”. Assume não achar que “haja muito mais para fazer”. Ressalva que quando se visita sítios assim, nomeadamente aldeias isoladas e com poucos habitantes, há que saber “para aquilo que vamos”. “É um sítio calmo, ótimo para desacelerar o ritmo”, não é um local “cheio de atividades para nos manter ocupados, para isso há outras Penas” brinca comparando a calmaria da aldeia de xisto de Viseu com o homónimo Pena Aventura Park, no distrito de Vila Real.
Fonte: World Urbanization Prospects: The 2018 Revision.
“Não me imaginava a viver aqui”, Gonçalo afirma seguro “é bonito, mas de visita, hoje em dia é muito complicado ter a capacidade para viver assim tão longe de tudo”. Na sua opinião “é por isso que tantos sítios estão a ficar cada vez com menos habitantes”. Ainda que seja um infortúnio, é comum várias aldeias portuguesas, sobretudo no interior do país, irem perdendo os seus moradores, até ficarem completamente inabitadas e entregues à natureza. A nível mundial, esta tendência é crescente e, até 2050, não será contrariada, as populações urbanas irão continuar a crescer. Após anos de um severo processo de êxodo rural, as famílias, que outrora viviam no campo, já se estabeleceram nas grandes cidades e é lá que, agora, constituem família, sem intenções de retornar às suas origens. Os mais velhos que, ainda assim, ficaram nas aldeias, vão desaparecendo e o monocentrismo urbano acentua-se.