Microplásticos: “Há muitos compostos de cosméticos que nunca foram ensaiados do ponto de vista da sua toxicidade”
- Marta Bacelar
- 15/06/2021
- Inovação Multimédia Saúde
[Reportagem de Maria João Leal Pereira e Marta Bacelar]
A indústria de cosméticos e cuidados pessoais aplica ingredientes plásticos em inúmeros produtos. Geralmente, estes componentes dizem respeito a materiais sintéticos, não degradáveis, insolúveis em água e sólidos.
As partículas de plástico usadas nos cosméticos são muito pequenas, o que corresponde a um valor inferior a cinco milímetros. Neste contexto, inserem-se produtos cosméticos e de cuidados pessoais, são eles: desodorizantes, pasta dos dentes, cremes hidratantes, máscaras faciais, shampoo, maquiagem, protetores solares, entre outros.
Os microplásticos podem resultar da fragmentação de plásticos maiores (garrafas ou bolsas) devido a vários processos, como a fotodegradação, interações físicas, químicas e / ou biológicas, ou por serem produzidos industrialmente num tamanho microscópico para serem usados como pellets para produção de plástico, bem como, depuradores, ou seja, sistema de purificadores, em produtos de higiene pessoal. |
Entre muitas características, os plásticos distinguem-se pela versatilidade, pela natureza durável e alto custo-efetividade, que fazem com que estes desempenhem um papel crucial em muitos setores estratégicos:

Devido ao vasto uso de produtos plásticos, ao descarte impróprio de resíduos plásticos e à natureza da fragmentação desses materiais, os plásticos estão a acumular-se numa escala descontrolada nos ecossistemas terrestres e aquáticos. Os microplásticos podem ser transportados pelo vento e pelo escoamento superficial para ambientes de água doce (rios, lagos) e posteriormente acabam nos oceanos.

Notavelmente, a principal causa da ocorrência destas partículas nos sistemas aquáticos são as descargas de efluentes, que são portadores de partículas de plástico libertados pela lavagem de roupas sintéticas ou produtos de higiene pessoal. Assim sendo, as principais fontes de poluição dos microplásticos (MP) são processos não controlados, como como abrasão e degradação de produtos plásticos maiores, ou seja, MP secundários. Embora os primários originários de produtos cosméticos e de cuidados pessoais representem apenas uma pequena fração da carga geral estimada de microplásticos ambientais, o impacto causado está, no entanto, longe de ser desprezível.
Por essa razão, numa amostra de 153 pessoas, o #infomedia constatou que a maioria dos inquiridos não presta atenção à lista de ingredientes dos produtos que compra e usa frequentemente. Desafiamos um grupo de pessoas a ler os componentes de produtos que usam diariamente, com a noção das consequências que cada constituinte apresenta. O resultado foi este:
Uma consequência não intencional dos ingredientes de plástico em produtos cosméticos é que eles são emitidos para o meio ambiente por meio de águas residuais. Na maior parte do mundo, a emissão é direta para águas superficiais, mas a emissão também pode ocorrer via efluentes tratados ou aplicação de esgoto lodo (biossólidos) em terras agrícolas, aterros sanitários ou despejo de lodo de esgoto no mar.
Daniela Batista, pesquisadora na área da biologia esteve à conversa com o #infomedia e apontou as principais consequências dos microplásticos para os humanos.
Assim que os microplásticos entram nos sistemas aquáticos, podem ser amplamente dispersados em diferentes compartimentos ambientais devido às diversas formas e densidades que estes polímeros apresentam.
Isto vai torná-los disponíveis para o biota aquático que ocupam diferentes habitats ou níveis tróficos. Muitos animais não conseguem distinguir se estas partículas são alimento e acabam por ingerir os microplásticos, podendo acumulá-los no seu organismo e por sua vez estes animais podem ser ingeridos por outros de um nível trófico superior chegando assim ao ser humano.
Um dos exemplos mais comuns tem a ver com os animais invertebrados, já que, são ingeridos pelos peixes que por sua vez são ingeridos por nós, humanos. A outra problemática associada aos microplásticos é a capacidade que outros poluentes presentes nos sistemas aquáticos e sedimentos têm de se adsorver a estas partículas, como por exemplo os metais, produtos farmacêuticos, como antibióticos e até mesmo pesticidas.
Um dos pontos destacados pela investigadora Daniela Batista é a educação ambiental em todas as faixas etárias, desde crianças, jovens, adultos e séniores. “Devemos consciencializar todas as pessoas para esta problemática e mostrar-lhes que existem outras alternativas”. Usar plásticos mais resistentes para que possam ser reutilizados e plásticos biodegradáveis é uma das alternativas que a pesquisadora aponta. Para além destas medidas a tomar, a reciclagem, embalagens ‘bio’ e mostrar o descarte dos plásticos no devido local , irá reduzir o lixo humano encontrado em sistemas aquáticos. Quanto a nível de produtos de higiene pode-se utilizar na mesma mas substituir os que têm microplásticos na sua constituição por produtos mais naturais como o sal, o açúcar ou até mesmo areias, sendo muito fácil de perceber isso: os rótulos dos produtos têm descrito todos os constituintes e, geralmente, o plástico está descrito como polietileno ou polipropileno.
Uma das alternativas para distinguir se um produto contém microesferas plásticas é usar a aplicação Beat the Macrobead. Esta campanha foi criada por duas ONG holandesas, a North Sea Foundation e a Plastic Soup Foundation e tem como principal objetivo verificar se os produtos de higiene pessoal tem na sua composição microplásticos.
Mas, afinal, como funciona esta aplicação? Para aceder ao guia ‘passo a passo’, clique aqui.
Numa conversa com uma das pioneiras nesta temática, Paula Sobral, fundadora e atual presidente da Associação Portuguesa do Lixo Marinho, comenta a fiscalização em massa na indústria dos cosméticos, pois está diretamente relacionada com a possibilidade dos produtos conterem substâncias tóxicas. “A indústria dos cosméticos é muito fiscalizada, ainda que sejam produtos oriundos de países como a China”, começa por referir. Apesar do controle de qualidade que existe, a investigadora explica que há um composições impossíveis de controlar. “Há muitos compostos que nunca foram ensaiados do ponto de vista da sua toxicidade”. Isto acontece regularmente com os plásticos uma vez que têm muitos aditivos. Paula Sobral, explica que, perante um um número conservativo, por exemplo, numa amostra de 1000 compostos diferentes, apenas cinco são ensaiados. Portanto, os restantes compostos continuam a ser utilizados, ainda que se desconheça verdadeiramente os perigos associados.
“Muitas vezes, os componentes tóxicos existentes em produtos de primeira geração – os primeiros que a indústria produz para adicionar – são mais tóxicos do que produtos posteriores que são mais modernos, ou seja, produtos de segunda e terceira geração”, esclarece a investigadora. Clarifica, também, que a indústria tem interesse em que os seus produtos não sejam classificados como ‘elevada toxicidade’ e, por isso, são os próprios a apostar na fiscalização.
Para ler a entrevista completa a Paula Sobral, clique aqui.
Perante isto, a questão que se impõe é: Se há uma fiscalização regular e um conhecimento das consequências dos microplásticos, então porque que a maior parte não é abolido do mercado?
O INFARMED é a autoridade competente responsável por monitorizar todo o circuito de fabrico, colocação no mercado e distribuição de produtos cosméticos em Portugal. O controle dos produtos cosméticos disponíveis no mercado e dos operadores económicos, opera atividades como as de seguida enumeradas:

Num primeiro momento, verifica se os cosméticos em circulação no mercado estão em conformidade com a legislação, incluindo a verificação da informação de rotulagem e do ficheiro de informações sobre o produto. Controla se a rotulagem não contém alegações enganosas ou com referências ao possível potencial terapêutico de um produto cosmético, as quais são exclusivas dos medicamentos. De seguida, inspeciona fabricantes, distribuidores, importadores ou qualquer entidade que disponibiliza produtos cosméticos. Aquele que tiver o estatuto de Pessoa Responsável por determinado produto deve ser capaz de provar que o seu processo de fabrico se encontra de acordo com as Boas Práticas de Fabrico de Produtos Cosméticos. Por fim, recolhe periodicamente amostras para avaliação da sua qualidade.
Quando são encontradas não conformidades, o INFARMED exige que os operadores económicos implementem as medidas necessárias para as corrigir ou tornar o produto conforme grave da legislação, o INFARMED tem autoridade para suspender ou retirar o cosmético do mercado nacional.
Os cosméticos não são objeto de uma autorização administrativa prévia à colocação no mercado. O que quer dizer que, apesar de não haver uma fiscalização direta, cada produto tem uma pessoa responsável, naturalmente associada, que garante o cumprimento das obrigações previstas no Regulamento (CE) n.º 1223 / 2009 |
O Quintal Bioshop nasceu em 2006 e é uma mercearia bio com um conceito sustentável. A abertura do estabelecimento surge a partir da aspiração de dois irmãos, Mónica Mata e Carlos Mata, associada à educação transmitida pela mãe que visa a alimentação biológica e, consequentemente, um estilo de vida saudável. A proprietária conta que nos anos 80 a mãe já era vegetariana. Pioneira nesta temática uma vez que existia pouca oferta de produtos naturais e biológicos. Para além da educação, a área da saúde une os dois irmãos. Mónica Mata de Farmácia e Carlos Mata de Desporto, ambos tinham o objetivo de abrir um negócio próprio nesta área tendo em conta o estilo de vida saudável.
O estabelecimento rege-se pelo consumo consciente e, tanto quanto possível, pela redução da pegada ecológica. Promove, assim, a aquisição de produtos amigos do ambiente, alertando para as consequências que têm no bem-estar da população, assim como no mundo. Para além dos produtos alimentares, existe igualmente uma aposta na cosmética natural, nos produtos de higiene, nos detergentes ecológicos, nos suplementos nutricionais e no recurso a métodos naturais de cura.
Para ler a entrevista completa a Mónica Mata, clique aqui.
O #infomedia visitou o Quintal Bioshop e através da proprietária Mónica Mata ficou a conhecer mais sobre o espaço:
Ainda que os produtos biológicos não sejam a área de estudo de Paula Sobral, a investigadora aborda esta temática no âmbito da falta de informação sobre o conceito que possa, eventualmente, existir e o que isto pode provocar.
Quando questionada sobre a possibilidade dos produtos naturais e biológicos serem uma solução para a problemática dos microplásticos, considera que se a embalagem de um produto era em plástico e, agora, é em papel, de facto, é um progresso. Contudo, vem resolver? Não. “O que pode resolver é a fonte, ou seja, não introduzir plásticos nos produtos, tudo o resto são facelifts que fazem aos produtos para que eles pareçam mais ecológicos e mais enquadrados naquela que é, recentemente, a lógica das coisas bio”, defende. “Se não fizerem mais nada ao produto, estamos só a falar da embalagem”, acrescenta.
Neste seguimento, Paula Sobral aborda a publicidade enganosa como um tópico importante nesta questão. Isto porque o consumidor ao efetuar a compra de um produto em que lê, desde logo, na embalagem, bio, entende que está a adquirir um produto ecológico, amigo do ambiente. “Mas, na verdade, não sabe o que significa o conceito”, adianta. Apesar do termo existente na embalagem, mesmo sendo bio, pode conter microplásticos. “Isto representa uma confusão enorme para o consumidor porque não existe informação que seja facilmente entendida pelo consumidor que normalmente é leigo nestas matérias”, remata.





Num estudo de 153 pessoas, 53,2% do sexo feminino, 29,4% masculino e 11,8 % não especificado, constatou-se a falta de informação relativamente à composição de produtos cosméticos e da sua comercialização. Este estudo, conta com respostas de portugueses, japoneses, brasileiros, venezuelanos, espanhóis e franceses.
De facto, os produtos naturais e biológicos ainda não são muito procurados em Portugal. No presente estudo, a definição do conceito em análise – produtos naturais e biológicos – é conhecida por 85% dos leitores. Algumas das respostas dadas são: “produtos que não fazem mal ao ambiente”, “componentes sustentáveis” e “produtos de origem natural”. No entanto, apenas 35% destas pessoas consome este tipo de cosméticos sustentáveis.
Quanto à questão “presta atenção à composição dos produtos que compra?”, a resposta “sim” foi a menos votada. Destaca-se o “não” com 57.1%.
Tal como a proprietária da loja Quintal Bioshop constatou, a maioria das pessoas não compra produtos biológicos por considerar que os preços são elevados.

O #infomedia constatou que os preços dos cosméticos naturais variam entre os 3,40€ e os 7,40€. Tendo em conta os valores dos produtos deste género, em grandes superfícies, os produtos biológicos não apresentam preços elevados .
Para finalizar, questionamos os leitores sobre o conhecimento das consequências dos microplásticos detetados em produtos cosméticos. Surpreendentemente, a maioria absoluta respondeu “sim”.