Mulheres e Consciência de Voto

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Mulheres e Consciência de Voto

[Texto e imagens: Beatriz Silva, Inês Ramos]

Como era a vida das mulheres antes do 25 de abril de 1974? Será que ainda exercem do seu direito ao voto? Manuela Silva, Celeste Branca, Maria Ferreira e Fernando Lopes, moradores na cidade do Porto (pode ver aqui por onde passamos) deram-nos o seu testemunho sobre como tudo aconteceu na cidade, como as coisas mudaram na vida das mulheres depois da Revolução e sobre a sua consciência de voto.

Durante o regime do Estado Novo (1933-1974) o direito ao voto das mulheres era regido através de decretos e leis, que escondiam intenções manipuladoras e restritas. A concessão do direito ao voto tornou-se numa estratégia de controlo do regime, fazendo com que os homens controlassem a vida das mulheres. A imagem da mulher, segundo a ideologia do Estado Novo, tornou-a numa esposa, educadora, empregada doméstica, cuidadora e progenitora.

O direito ao voto feminino tornou-se numa ferramenta de propaganda, situação que é demonstrada por Albina Fernandes, no seu livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo”. Um livro que relata a luta pelos direitos femininos em tempo de ditadura.

Carolina Beatriz Ângelo: Pioneira do Voto Feminino em Portugal

Carolina Beatriz Ângelo é uma figura central na história da luta pelo direito ao voto das mulheres em Portugal. Em 1911, tornou-se na primeira mulher a exercer o seu direito ao voto no país.

O código eleitoral permitia o voto a todos os chefes de família alfabetizados, sem especificar o género. Carolina Beatriz Ângelo era médica, viúva e chefe de família, por isso, cumpria os requisitos legais. Após a rejeição inicial de seu requerimento para ser incluída nos cadernos eleitorais pela Comissão de Recenseamento e pelo Ministério do Interior, ela recorreu ao tribunal e obteve uma sentença favorável do juiz. A decisão judicial foi amplamente noticiada. O jornal “A Capital” celebrou a sentença como uma vitória para o feminismo nacional, refletindo o apoio de alguns membros do governo provisório. A 28 de maio de 1911, Carolina Beatriz Ângelo votou, sendo a única e primeira mulher a fazê-lo.

Após dois anos, em 1913, a legislação eleitoral foi alterada para especificar que apenas homens podiam votar. A questão do voto feminino voltou a ganhar destaque em 1928 durante o Congresso Feminino de Portugal. Foi somente em 1931 que o voto feminino foi introduzido em Portugal, mas apenas com a Revolução de 25 de Abril de 1974 foram abolidas todas as restrições baseadas no sexo dos cidadãos.

Carolina Beatriz Ângelo faleceu a 13 de outubro de 1911, no mesmo ano em que votou, deixando a sua marca na história dos direitos das mulheres.

Consciência de Voto das Mulheres do Porto

Exercer o direito ao voto é um dever. Esse direito foi conseguido para que todos pudessem expressar a sua vontade sobre o rumo do seu próprio país. Um direito que demorou muito a ser conquistado por todas aquelas mulheres que tanto o ansiavam. Será que as mulheres ainda fazem questão de votar?

Celeste Branca votou pela primeira vez quando tinha 26 anos. Lembro-me muito bem. Senti-me muito feliz! Aliás, fazia parte até de uma mesa de voto em Leça da Palmeira. Foi muito bom.” A mesma afirma que é importante cada um ter o direito de expressar e escolher aquilo que crê ser melhor para nós enquanto sociedade e poder exercer esse direito em liberdade.

“Faziam-se filas para ir votar. A primeira vez que nós conseguimos votar, eram filas e filas de gente!”

Maria Ferreira

“Eram filas intermináveis, era uma coisa maravilhosa. Uma festa, uma festa. As primeiras eleições foram uma festa, de facto. Uma festa!” 

Celeste Branca

Manuela Silva, 54 anos, relembra a primeira vez que foi votar. Conta-nos uma história que a marcou quando ainda era criança. “Anularam o voto à minha avó. Fiquei muito revoltada!” Graças a essa situação, não consegue votar noutro partido, porque em criança, prometeu que iria votar sempre no partido que a sua avó escolhera. “Achei uma crueldade!”

Por isso, reconhece o dever de exercer o seu direito ao voto. “Sim! Sim! Sem dúvida nenhuma. Votar sempre! Eu voto sempre!”

Celeste Branca e Maria Ferreira salientam a importância de ir votar, algo que fazem sempre que têm essa oportunidade.

“Eu estou sempre muito atenta. Gosto de seguir os debates políticos, as notícias e de ler. Cada um tem a sua ideia formada, mas podemos contestar! Peçam licença para falar, para dar vossa opinião. Temos que ter consciência de que a nossa voz tem peso e é valorizável!”

Celeste Branca

“Lembro-me perfeitamente da primeira vez que fui votar. Era uma alegria muito grande. Por muito que digam que não se está bem… está-se muito melhor! Era uma miséria.”

Maria Ferreira

Como é recordado o 25 de abril de 1974

No Porto, o 25 de Abril de 1974 é relembrado por Fernando Lopes de 68 anos, um morador de Campanhã que, no dia da Revolução presenciou os movimentos nas ruas quando se deparou com dois tanques virados para a Câmara do Porto. 

Museu Militar, Porto

O mesmo aconteceu com Maria Ferreira de 72 anos, que testemunhou as movimentações de pessoas na Baixa da cidade. “Já havia movimentação das pessoas devido à Revolução do Cravos. Na Avenida Rodrigues Freitas, junto à antiga PIDE (atual Museu Militar), já havia confusões.” Porém Maria Ferreira relata que as pessoas que estavam com ela se questionaram de que lado é que era a Revolução, “Falta saber de que lado é que é a Revolução”. A meio da manhã, do mesmo dia, Maria tem a confirmação, através de telefonemas, do que realmente se passara. 

Busto Virgínia Moura, Porto

Celeste Branca de 75 anos, também viveu o 25 de abril na cidade do Porto. Naquele que seria um dia normal de trabalho, apercebeu-se das movimentações. “Fiquei muito temerosa, fiquei receosa de que o que estava a acontecer em Lisboa tivesse sido um golpe de direita.” Dirigiu-se à baixa da cidade na qual se deparou com muita gente nas rua, algo se passara mas não sabia o quê. Até que quando chega a casa, e estavam todos na mesma posição, houve o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA). “Ficamos um bocadinho mais tranquilos, não totalmente.” Celeste Branca realça a importância que deu ao dia 27 de abril, uma vez que foi o dia em que as portas das cadeias, onde estavam os presos políticos, abriram. Relembra a antiga PIDE, o atual Museu Militar na Rua do Heroísmo no Porto, “Foi uma enorme manifestação ali na Rua do Heroísmo, com a Engenheira Virgínia Moura, o arquiteto Vidal Moreira, advogados, enfim, gente de esquerda que havia cá no Porto.”

“O 25 de Abril para mim só existiu no dia 27, quando as portas das cadeias, onde estavam presos os presos políticos, por delito de opinião, por serem contra o regime, foram abertas as portas das cadeias e saíram para a rua as pessoas que lá estavam. Aí é que nós dissemos, estamos bem.”

Celeste Branca

Virgínia Moura – a Mulher que Resistiu à PIDE

Engenheira Virgínia Faria de Moura, nascida em Conde, Guimarães, tornou-se conhecida como a mulher resistente ao regime do Estado Novo. Foi presa nove vezes na sede da PIDE do Porto, atual Museu Militar. 

Nas ruas de Campanhã é lembrada como a mulher que resistiu à PIDE, por Fernando Lopes “Foi uma ativista política aqui do Porto que lutou contra o fascismo. Ela penteava o cabelo às ondinhas, que era para tapar os papos que tinha na cabeça que a PIDE lhe fazia quando era presa.”

Celeste Branca, durante a sua entrevista, deu destaque a Virgínia Moura. “Conhecia pessoalmente, a ela e ao marido. Encantadora, era uma mulher encantadora.”

“Conheci uma grande mulher que tem ali uma estátua ao pé do cemitério…Virgínia Moura. Uma senhora que lutou muito contra o fascismo.”

Fernando Lopes

“Conhecia pessoalmente, ela e o marido. Encantadora, era uma mulher encantadora.”

Celeste Branca

A Vida das Mulheres antes e pós a Revolução dos Cravos

Celeste Branca recorda a sua vida antes do 25 de abril de 1974. Conta-nos que, antigamente, as mulheres não podiam votar (apenas as freiras, licenciadas ou que exercessem cargos públicos), não podiam ir viajar sem a autorização do marido ou do pai, e o mesmo acontecia para abrir uma conta no banco. Numa altura em que teria os seus 25 anos de idade antes deste grande acontecimento na história de Portugal suceder, Celeste Branca era trabalhadora/estudante desde os seus 18 anos. “Filha não penses em ficar à espera de te casares para ter um marido que te dê dinheiro para comprares umas meias ou para comprares uns sapatos! Tenta ser ainda mais independente, tenta ganhar o teu dinheiro tenta fazer o teu futuro” Celeste Branca teve sempre este incentivo por parte dos pais e começou a trabalhar.

“Portanto, a minha visão como jovem trabalhadora/estudante, era uma visão de muito empenho, muito trabalho, muita luta, até porque tinha uns pais que me incentivavam a estudar e a trabalhar.”

Celeste Branca

As mulheres adultas viviam essencialmente em casa, eram donas de casa. Relembra que quando foi trabalhar o seu pai abriu uma conta com a mesma no Banco Português do Atlântico, uma vez que tal não poderia acontecer sem a autorização do pai. “Fiz um grande banzé quando o meu pai uma vez me disse “oh menina, temos que ver aquele saldo da tua conta, aquilo está tão baixinho vamos ver onde é que gastas o dinheiro”. O dinheiro era ganho por mim e eu tive sempre muita vontade de passear de conhecer o mundo.”

Depois do dia da Liberdade, a vida das mulheres mudou. Passaram a ter direitos que antes não existiam. Deixaram de ser dependentes dos maridos, passaram a ter voz na tomada de decisões, ganharam oportunidades na educação e saúde e, ganharam o direito de votarem e serem eleitas.

Fernando Lopes, acredita que o 25 de Abril trouxe uma enorme mudança na vida de todas as mulheres. “O que mais mudou na vida das mulheres foi a forma como eram reconhecidas e tratadas, essa foi sem dúvida a maior conquista.”