O admirável mundo do casino

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O admirável mundo do casino

O maior empregador de Espinho é o casino da cidade. Em 46 anos de funcionamento já foram muitos os funcionários que passaram pelos corredores deste local. Como será trabalhar aqui?

Sensações do Casino

Horários reduzidos, número reduzido de funcionários e disposição das salas de forma diferente é a nova realidade do Casino de Espinho em tempos de pandemia.  

Localização

É através de uma porta rolante que ao meio dia este mundo que parece paralelo ao real começa. Ao entrar no Casino de Espinho, localizado numa das ruas mais movimentadas da cidade, somos recebidos por uma simultaneidade de sons que rapidamente caracterizam o espaço. O jazz remete-nos para um estado de requinte, o tilintar das slots é inconfundível, ouve-se o dinheiro a cair das máquinas, as pessoas a falar sobre jogo e sobre as próprias vidas, a máquina do café que raramente para e os pagadores a direcionarem os jogos nas bancas que variam entre as quatro roletas Americanas, os três Black Jack’s, as três Bancas Francesas, um Poker sem Descarte e um Ponto e Banca. No setor do jogo há cerca de 130 trabalhadores.  

Ao nosso olhar é visível uma carpete cinza por todo o piso, o brilho dos candeeiros, um bar redondo central que em cima tem a estrutura de uma pantera iluminada, vemos também os Barmens de colete e camisa a servir os clientes que se dispõem nas cadeiras bordôs à volta. 

A correria dos clientes para as máquinas também é notável, a troca de turnos de duas em duas horas dos pagadores das bancas que vestem um fato bege com um laço no colarinho e encaram uma postura séria, os técnicos que se dispersam na sala para ajudarem os clientes e para repararem alguma(s) das 463 máquinas que invadem o espaço. De momento o número de slots é mais reduzido devido à disposição das salas neste tempo. Antes da pandemia havia mais variedade, rondavam as 800 slots machines.

Os fatos pretos com camisa branca são vestidos pelos chefes de cada setor que marcam presença junto dos seus colaboradores.

Devido à pandemia houve uma redução significativa do número de Barmaids em atividade. Comummente denominadas por meninas da bandeja, têm como função servir bebidas e refeições aos clientes que se encontram nas bancas e máquinas.

Imagem cedida pela entrevistada

Bárbara Neves, antiga funcionária, era uma das meninas da bandeja e admite que trabalhar num casino por vezes torna-se complicado por lidarem com clientes que carregam consigo um vício perigoso.

“é importante que coloquemos de lado a nossa consciência. Por vezes faz muita confusão o que eles estão a fazer… o tempo que estão lá. Passamos lá pelo menos oito horas e vemos muita coisa. O jogo é um vicio terrível, e deixa as pessoas nervosas. Então o melhor é limitarmo-nos ao nosso trabalho”.

Numa espiral de sensações e glamour vislumbra-se um movimento delicado de atenção das características “meninas da bandeja” que consigo levam um lenço de pescoço que traça uma certa elegância, uma bandelete vermelha, uma camisola com um desenho estampado de cartas e uma saia calção juntamente com uma meia calça preta opaca e uma sabrina preta de ponta vermelha. 

“Já vi pessoas a chegarem ao abismo”

De calça e camisola às riscas e sempre de um lado para o outro, de olhos atentos aos cinzeiros e a cada superfície, as funcionárias da limpeza empurram o seu carrinho que contém uma pá, uma vassoura e alguns panos. Provavelmente desempenham um dos papéis mais importantes: manter tudo limpo, além do gosto em conversar com os clientes.

Maria Correia, uma das colaboradoras da limpeza, conta que trabalhar neste meio por vezes afeta psicologicamente, pois lida com alguns clientes que a nível emocional são muito instáveis, acrescenta “há sócios(as) que são muito mal-educados e tens que engolir sapos do tamanho do mundo! Mas em contrapartida tens alguns muito simpáticos(as)”.

Se hipoteticamente pudesse falar com um alguém que representasse o cliente comum do Casino, e se fosse fora do meio de trabalho Maria afirma que “tentaria ao máximo ajudar a pessoa a sair do jogo, o mais depressa possível. Pode-nos levar ao abismo”, sublinha, confessando que já teve casos próximos no núcleo pessoal.

A pandemia veio trazer menos movimento ao Casino de Espinho. Por norma, os dias de mais afluência eram a quinta, sexta, sábado e domingo, entre o final da tarde e a noite. Com a Covid-19 o casino encontra-se fechado aos fins de semana, e o dia de maior fluxo passou a ser a sexta-feira, pelas 21 horas. Os restantes dias são menos movimentados, mas à uma hora mais propícia ao jogo: 17 horas.

Do entretenimento ao vício

Portugal conta com 11 casinos. O Casino do Estoril é o maior da Europa, já o de Espinho, apesar dos seus 15 900 m2, não é dos de maior dimensão. Em todos são percetíveis as mais variadas faixas etárias, sendo que só se pode entrar a partir dos 18 anos para a área de jogo, enquanto nas salas de espetáculos, é possível que menores participem nos eventos com o acompanhamento dos encarregados de educação.

No Casino de Espinho, nas salas onde se realizam os espetáculos que por norma são acompanhados com um jantar é visível mesas redondas decoradas com elegância, com candeeiros pequenos com uma luz acolhedora que torna o ambiente refinado.

Segundo o trabalho de investigação “O caminho do jogo – análise sócio-económica”, do ano letivo de 2003/ 2004 os clientes podem ser categorizados de várias formas, o “Cliente social” que apenas frequenta o casino em espetáculos, jantares ou bares mas não joga; o “Jogador social” tem também os mesmos interesses que o “Cliente social”, no entanto, depois acaba por jogar um pouco, movidos pelo entretenimento. A última categoria “Jogador hard”, cliente tem como única atividade jogar, esta difere-se em dois pontos: o “jogador controlado”, este estabelece um valor monetário para gastar e não ultrapassa as possibilidades; o “jogador descontrolado” que acaba por gastar todo o dinheiro e após perceber que perdeu tudo tem como reflexo pedir dinheiro para jogar mais.

De: Ana Pascoal

Sónia Barros trabalhou durante dois anos e meio na área do atendimento ao cliente e sente que quando entrou no Casino para trabalhar tinha muitos estigmas. “Parecendo estereotipo ou não, sempre pensei que só ia ao casino quem podia, quem tinha muito dinheiro, mas a verdade é que não, há muita curiosidade apenas por parte das pessoas”, conta. Apesar do ambiente pesado que possa ser aprendeu muito.

Da pantera iluminada aos vidros espelhados

Ao subir as escadas rolantes para o segundo piso o cenário é ligeiramente diferente. No bar/restaurante Joker, repleto de espelhos e prateleiras iluminadas onde colocam as garrafeiras, ao longe ouve-se um cliente chamar pelo “Sr. Carlos” que rapidamente se aproxima com uma francesinha na mão. O cheiro invade o ambiente. 

A área de jogo neste piso é perto do Joker, vê-se pessoas a jogar, umas eufóricas outras de olhar cabisbaixo. O fumo no ar já não é constante: neste piso já existe uma sala exterior para os fumadores, e por mais que pareça irrelevante ajuda bastante os trabalhadores a que não ingiram permanentemente o cheiro intenso do tabaco.

O ambiente bastante específico, desde os cheiros, as conversas, os costumes que envolvem o jogo, o dinheiro, a revolta da perda, a felicidade de quem ganha, a correria entre a máquina do multibanco e a do jogo, torna curioso e importante perceber quem está por dentro de todo o dinamismo deste espaço que é o Casino Solverde, o papel de cada trabalhador é fundamental.

Para Bárbara o mais complicado era gerir os comentários malformados por parte dos jogadores e saber gerir isso tornou-se num processo que envolve paciência.

Detalhe que não passa desapercebido é o facto de todos os dias entre os trabalhadores não faltar o aperto de mão. O cumprimento é um sinal de respeito e simpatia e até os clientes mais velhos que são considerados da casa tem como hábito este gesto.

Neste local é importante que os funcionários consigam manter o equilíbrio, o dinheiro é um vicio bastante perigoso e afeta de forma grave os jogadores, facilmente mudam o estado de espírito e rapidamente destabilizam quem está a trabalhar. “A frustração da perda é tão grande que acaba por aterrorizar tudo o que está à volta”, sublinha Sónia.

Já no último piso ouve-se uma voz masculina e grave que diz “É com prazer que anunciamos que acaba de sair mais um Jackpot neste casino, esperemos que o próximo seja você”. Alguns clientes levantam-se e tentam descobrir quem foi o feliz contemplado. Há um burburinho na sala e alguém está imensamente feliz.