O comércio portuense: “Tenho clientes que não vejo desde março”

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O comércio portuense: “Tenho clientes que não vejo desde março”

A pandemia, que teve início em março de 2020, atingiu todos os setores económicos, mas o setor comercial, foi um dos que mais sofreu com o aparecimento da Covid-19. As restrições impostas pelo Governo português, ainda dificultaram mais a situação. No Porto, em janeiro, não é diferente, e os comerciantes sentem o negócio cada vez mais fraco. A mercearia “Pérola do Bolhão”, a loja de roupa infantil “Gente Miúda”, a “Alfarrabista João Soares” e a “Ourivesaria Chic” contam como corre o negócio, nesta época de pandemia.

A “Pérola do Bolhão” é uma mercearia típica, que foi inaugurada há 103 anos, situada na Rua Formosa no Porto, perto da Rua de Santa Catarina, a principal rua de comércio do Porto, que traz muitos clientes ao estabelecimento. Quando se passa à porta do 279, salta logo à vista a bonita fachada, em azulejo, tipicamente português. A loja está cheia de funcionários, que nada têm para fazer, devido ao número reduzido de clientes. Sentado, está António Reis, o proprietário, que se encontra rodeado de queijos, vinhos do Porto, chouriços e enlatados e que não está confiante com o futuro da loja.

A mercearia teve uma queda de cerca de 50% no negócio com a pandemia, tendo melhorado um pouco na época de Natal, uma vez que vende bacalhau a clientes antigos e que tem uma grande variedade de frutas secas, que atraí diversos clientes. Após o Natal, voltou a piorar.

As medidas impostas pelo Governo, segundo o dono, não afetaram muito o negócio porque tem um horário diferente daquele que é abrangido pelas restrições. Mas o proprietário diz que “não havia necessidade de cortar tantas horas de serviço”. Ao fim de semana, ao fechar de tarde, vem mais gente de manhã, o que acaba por ser ainda pior para travar o vírus, porque “as pessoas acabam por vir todas ao mesmo tempo” – diz António Reis.

O proprietário não tem grande esperança que o negócio melhore nos próximos tempos porque não acredita na vacina.

“Eu tenho pouca fé na vacina, porque geralmente só se sabe se resultou passado um certo tempo” – expressa Reis.

Fachada em azulejo da “Pérola do Bolhão” Fotografia: Francisco Moreira

A curta distância, um pouco acima da Capela das Almas, fica a loja de roupa infantil “Gente Miúda”. No número 451 está uma senhora a arrumar caixas, que aparentam ser de encomendas, recentemente recebidas, uma vez que não tem nenhum cliente para atender. Teresa Castro trabalha nesta loja de roupa há 35 anos.

Para esta empresa, segundo a proprietária, “março e abril foram meses terríveis”, porque não venderam absolutamente nada “ao balcão”. O que ajudou a loja, nos tempos de confinamento, foram as vendas online, que permitiram que os clientes efetuassem algumas compras, durante os meses mais parados e em que estiveram fechados.

As restrições afetaram o negócio, porque apanharam a época de Natal e fechar às 13 horas não ajuda. Mas Teresa sabe que “é um mal necessário”, devido ao número elevado de casos que tem existido nos últimos dias. As medidas do fim de semana influenciaram o negócio negativamente, uma vez que, na opinião da proprietária “as medidas repercutem-se, também, durante a semana.”

“As pessoas têm medo de cá vir. Tenho clientes que não vejo desde março. Clientes que vinham cá todos os meses” – disse a lojista.

Teresa acha que com a quantidade de casos recentes, as medidas são necessárias, e que o Governo tem de fazer alguma coisa para travar a propagação da Covid-19.

Não está confiante para 2021 e diz que, se não fossem as redes sociais e as vendas online, estavam “desgraçados”.

Loja “Gente Miúda” Fotografia: Francisco Moreira
O crescimento das vendas online
Com a pandemia, o encerramento de algumas lojas, e as restrições, os comerciantes tiveram que encontrar outras formas de chegar aos clientes, optando, pelo comércio online, que se tem vindo a praticar, graças ao desenvolvimento das novas tecnologias digitais.
Um estudo realizado pelo grupo Ageas Portugal e pela Eurogroup Consulting Portugal, revela que os cidadãos portugueses privilegiaram o consumo de bens alimentares e de saúde, o que demonstra um interesse pelo bem estar. Também foi notória a preferência por bens desportivos, tecnológicos e para a casa, em detrimento de bens culturais, de roupa, viagens e de automóvel.
O mesmo estudo, revela que cerca de 57% dos inquiridos realizaram mais compras online nos últimos seis meses, e que esta tendência é mais notória na população entre os 18 anos e os 24 anos de idade. Apesar do crescimento das vendas online nos últimos tempos, 66% dos inquiridos nesta pesquisa, admitem que irão realizar compras, no futuro, tanto de forma online como presencial. No entanto, apenas 16% dizem que as lojas físicas vão ser a escolha principal no futuro. A preferência das pessoas recai para as compras em loja, para todas as categorias de produtos, à exceção das viagens.

Voltando à Rua Formosa, que faz perpendicular com a Rua de Santa Catarina, existe uma livraria muito antiga na cidade. João Soares é filho do proprietário da livraria “Alfarrabista João Soares”. A livraria situa-se na rua Formosa há dois anos, no número 231, mas já existia desde 1997, na rua das flores. O prédio onde estavam foi vendido e portanto foram obrigados a mudar para este novo espaço. A loja encontra-se repleta de livros, alguns deles aparentemente antigos e de grande valor cultural.

Soares diz que o negócio não foi muito afetado pela pandemia porque já estava a ser afetado antes, devido à evolução das novas tecnologias e ao facto, da nova geração não ocupar tanto tempo de lazer com a leitura. Mas, obviamente, “como todas as atividades comerciais também foi um bocado afetada, quanto mais não seja, pelo fraco movimento de pessoas que se vê aqui na rua”.

“As vendas online mantêm-se estáveis mas as vendas presenciais e as visitas à livraria têm diminuído um bocadinho” – afirma João.

As vendas online e os clientes habituais que já tinham antes da pandemia, fizeram sobreviver a loja, mas “o mercado está mais complicado.”

Em certa medida, as restrições em termos de horários, foram um pouco causadoras desta diminuição de negócio. “O sábado à tarde costumava ser um bom dia e a época de Natal costumava ser boa também.” O filho do proprietário diz que com as restrições, na livraria, as pessoas raramente se acumulam, nunca tendo mais de seis pessoas de uma só vez, já que tem uma loja relativamente grande.

Na opinião de Soares, com estas restrições, os clientes não têm tanta disponibilidade ao sábado de manhã para ir à loja, nem têm tanto tempo para poder ver os livros com a calma necessária, o que é uma justificação dos clientes para não efetuarem uma compra. Só a tarde de fim de semana é que têm prejudicado o negócio, porque durante a semana “os clientes fazem as visitas regulares.”

O lojista já esteve mais confiante do que agora: “No verão pensava que o Natal já seria uma coisa mais ou menos tranquila”. Soares acha que 2021 não será tão mau como 2020, mas que ainda “não será como foi 2018 e 2019, na esperança de que as pessoas comecem a ter interesse pela leitura e pelos livros.”

Com as novas tecnologias, as vendas online por si só, não irão fazer sobreviver a loja, porque as pessoas gostam de ver os livros pessoalmente, e preferem vir à loja, do que comprá-los online. O que ajudava o negócio em termos de vendas e a angariar clientes novos, eram as feiras de livros, que iam acontecendo pela cidade, mas que devido à pandemia foram canceladas.

Interior da livraria “Alfarrabista João Soares” Fotografia: Francisco Moreira

Saindo da Rua Formosa, é preciso percorrer vários quilómetros para chegar à loja 110, nas galerias Campus São João, no Porto, onde o movimento não é muito. A “Ourivesaria Chic” abriu em 2014. Elisabete Moreira é a dona deste estabelecimento e não está muito satisfeita com os últimos meses.

Para a proprietária, as restrições que vigoram no país são péssimas para o negócio e fazem com que as pessoas se juntem todas a realizar as compras.

“As pessoas vão todas ao mesmo tempo para as lojas, e eu acho que isso não é benéfico, nem para o negócio, nem para a prevenção do Covid” – confidencia a dona da ourivesaria.

No que toca às vendas online, Elisabete admite que não investiu muito nestes últimos tempos, apesar de ter uma loja online, e de ter realizado algumas vendas desta forma, durante os últimos tempos. Segundo a proprietária, “uma das funcionárias ligadas a essa área esteve de licença de parto, e portanto, não foi possível investir muito nessa área”.

Entrada da “Ourivesaria Chic” Fotografia: Francisco Moreira

Que apoios tiveram as empresas?

Devido à pandemia, diversas empresas sofreram uma diminuição da faturação e muitas foram até obrigadas a encerrar. Sendo assim, o Governo português lançou algumas medidas de apoio às empresas.

Uma das medidas mais importantes, foi o “Lay Off simplificado”, que consiste num apoio à empresa, por cada trabalhador. Destina-se ao pagamento das remunerações por parte do Estado. O apoio é de 70%, sendo que a empresa, fica obrigada a pagar os restantes 30% do salário ao trabalhador.

A medida APOIAR, criada mais recentemente, foi um apoio para as micro e pequenas empresas, que tenham sido afetadas pelo confinamento, de forma a garantir que continuam com a atividade, após a pandemia. Este apoio, prevê que as empresas mantenham os postos de trabalho e não cessem a atividade. Consiste num financiamento, onde é atribuído 20% do montante da diminuição da faturação da empresa, num máximo de 7.500 euros, para as micro empresas, e num máximo de 40.000 euros, para as pequenas empresas. Este apoio, não abrangeu empresas com capitais próprios negativos à data de 31 de Dezembro de 2019, nem empresas que não tivessem a situação financeira regularizada, com a Autoridade Tributária e com a Segurança Social.

Para além destas medidas, o Governo também impôs, pelo Decreto-Lei 10-J/2020, de 26 de março, a “Moratória de Crédito”. Esta medida, significa que as prestações deixarão de ser pagas, ou seja, serão suspensas, de modo a que as empresas possam pagar mais tarde, em data e condições a definir. Basicamente, consiste no adiamento, do pagamento dos empréstimos aos bancos.

Mesmo com estas medidas, muitas empresas não conseguiram resistir à pandemia. De acordo com o Instituto Informador Comercial (IIP), no ano de 2020, faliram 4.468 empresas, cerca de mais de 12% que em 2010. O comércio, a restauração e a construção foram os setores mais afetados.