“O espaço público no Ciberjornalismo não é uma questão de segurança, mas de insegurança”

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“O espaço público no Ciberjornalismo não é uma questão de segurança,  mas de insegurança”

Por Gisela Silva, João Tavares e José Mendonça

Numa era tecnológica e digital, como a que se vive nos dias de hoje, a palavra segurança promove o dissenso quando o assunto é ciberespaço. Isso porque segurança parece não ser sinónimo de liberdade. Os cidadãos, em geral, sentem-se desprotegidos, até porque o espaço público da web continua sem regulamentação efetiva, as boas práticas continuam a ser negligenciadas, e é terreno para fomentar o cibercrime, como discursos de ódio e hacking. Além disso, há jornalistas que têm utilizado as redes sociais e tido comportamentos que rasam o limite da liberdade de expressão, alimentando populismos e acicatando os ânimos online. Por outro lado, as caixas de comentários online de alguns órgãos de comunicação social continuam a ser espaço fértil para amplificar vozes insultuosas. Estão são algumas das ideias fortes discutidas pelos convidados da sessão da manhã da quinta edição Jornalismo Frankenstein, organizada pelos finalistas de Ciências da Comunicação da Universidade Lusófona do Porto, com transmissão em direto no Facebook do ULP #infomedia, no âmbito da unidade curricular de Ciberjornalismo, lecionada pela professora e jornalista Vanessa Rodrigues.

O fotojornalista Eduardo Leal, a jornalista da Divergente Sofia da Palma Rodrigues, o advogado e professor universitário Francisco Espinhaço e o investigador e professor universitário Rui Pereira discutiram ideias e reflexões contundentes, com os estudantes, sobre o papel do jornalista nesta insegurança, bem como de que forma estes podem alterar esses comportamentos, qual  o quadro jurídico-legal, as práticas do Ciberjornalismo e a importância da desconstrução de discursos de ódio.

Eduardo Leal – Sem Fronteiras

O fotojornalista Eduardo Leal abriu a sessão. Ele, que já viveu na Venezuela, na Colômbia e atualmente está baseado em Macau, tem-se dedicado a documentar, fotograficamente, a realidade das manifestações sociais nesses países. Profissional que se dedica a questões políticas e sociais, no espaço internacional, revelou algumas experiências na “linha da frente” de conflitos armados, em países como a Venezuela. Adiantou que sob regimes autocráticos, o jornalista é escrutinado porque “é o próprio Estado que pratica ciberterrorismo sobre os jornalistas, hackeando as contas de email e de telemóvel”. Eduardo falou ainda de como já foi detido, espancado e perseguido no exercício da sua profissão e de como tem de esconder os cartões de memória para que o seu trabalho não se perca. O fotojornalista reforça que, sobretudo nestes contextos, é muito importante a solidariedade entre colegas, porque juntos têm mais força do que sozinhos, contra regimes autocráticos. 

Além disso, ele, que cobriu já as manifestações em Hong Kong, fala da importância em dar voz e a perspectiva dos dois lados do acontecimento. “É muito fácil sentirmos simpatia pela causa dos estudantes, mas enquanto jornalista tenho de dar os dois lados”. Eduardo referiu, ainda, neste contexto, a escalada de violência na região, que passou de organizada e respeitosa pelo trabalho dos profissionais de comunicação social a persecutória porque vai contra o poder instalado. Sobre o discurso de ódio, ele recordou um episódio pessoal. Num trabalho que desenvolveu sobre a emancipação das mulheres na Bolívia, Eduardo confessou que foi alvo de várias mensagens de ódio, nos meios digitais, porque se alegava que ele estava a tomar o lado de um partido político, apesar de ele reforçar que estava a retratar uma história sobre mulheres. Ele considera que “o ciberjornalismo não é um espaço seguro” e que na altura, perante a enxurrada de e-mails e comentários insultuosos, foi muito importante o apoio da Open Society Foundation, para o ajudar a gerir e filtrar esse abuso online.

Sofia da Palma Rodrigues – Um nome, uma marca

A segunda palestrante foi a jornalista Sofia da Palma Rodrigues. Começou a sua intervenção colocando várias questões, tais como: “como é que o jornalista e o trabalho do jornalista pode ter um papel ativo?”; “o ciberjornalismo é um espaço seguro para quê e para quem?”; “o ciberjornalismo é um espaço seguro para a democracia?”; “a informação que circula na Internet e em espaços que estão registados na ERC, como órgãos de comunicação social, ajudam a promover o discurso de ódio?”; “Na eventualidade de promover o discurso de ódio, a liberdade de expressão deve ter limites?”.

Com estas questões, Sofia pretendia retirar o foco dos jornalistas e refletir na sua função e, ainda, se o ciberespaço tem sido um catalisador entre a liberdade de expressão e a proliferação do discurso de ódio.

Sofia referiu que, num espaço digital fortemente mediatizado e que permite a participação dos internautas nas caixas de comentários, o ciberjornalismo confronta-se com constantes e acirradas manifestações de discurso de ódio, por parte dos leitores e dirigidos aos profissionais. Contudo, os títulos e os leads sensacionalistas, promovidos pelos jornalistas para o click intuitivo, são um dos veículos para incendiar os discursos. Ao longo do seu comentário, procurou refletir sobre o papel ativo do jornalista na construção dos discursos de ódio.

A Deontologia é uma das poucas variáveis que acompanha o papel e a função de um jornalista. Segundo o que Sofia defendeu, o Código Deontológico do Jornalista é violado e os profissionais não refletem sobre a sua posição nestas violações constantes.

Por muitos problemas e dificuldades existentes na profissão, como o trabalho fora de horas e o salário baixo, Sofia salienta que depende do jornalista a qualidade da informação publicada por cada um, uma vez que existe uma assinatura que identifica o trabalho de cada jornalista. A palestrante partilha uma memória que a acompanha acerca desta identificação do trabalho jornalístico, “o teu nome é a tua marca e a nossa marca ainda depende de nós”. Esta partilha tem como objetivo mostrar que, através da defesa do nome de cada jornalista como bom profissional, isso possibilita uma melhor segurança quanto à informação partilhada em todo o tipo de jornalismo, “seja este ciber ou não”.

Para a jornalista, é importante perceber que a sociedade tenha abertura para discutir como os seus trabalhos podem gerar uma enorme onda de comentários e de opiniões mal intencionadas. Acrescenta que os jornalistas estão fragilizados pela precariedade que vivem e que no horizonte existe uma ameaça a esta atividade, uma vez que os leitores e os internautas estão a deixar de confiar na informação. 

A oradora sublinhou que uma das lacunas existentes na sociedade é a iliteracia mediática dos públicos, que não percebem o ruído quando este é proliferado no meio digital. Segundo Sofia da Palma Rodrigues, os públicos “não sabem distinguir informação fidedigna, do conteúdo de um blog”, existindo a possibilidade de confundir o jornalismo com outra atividade qualquer. A jornalista considerou, ainda, que “se os jornalistas controlarem a qualidade do que apresentam, estarão a contribuir para uma diminuição do ódio”. Neste seguimento, a jornalista questiona se os jornalistas respeitam o Código Deontológico, deixando no ar a seguinte questão: “A liberdade de expressão deve de ter limites?”

Francisco Espinhaço – O direito ao esquecimento

Francisco Espinhaço começou a sua intervenção por responder à questão de partida: Será o ciberjornalismo um espaço público seguro? Para ele, o “espaço público” e o “ciberespaço” são ambientes distintos, existindo, por isso, diferentes leis a praticar. Francisco fundamenta que não existe uma lei concreta que limita a liberdade de expressão, uma vez que o Ciberjornalismo abrange uma vasta proporcionalidade de leis. Assim, como cada país tem a sua lei e rege-se de diferentes formas. O orador salientou que se trata de um espaço invisível, o que possibilita “a entrada de fantasmas que escondem a mão quando colocam a mensagem e agridem verbalmente“, tratando-se, assim, de identidades anónimas no ato de cometer agressões verbais.

Para o advogado, a informação escrita e fotográfica proporcionam formas de opinião muito importantes para comunicarem e transmitirem o rigor da veracidade das histórias. Neste ciberespaço tanto pode ser visto como um meio “desinformativo”, mas também pode ser visto como algo útil e de respeito. Estas duas dimensões, em campos opostos, adquirem poderes e confrontam-se entre si. Francisco conclui que “Por um lado há um grupo que diz o que acha e o que pensa. Mas por outro lado existe outro grupo que se cuida com a informação existente.”

Desta forma, cada jornalista deve assumir-se de forma ética. Para tal, o Estatuto do Jornalista serve, segundo o que afirma o orador, como um auxílio para o jornalista fundamentar o exercício da sua atividade profissional.

Francisco Espinhaço realçou que “só se consegue ser rigoroso em questões de ética se o jornalista for independente”. Por outras palavras, na casualidade do jornalista ser dependente de algum órgão, este terá de cumprir as regras e os ideais estabelecidos.

O também professor universitário destacou, ainda, temas como a liberdade de expressão, refletindo que um simples comentário numa rede social pode viralizar pela internet, com um “efeito de explosão social”. Cada indivíduo deve ter a responsabilidade de se pronunciar nas redes sociais. O advogado refletiu, também, que devia existir o direito de ser esquecido. O facto de não serem guardadas informações pessoais ou identificação do indivíduo num espaço cibernauta “é um direito que eu tenho à minha privacidade. Não está certo alguém ter cometido um crime há um tempo atrás, que já pagou à comunidade com a prisão a que foi sujeito e, passado dez anos, fosse feito um comentário sobre o crime”, tratando-se de uma forma de trazer para a prática formas de descontextualizar o futuro.

Rui Pereira – (In)segurança

Rui Pereira, professor universitário e ex-jornalista, começou o seu discurso por citar Roger Waters, da banda Pink Floyd: “There is no dark side of the moon really, as a matter of fact is all dark”. A metáfora relaciona-se com a ideia de que o discurso até então enunciado pelos oradores é “dark”, cuja tradução para Língua Portuguesa é “escuro”, ou seja, sombrio.

Este orador começou por abordar a questão do campo semântico e as expressões contraditórias quanto à palavra segurança, realçando que “o espaço público no Ciberjornalismo não é uma questão de segurança, mas de insegurança”. Considera que o fanatismo está por detrás dos discursos de ódio, pois um fanático não pensa, apenas é. Este fanatismo surge do populismo que emerge devido ao falhanço do sistema político atual.

O professor universitário referiu que tem algumas reservas quanto à Constituição da República Portuguesa pelo facto de esta proibir ideias fascistas, pois, “ao proibir uma ideia estamos a dar liberdade a que outra pessoa proíba as nossas”. Considera que a Internet é a aplicação da “lei da selva” que existe nas relações quotidianas. Neste raciocínio, Rui Pereira defende que o código dos jornalistas não pode ser cumprido porque estes são assalariados de forma precária. Acrescenta que o jornalismo só contribuirá para a democracia quando não tentar fazer aquilo que não está ao seu alcance. Indica que é possível discutir o jornalismo sobre duas ideias, o funcionamento e a função, e que só podem ser compreendidas quando os jornalistas explicarem que precisam de dinheiro como todas as pessoas. Rui Pereira concluiu o seu discurso com a ideia de que “a opinião pública é uma hipostasia”, ou seja, é a atribuição de existência substancial ou real ao que é ficção ou abstração. Para o Professor, a opinião pública é uma invocação jornalística que remete o jornalismo para o serviço público que não é cumprido, uma vez que se trata de uma situação irrefletida pelo jornalista. Desta forma, é destacado o problema da opinião pública que se baseia na dificuldade em formular uma questão política que abranja todos os estatutos sociais.