O médico que se curou da Covid-19
António Abreu tem 26 anos e vive no Porto. É médico e já viveu dias difíceis quando esteve infetado com a Covid-19. Hoje, continua a lutar contra a pandemia instalada no corpo de novos pacientes, que lhe vão aparecendo nas urgências. Já recuperado, vem contar este episódio da sua vida.
António conta que existem duas opções onde pode ter sido alvo de contágio. A primeira aponta para o Hospital onde trabalha, a segunda revela Madrid. Foi a esta cidade espanhola visitar a irmã e uns amigos entre os dias seis e oito de março. Partilha que, durante esta visita, teve alguns episódios de tosse, que na altura não pareciam ser alarmantes por ser uma pessoa que tem várias vezes alergias.
Regressado a Portugal no dia nove de março, sente, nesse mesmo dia, falta de ar, tendo informado que não iria trabalhar para as urgências. Passado três dias, recebe um telefonema de um dos amigos com quem esteve em Madrid, contando-lhe que, após o teste que fez ter dado positivo, estava infetado com o vírus. Ao desligar a chamada, foi logo ele próprio fazer o teste.
No dia 15 de março confirma-se: a covid-19 está ativa e a viver dentro do corpo do médico. António já tinha iniciado a sua quarentena no dia nove de março, depois da falta de ar que tinha sentido, mas depois desta revelação ficou completamente em isolamento. “Tive sorte por os meus pais terem uma espécie de apartamento vazio ao lado da nossa casa. Estive lá fechado, sem ter qualquer contacto com alguém do dia 15 de março ao dia 31. Pode não parecer muito, mas enquanto ser social, pareceu uma eternidade”.
Revela que sentiu diferentes preocupações após o diagnóstico. “Senti muito medo de ter contagiado outras pessoas e que essas pessoas também tenham contagiado outras. Senti um enorme receio de poder passar este monstro invisível a alguém da minha família, sobretudo ao meu pai que tem 70 anos e é asmático. E sim, senti um medo horrível por existir a possibilidade da doença se poder agravar”.
Felizmente, o médico partilha que o processo de cura não foi doloroso.
Durante o isolamento, foi ocupando o seu tempo com várias atividades. Começou por fazer parte de uma plataforma de voluntariado médico, que permitia consultas via telechamada, continuando a exercer, de uma forma digital, a sua profissão e a ajudar pessoas que precisavam de cuidados médicos.
Leu dois romances intitulados “O Fio da Navalha” e o “Fim da Aventura” que lhe proporcionaram grandes aventuras no seu labirinto mental, revelando que “foram duas grandes experiências literárias de conversão.” Conta ainda que através do primeiro livro mencionado, passou a procurar com mais intensidade um constante sentido para a sua vida em isolamento. Permitiu, neste espaço de tempo, a consolidação e um crescimento no que toca ao desprendimento material, sendo capaz de meditar e de rezar com muita frequência. Conclui, dizendo, que “foi muito importante ter feito um trabalho mental no caminho da positividade e perceber que não necessito de estar rodeado de pessoas para definir ou moldar um bom estado de espírito”.
No dia 31 de março saiu o resultado do seu último teste, que deu negativo. A felicidade de António ao receber alta foi “indescritível”, aponta o médico. A vontade de voltar a ter um ritmo acelerado de trabalho, de forma a fazer a diferença pela saúde na vida de alguém, é a sua grande paixão e missão. Assim que teve alta, começou a trabalhar. Passou, então, de um período mais calmo para, de repente, ter de trabalhar intensamente 12 horas seguidas, três noites por semana.
Conta que “o primeiro dia de trabalho foi uma alegria”, mas que não estava à espera do dia que se avizinhava. Médico na linha da frente, acabou por assistir à morte de uma senhora idosa que não conseguiu ganhar a luta contra a Covid-19. “Estive sempre com ela, porque quando deu entrada nas urgências já se encontrava muito fraquinha. Foi muito intenso observar a minha doente a partir, depois de eu ter tido a mesma doença. Acredito que agora está em paz, pois estava com muita dificuldade a respirar”.
Hoje, António, o médico que se curou da Covid-19, que já levou mais de 328462 pessoas do mundo inteiro, continua a lutar contra a pandemia que está instalada nos seus doentes, quer nas urgências, quer no hospital de campanha, em Ovar.